A culpa não é das estrelas escrita por Pikenna


Capítulo 1
Capítulo Único




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A Culpa Não é das Estrelas

Por Rebeca de presente pro Julio

One-shot

Você procura o tipo de cara que é simplesmente utópico. Não existe homem ideal. Somos moldados em qualidades e defeitos. Você não pôde se apaixonar pelos meus defeitos como se apaixonou pelas qualidades, porque queria um namorado perfeito, praticamente um príncipe encantado saído diretamente dos contos de fadas. Idealizou e criou uma falsa imagem de mim nessa sua mente fantasiosa. O mundo não é colorido da forma que vê, há nuances em preto e branco necessárias para tornar a realidade mais palpável e menos quimérica. Nem tudo são flores, há espinhos. Mas não vou ficar aqui metaforizando acerca da vida, pois isso não me compete, visto que não sou poeta, sou apenas um frustrado escritor de romances como você amava ressaltar nas nossas famosas “discussões de relacionamento” mais conhecidas pela abreviatura DR.

Na verdade, pergunto-me porque estou lhe escrevendo essa carta. Ah é verdade! Mais um de meus defeitos, ser antiquado! Mas eu já chego nessa parte, paciência! Onde eu estava? Oh sim, na parte em que eu lhe dizia o quão idiota eu sou por ainda me importar contigo, o suficiente para lhe escrever essa carta a fim de dar-lhe uma satisfação decente do porquê terminamos. Eu digo que terminamos para meus amigos, enquanto você diz que terminou comigo. Qual o problema em aceitar que de certa forma chegamos a um consenso juntos de que não dava mais para continuar? Não compreendo esse seu desejo infantil de tentar em vão me humilhar. Não me importo se diz ou não que foi você quem terminou, afinal, que diferença isso fará na minha vida? Acho que alguém ainda não aceitou o fim de uma desgastante relação.

Tenho uma hipótese sobre o fato de você falar que eu nunca lhe dei os motivos reais quando acabamos o que nunca realmente começamos, porque um relacionamento até onde sei é uma via de mão dupla, não única como foi o nosso. Bem, minha hipótese é a seguinte: você esperava que eu fosse atrás de ti quando bateu a porta da minha casa após gritar aquele ridículo “ok”, ao qual respondi com outro ridículo “ok”. Você sabe que nosso “ok” não é como daquela sua história melosa favorita. Não significa “sempre”. Significa o quanto somos orgulhosos e não damos o braço a torcer. Significa o contrário do que se queria dizer. Ao invés de dizermos “não, não está ok, não está nada ok” a gente simplesmente deixa escapar por entre os lábios o frio “ok”. No fim, eu permiti que você fosse embora para nunca mais voltar. Não fui atrás de você e lhe pedi desculpas. Desculpas, aliás, pelo quê? Por eu ter tentado te amar do meu jeito?

Sei que não sou um cara romântico, mas tem que admitir que eu ao menos tentei. Te levei para Amsterdã com as minhas economias – que seriam destinadas para um churrasco com os amigos nerds, no qual jogaríamos videogame como se ainda fôssemos adolescentes, enquanto bebemos e rimos alto de alguma bobagem sobre mulheres que foi solta por alguém. Você teve o jantar onde quis - no restaurante mais caro da cidade, devo frisar - e conheceu o museu de Anne Frank. Só não fomos conhecer o tal do Peter Van Houten (chamado de Peter Van Wood) porque ele já se encontra a sete palmos abaixo da terra. Fiz de tudo para deixa-la feliz e mesmo assim não foi o suficiente. Em um piscar de olhos você se esqueceu de Amsterdã. Na verdade, você nunca fez questão de se lembrar dos meus esforços, só se recordava dos meus erros. Difícil encarar um relacionamento dessa forma, não acha? Amsterdã foi literalmente apagada da sua memória, pelo menos ao que parece a mim. Não se preocupe, eu ainda me lembro dessa viagem, afinal, meus bolsos doem até hoje.

Não sou sua mãe, muito menos seu pai para ser obrigado a bancar você e suas vontades de adolescente que espera por um final feliz. Você tem um emprego, aliás, um extraordinário emprego, e pode pagar o que quiser com o gordo salário que recebe ao final do mês. Mas não vamos entrar nesse tópico, pois não é o mérito da questão. O que interessa é que eu, como o bom idiota apaixonado que fui um dia, acabei cedendo a uma de suas vontades e paguei nossa viagem para Amsterdã. Você não gastou nem com o bombom da padaria. Todavia, não foi o suficiente para você. Nunca é! Continuou a reclamar dos mesmos assuntos: que eu nunca lhe dei um buquê de flores no dia dos namorados, que eu nunca lhe dei uma aliança no nosso aniversário de um ano de namoro, que eu nunca lhe dei uma cesta de chocolates no dia do seu aniversário.

Quer saber por que nunca fiz isso? Não é porque sou pão duro como você também gostava de ressaltar nas nossas discussões unilaterais. É porque julgo serem gastos totalmente desnecessários. Pense comigo, as flores do buquê murcharão algum dia, pois tudo o que nasce obviamente morre. Agora sobre os chocolates. Eu acho uma hipocrisia enorme essa sua vontade em querer ganhar uma cesta com muitos chocolates dentro, afinal, você vive reclamando que está engordando – o que era uma paranoia sua, uma vez que para mim você estava com o peso ideal. Então prefiro não contribuir para aumentar sua reclamação sobre o quanto você está ficando cada vez mais gorda. Alianças! Ah, as alianças! Sabia que a palavra aliança é um eufemismo para coleira? Sério, qual a necessidade de ter um anel grosso no dedo anelar? Provar pra sociedade que não é mais uma solteirona? Se eu te desse uma aliança estaria indo contra meus princípios que prezam pela liberdade de se viver sem estar pregado a um preceito idiota socialístico. Sim, acabei de inventar esse termo, tenho licença poética no momento pra isso.

Dessa forma retorno ao fato de você me achar um antiquado apenas porque tenho certos pensamentos diferentes da maioria. Lamento se você se interessou pela exceção à regra. Não posso fazer absolutamente nada em relação a isso. Muitas vezes você tentou me moldar ao que julgava ser o melhor para mim sem me perguntar se por um acaso essa mudança me faria feliz e muitas vezes você falhou. Não sou um homem influenciável, tenho opinião própria. Enfim, eu não usaria antiquado para me definir, pois é clichê demais e você sabe o quanto odeio clichê. Talvez um retrógrado ou quem sabe caturra? Não, caturra é demasiado hiperbólico. Pronto, cheguei ao ponto que eu queria. Você me acha antiquado apenas porque sou letrado, evito redes sociais que é uma fábrica de produzir inveja, uso cartas para me comunicar com as pessoas (quer um modo mais bonito que esse?), metaforizo quase sempre. Sinceramente? Não me acho antiquado por isso, sou somente diferente. É tão ruim assim ser diferente?

Com isso, eu digo-lhe que a culpa do nosso término não é das estrelas, é nossa e somente nossa. Nossa por não termos conseguido nos entender como deveríamos. Nossa por não termos aceitado um ao outro da forma que somos. Nossa por trocarmos mais gritos que carinhos, o que colaborou em grau e número para desgastar o que possuíamos. Nossa por não termos dado um tempo quando foi preciso. Nossa por não termos nos esforçado para nos amar como deveria ter sido. Não foi a doença câncer que nos separou, foi o metafórico câncer que criamos e permitimos que se espalhasse em nós dois. Eu não te perdi, nem você me perdeu. Eu me perdi e você se perdeu, mas espero que algum dia possamos nos achar e, talvez, quem sabe, reconstruirmos aquilo de bonito que compartilhávamos como um só. Por enquanto, é melhor que fiquemos assim, separados. Alguns infinitos são menores que os outros. E não transfira sua culpa para um ponto brilhante no céu noturno. Tente entender que isso aqui é a realidade, não um livro de romance. Portanto, encerro essa carta fazendo uma singela ressalva: a culpa não é das estrelas.


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