Corri o mais rápido que pude na direção daquela voz conhecida. Não demorei muito para encontrar o meu avô abraçado ao meu caderno com uma expressão preocupada no rosto. Essa expressão suavizou-se uma vez que ele me avistou.

–Kira! Eu estive te procurando e encontrei seu caderno jogado no chão da praça! O que foi que aconteceu?

Eu estava ofegante demais para responder então só segurei o braço dele com força e comecei a andar bem rápido afinal, eu preferia conversar longe dali uma vez que aquela garota poderia aparecer a qualquer momento ou pior.

–Kira! O que é isso! - protestou vô Ted diante do meu comportamento um pouco grosseiro.

–Temos que sair daqui vô!- disse com dificuldade – esse lugar não é seguro!

–Do que você está falando? – insistiu ele.

–Vô, eu respondo o que você quiser quando chegarmos em casa, mas agora vamos sair daqui bem rápido.

Ele me deu uma boa olhada, mas não disse nada e passou a acompanhar meus passos.

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Quando chegamos em casa soltei um suspiro aliviado.

–E então? – disse meu avô cruzando os braços ainda segurando meu caderno – a senhorita pode me explicar o que aconteceu?

Sem esperar que ele insistisse eu contei tudo em detalhes desde encontrei a garota de roupas esquisitas. Não lhe contei sobre o sonho a princípio porque não achava que faria diferença, depois porque era estranho mesmo.

Quando terminei, meu avô me encarava com uma expressão pensativa. Achei que ele iria ficar irritado, me chamar de mentirosa ou rir, mas eu estava mesmo muito enganada. Ele parecia uma esfinge impassível e quieta, o que eu julguei bem pior. Uma reação aguda seria mais aceitável.

–Vô, você me ouvir? – indaguei, cansada de esperar.

–Talvez... – murmurou ele ainda me ignorando enquanto apertava firme o meu caderno em suas mãos

–Eu não estou entendendo nada – falei agitando as mãos para dar um efeito

Ele tomou uma profunda respiração antes de começar a falar

–Durante a gravidez de Ellie houve muitos problemas. Muitos acreditavam que vocês não conseguiriam sobreviver.

Estreitei meus olhos. O que a gravidez da minha mãe tinha a ver com qualquer coisa? Eu havia acabado de contar que vira um monstro e ele inventava de lembrar desse assunto? Mudança brusca de assunto é pouco.

–Vô.. – eu comecei, porém ele continuou sua história ignorando-me completamente.

–Era uma gravidez de alto risco e devido ao enorme estresse, sua mãe ficou mentalmente debilitada por uns tempos.

–Eu já conheço essa história de cor vovô. Eu só não sei por que você veio lembrar disso agora.

–Durante esse momento de fraqueza psicológica sua mãe dizia ter visões de criaturas estranhas, cidades perdidas e símbolos esquisitos que ela desenhava o tempo todo. Ela não sabia explicar direito o que eles eram, apenas que eram para a sua proteção.

Quando ele disse aquilo, pus meu cérebro para funcionar.

–E você quer dizer que o que eu vi hoje pode ter algo a ver com isso? – indaguei.

–Pode ter algo não Kira, tem tudo a ver – ele estendeu meu caderno para mim – veja.

Eu olhei para o meu caderno confusa enquanto ele se levantou e começou mexer na gaveta de sua escrivaninha até retirar de lá alguns papéis.

–Olhe só! Está vendo? – ele disse enquanto exibia um dos papéis cheio de rabiscos. Rabiscos iguais aos que eu desenhava.

Comecei a analisar os papéis um a um.

–Sua mãe dizia nomes estranhos, falava que tínhamos que esconder você até que estivesse pronta para lutar por si mesma. Eu achava que era apenas delírio, mas depois de um tempo comecei a prestar mais atenção. A pesquisar sobre isso e encontrei um livro.

–O que você tinha nesse livro – ousei perguntar ainda que temesse a resposta.

–Falava sobre criaturas fantásticas e sua eterna batalha contra o mal.

Minhas sobrancelhas subiram. Sério? Foi só isso?

–Não, não só isso – disse ele traduzindo minha expressão – falava sobre humanos serem usados como ferramenta dos deuses para que o poder fosse perpetuado. Possessão, loucura e às vezes morte.

Naquela situação eu simplesmente não sabia como reagir. Rir histericamente me pareceu ser o mais correto, mas eu me contive com medo de ofender o meu avô.

–Venho pesquisado isso em segredo por anos Kira. O que você viu hoje pode ser relacionado a isto. Eu não podia deixar de te contar.

Eu não consegui pensar em nada coerente para dizer. Para minha sorte (ok nem tanto) a campainha tocou.

Vô Ted foi até a porta expiando pelo olho mágico antes de abrir para ninguém menos que Leela , a garota esquisita que eu encontrara mais cedo.

–Você fugiu – foi tudo que ela disse ignorando completamente o meu avô que estava parada em sua frente. Ela não usava mais as roupas enormes de antes. Ao invés disso usava uma blusa do Tennessee Titans, uma calça jeans desbotada e um All Star surrado. Parecia uma típica adolescente ao invés de uma guerreira ou sei lá o que.

–O que você quer? – perguntei dando alguns passos para trás.

–Quem é você? – perguntou o meu avô.

Ela não se dignou a responder. Caminhou para frente entrando no apartamento com uma expressão que só podia ser aborrecimento.

–Você tem que vir comigo – disse ela – esse lugar não é seguro. Já sabem que você está aqui.

Medo me atingiu. Olhei ao redor preocupada. Meu avô balançou a cabeça como se estivesse ligando as coisas.

–Você é a menina que Kira encontrou na praça?

–Sim, e se não sairmos daqui agora vamos todos morrer – foi a respostas clara e incisiva dela.

Um estrondo veio logo a seguir como que para dar ênfase as suas palavras.

–Agora! – ela gritou nos puxando para fora.

Ignorei qualquer outra coisa e comecei a correr puxando meu avô comigo.

Aquilo já estava se tornando um hábito.