Desconhecido, reconhecido escrita por psyluna


Capítulo 1
Incógnita.


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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Eu já estava me perguntando quando e como escreveria sobre você. Não esperava, de forma alguma, que fosse hoje, nem agora. Mas nada me impede.

As palavras estão saindo de mim como névoa. Antes, eram uma cachoeira, uma comporta de represa aberta; extravasando com violência e buscando um lugar onde tomar forma. Eu acho que é culpa sua. Raras vezes na vida eu me senti tranquila como agora. Não posso evitar uma ponta de paranoia, afinal de contas, eu ainda sou eu, e o espaço entre nós não há de ser ignorado. É a vida, e eu vou sobreviver.

Você sabe da minha relação com a música, de como ela me toca e me mantém viva. Isso eu já te contei, e foi por esse motivo que nossos caminhos se uniram. Já me disseram que eu amo o som e as palavras como algo muito maior do que eu. E, como eu te disse, há um ponto da minha estrada onde uma cortina se fecha quanto a isso. Ela é opaca e sem frestas; quando estico a mão para tocá-la, meus dedos nem mesmo alcançam o tecido. Não reajo, não sei o que fazer; as ideias me somem, e apenas baixo o braço, encarando-a. Sei que atrás dela há um futuro, cuja forma e tamanho desconheço. Sei que há uma sequência de passos a seguir até que ela se erga, ou que eu a levante, ainda não descobri. Já tropecei em algumas chaves e pistas, enigmas formando uma linha de pensamento que me levaria ao fim. Organizo as peças da forma que me parece fazer sentido. E sempre houve… uma voz. Uma guia desconhecida. O tom dela vai do sussurro misterioso ao sermão, passando por uma conversa informal, um debate complexo e um lamento de saudade. A verdade é que ela nunca foi muito clara comigo, e eu não sei bem o motivo. Talvez eu tivesse que esperar, por não ter capacidade ainda de aguentar o que quer que seja, ou ela satisfaz o prazer sádico de me ver em dúvida. Não sei. Não sei de muita coisa, e isso me atormentou mais no passado do que atormenta agora. É estranho e insano, mas quando tropecei em você, a voz me disse, sem que eu me atentasse na hora, que aquilo era necessário; obrigatório. Ao que perguntei o que exatamente você era, ela se calou. Um mérito por um dever cumprido? Uma parte crucial da trilha que orienta à resposta? Questionei meu coração também, e ele me disse que tanto faz. Viva o presente, foi o conselho. Deixe o depois para quando chegar. Concordei e agradeci. E o presente tem sido, em falta de palavras melhores, um abrigo.

É engraçado como o futuro nos é desconhecido. Ele é só um livro de figuras em nossas imaginações, tão múltiplo, tão cheio de caminhos. Não é um mistério passível de ser decifrado: é uma tela obscura até que se chegue a ele. Pode ser estimado, mas nada além. Nunca imaginei viver como vivo, ter passado pelo que passei, nunca pensei que chegaria até aqui. Mas daqui dois minutos, posso estar morta. Daqui dois dias, pobre ou milionária. Daqui dois meses, nos braços de outra pessoa. Daqui dois anos, em outro continente. Daqui uma década, na mesma cidade, com os mesmos amigos. Nunca se sabe. As estradas que trilhamos até o hoje e que trilharemos ao amanhã são sinuosas, esburacadas, tênues. Poderiam ter nos salvado ou nos estilhaçado, e é de riscos que sempre vivemos. Acho que, no fim das contas, o ser humano não teme o abismo quando já caiu: o que apavora é estar à beira dele. Boa parte das fossas tenebrosas se torna uma história a ser contada e nada mais. Entre todas as incertezas, querer que algo permaneça significa pagar um preço nas trocas que o universo nos oferece; um preço alto pelo qual eu e você optamos.

Um dia, eu te contarei minha história toda. Não é que eu esteja mentindo. Não estou. É que apesar de você dizer querer estar comigo não importa como, tenho ressalvas. Você não é perfeito, mas não por isso. Eu sei que não é, ninguém é. Isso não me aflige. Também não sou e você está avisado. O contato comigo exige termos de uso. Eu me sinto na obrigação moral de avisar a qualquer um que se aproxime no que está se metendo. Ouvir ou não, seguir em frente ou não, é escolha. Não prendo ninguém ao meu lado. Existem certas coisas sobre mim capazes de levar muita gente a dar seus passos para trás; isso já aconteceu uma, duas, três, incontáveis vezes. Não que avisar tire minha responsabilidade, mas tenho e sempre terei essa cautela. Não quero ferir ninguém por descuido… Menos ainda você.

Eu sinto seu cuidado comigo e às vezes penso que não mereço tanto. Aquela velha história: tanto tempo no escuro desejando a luz do sol, sem nunca ter sabido lidar com ela. Seguro firme o pulso desse pensamento antes que ele toque suas garras em mim e o desfaço. Não quero deixá-lo me atingir. Sei como é ter sua preocupação recusada e quero me curar, como quero te fazer bem. Por isso, tiro minha armadura, minhas proteções, minhas bandagens e me mostro como sou. Agressiva, silenciosa, confusa, melancólica, reflexiva, mas também visionária, imaginativa, leve, cheia de esperança. Completa. Complexa. Humana. E você ainda não correu de mim. A palavra que você mais tem ouvido de mim é “obrigada”. É repetitivo? Sim. Chato? Talvez.

Mas obrigada.


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Notas finais do capítulo

O que acharam? O texto se mostrou um pouco mais abstrato e filosófico do que seus anteriores, e há para isso um motivo pessoal subentendido aí. Aguardo comentários caso alguém queira deixá-los e/ou tenha se identificado com o conto. Até a próxima.



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