Biografia de Alguém escrita por Madu Loescher


Capítulo 7
Capítulo 7


Notas iniciais do capítulo

Desisti de só postar no blog. Vou postar no blog E aqui no nyah!.



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Já com o vestido, me sento na cama e calço os coturnos. Definitivamente, aquela roupa foi feita para uma pessoa normal usar com salto. Ainda bem que eu não sou uma pessoa normal.

Amarro o cadarço e me posiciono em frente ao espelho. Meu Deus! Aquele vestido é lindo! Consigo, facilmente, imaginar Bianca com uns 22 anos fazendo a mesma coisa que eu: Se encarar no espelho, imaginando quando havia se tornado a pessoa que o espelho refletia. “Aquele vestido criava curvas em mim que nem eu mesma sabia que tinha!”. Enquanto eu penso isso, Bianca, anos atrás, sussurrava isso para si mesma. A única diferença é que o efeito da frase, através das épocas, mudou completamente.

Nunca havia me sentido realmente apresentável. E isso só aumenta a minha pressão! Outro fator era o fato de eu não jantar fora dês de a morte do meu avô, há oito anos.

Alegro-me ao lembrar quando eu saía com vovô e vovó. Nós tínhamos muito mais dinheiro na época, portanto jantávamos fora frequentemente. Nosso restaurante preferido era muito bem camuflado. Tão bem escondido, que as pessoas o descobriam quando chegavam pelos fundos da livrara. Exatamente! O restaurante era dentro de uma livraria! E a comida era ótima! Os garçons trabalhavam, também, na livraria. Havia um garçom muito legal. Ele nos atendia todas as vezes que íamos lá. Nesse restaurante, como havia pouquíssimos fregueses, cada garçom atendia uma mesa. O que nos atendia tinha o nome de Renato.

Renato, assim como os outros garçons, levava o cardápio para os adultos e desenhos de colorir para as crianças. Todas as crianças, menos eu.

Ele tinha um livro de bolso. Capa dura, de couro envelhecido. Ele mesmo havia escrito. Por isso eu quis me tornar escritora anos depois.

Era um livro de contos. Mas, no final, todos os contos tinham um ponto de convergência gigantesco. O mais legal, era que Renato sentava do meu lado (já que as cadeiras eram, na verdade, um sofá) e lia para mim, já que não sabia ler na época.

Renato se tornou meu babá, um ano depois. Nessa época, já estava aprendendo a escrever e ler. Mas minha letra era mais difícil de compreender do que hieróglifos! Renato me ajudou, mais uma vez. Ele desenhava animais, e os contornos eram as letras! Eu copiava e me achava incrível por ter feito uma obra de arte tão bonita. E a melhor parte, é que eu colocava os desenhos na porta da geladeira! A geladeira só era usada para colocar as coisas mais importantes. Isso me fazia sentir que era uma artista melhor do que Van Gogh, que tinha suas obras expostas no museu do Louvre, mas não na porta da geladeira.

Imagino se Renato ainda trabalha lá, e se me reconheceria se eu aparecesse no restaurante de novo. “Claro que não” rio de mim mesma. “Já se passaram anos!”.

Escuto a campainha tocar e Bianca automaticamente me manda atender:

– Helena. Você pode descer aqui e atender a porta, por favor? Estou arrumando as nossas bolsas porque sei que você não arrumou a sua.

– ‘Tô indo Bianca!

Desço correndo as escadas, já pronta. Bianca me encara surpresa, assim como o garoto alto, com cabelos castanhos bagunçados pelo vento e olhos cinza azulados que está na porta. Ele veste um smoking preto com uma gravata azul escura e, no lugar de seu sorriso torto habitual, uma expressão de incredulidade e admiração que eu diria que era direcionada para outra pessoa, se ele não estivesse olhando diretamente para mim, assim como todas as pessoas do recinto. Coro tanto com aquela cena estilo filme americano, que temo ter ficado da cor do vestido. Ele volta a sorrir como sempre, o que me dá a certeza de que estou da cor do vestido (se não mais vermelha).

– Caralho!

– Diego!

– Foi mal, mas… Você ‘tá incrível. – mais uma rodada de Helena, o tomate com formato humano. Ele anda na minha direção e me dá um abraço. – Definitivamente, eu não posso imaginar a reação daquele mendigo se ele te visse agora. – Rio.

– Você também está lindo.

– Obrigado. Bem, vamos? Meu pai vai nos levar.

E vamos. Eu e Diego no banco de trás e Bianca no da frente. O pai de Diego dirige, e diz que a mãe de Diego está no restaurante, já que ela é a administradora do lugar. Nesse momento entendi porque Bianca me disse para não me preocupar com o dinheiro do jantar. É por conta da casa.

No caminho, os adultos conversaram sobre coisas como bolsas de valores e política, enquanto os mais novos conversavam sobre livros. Diego me contou que estava escrevendo um livro:

– E qual é a história dele?

– Não vou te contar até que você leia.

– Então eu agradeceria se você simplesmente me dissesse o tema principal, um resumo da história… Qualquer coisa.

– É um romance policial.

– Agatha Christie!

– Como você…

– Tem alguma coisa há ver com os romances da Agatha Christie? – Diego faz uma expressão derrotada, suspira e diz:

– Sim. Na verdade, é um romance no qual dois adultos, com uns 70 ou 80 anos de idade que nunca haviam se visto na vida, vivem um romance graças aos romances da Agatha Christie. Ele está aqui no carro.

– Posso?

Diego se abaixa para pegar alguma coisa debaixo do banco. Lá, ele pega um livro de capa dura de couro com uma inscrição dourada e me dá.

– “O que os livros leem o coração sente” – leio – Uau!

Abro o livro, assim que percebo que estou sem os óculos.

– Quer que eu leia pra você? – diz ele, antes que eu possa comentar a minha falta de visão. Assinto. Inclino-me para perto dele, apoio a cabeça no ombro dele e ele começa.

– Quer que eu comece pela história ou que eu leia a sinopse antes?

– Você é quem sabe.

– Então vamos lá.

“A chuva reinava impiedosa naquela pequena cidade há semanas. Nem ao menos um vislumbre do sol foi visto. Isso pode ser deprimente para a maioria da população, mas não para Morgana, que aos seus 79 anos ainda sentia um atrativo juvenil pelas tardes chuvosas. Principalmente porque se lembrava daquelas que passava no sítio de seu avô. O lugar ainda pertencia à sua família, mas ninguém ia mais lá. Nem ao menos nas festas. Preferiam o frenesi absurdo e assustador do Natal no centro de Londres.”

“Nessa época, faltando apenas uma semana para a ‘celebração’ do Natal, o desespero era ainda maior pelos presentes. ‘Mais, mais e mais. Ah, e não se pode esquecer-se do maior. ’. Eram essas as frases que todas as pessoas que transitavam pela rua pensavam. Seus guarda-chuvas coloridos contrastavam com a escuridão cinza na qual Londres estava mergulhada dês de o início das chuvas. Morgana ainda não compreendia como estava chovendo, mas essa chuva não havia se transformado em neve ou geada. O frio dava a impressão de ser tão intenso, que se não houvesse sobrevivido a um inverno mais rigoroso no passado, Morgana não se atreveria a ficar a mais de um cômodo de distância da lareira.”

– Diego, – diz a voz grave do pai dele, Thiago – chegamos.


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