Biografia de Alguém escrita por Madu Loescher


Capítulo 10
Capítulo 10




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Acordo com lágrimas escorrendo pelo rosto. O funeral ocorreu ontem à meia noite, bem como ela me pediu que acontecesse quando ela morresse em piadas. Ela sempre dizia que, quando ela morresse, queria que o caixão fosse enterrado à meia noite, porque essa é a hora dos fantasmas. Outra coisa que ela pedia era que eu interrompesse o padre no meio da missa e dissesse que ela é ateia e que nunca quis que o funeral dela fosse para os vivos, mas para que ela não se remoesse no caixão por ele não ter sido engraçado. Fiz tudo como ela sempre quis. E agora estou presa dentro do meu quarto, sem poder fazer nada. Resumindo: estou de castigo.

O maior problema é que essa experiência é nova para mim. Nunca havia ficado de castigo dessa maneira. Era uma coisa do tipo… regime por tantas semanas. E era horrível, mas pelo menos eu ainda podia sair do quarto. E a pior parte de tudo, é que um dos policiais alegou que o incêndio parecia ter sido armado. Foi morto naquele dia e agora eles estão fazendo investigações para saber se o que ele disse era verdade. Só sei até aí das coisas. Depois disso, me pegaram ouvindo a conversa por trás da porta do meu quarto e pararam de conversar no corredor.

Escuto som de passos e corro para fechar a janela. Tecnicamente, ela não poderia ficar aberta, pois Melissa, mãe de Diego, tem toda a certeza de que fugiria por ela. E ela está certa. O único problema é que agora ela tem grades. É coisa temporária, só até eu me acalmar, mas, como eu não me vejo calma em um futuro próximo, posso começar a adicioná-las à minha vida cotidiana.

Jogo-me na cama e continuo a leitura de onde eu parei na janela: Capítulo 9: D’Artagnan diz a que veio.

– Oi garota. Você está bem? – pergunta a mesma voz do dia em que recebi a notícia. Fico triste e me concentro 99% em não chorar na frente de um estranho. – Você é a Helena, certo? Sou primo do Diego. Eu… eu me mudei aqui para o rio e… – ele parecia extremamente sem graça, o que é imprescindível na situação em que eu acabei o colocando.

“Eu o coloquei nessa situação!”, percebo. “Então é meu dever tirá-lo dessa enrascada.”

– Você é o primo louco dele de Santa Catarina?

– Um dos primos. – ele parece muito aliviado em poder dizer que eu não ia ter um ataque histérico e começar a chorar (embora isso seja exatamente o que está acontecendo comigo – por dentro – agora). – Somos cinco.

– Eu sou prima única. Prazer, Helena. – estendo a mão direita para ele. Ele segura-a e responde:

– Prazer, Lucas. Então… eu só queria ver como você estava… sabe… er… – ele perdeu todo o jeito com as palavras que parecia ter há um segundo.

– O que leva um garoto novo na cidade a ir visitar a louca que o abraçou gritando vovó e depois começou a chorar semana passada? – choro por dentro, mas consigo (milagrosamente) segurar as lágrimas. Ele ri, imaginando que o assunto não me é tão pesado quanto realmente é.

Quando Lucas abria a boca para responder, Diego entra correndo no quarto.

– Lucas, o que você está fazendo aqui?! Nós combinamos que você só ia conversar com ela quando a poeira tivesse baixado!

– Diego, calma. Estou bem. E você me conhece o suficiente para saber que a poeira nunca vai abaixar. Então é só… Sabe… ajudar-me a tirar as grades da janela e seguir em frente.

– Que bela metáfora. – comentou Lucas. Na mesma hora, argumento:

– Que metáfora?

– Tirar as grades da janela. Quis dizer que quer seguir em frente, não é?

– Na verdade, eu quis dizer tirar as grades da janela mesmo. A mãe de Diego as colocou ali e só vai tirá-las quando o castigo acabar.

– Castigo? Por quê?

– Porque eu fiz piada do enterro de minha avó. Exatamente como ela me pediu.

– Ah! Pensei que estivesse trancada no quarto porque sente muitas saudades dela.

– Lucas! – grita Diego. – Cara, vem aqui. – ele arrasta o primo para fora do quarto e, ao fechar a porta, pisca para mim e faz um sinal afirmativo com a cabeça. “Pode chorar. Não vou deixar Lucas entrar de novo. Fique tranquila.”

Jogo a cabeça para trás e mordo o lábio. Sinto gosto de sangue. Uma lágrima maldita escorre por minha bochecha e xingo mentalmente por mil e um nomes por não conseguir evitar o choro. Não foi assim com o vovô. Vovó me convenceu, na época, de que vovô tinha ido viajar a trabalho e que demoraria um pouco a voltar. De vez em quando ela inventava notícias dele só para me animar, mas com o tempo descobri a verdade.

Percebo que não posso comparar a morte de vovô com a morte de vovó, pois quando vovô morreu, além de eu ser criança e achar que ele estava trabalhando, vovó ainda estava viva para me consolar.

Penso em fazer uma lista de razões pelas quais eu não consigo aguentar isso. Para dar um tom de normalidade à história. Mas, ainda bem que à tempo, percebo que não há porque tentar. Nada vai melhorar as coisas.

Nada.


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Notas finais do capítulo

Desculpem-me pela demora pinguins. O problema é que eu joguei o capítulo fora muitas vezes, porque não estava gostando. Esse aqui foi o que eu achei melhor de todos. Então espero que tenham gostado pinguins. Bjs,
Mel.



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