Liberdade escrita por Kuro Neko


Capítulo 1
Nova Vida


Notas iniciais do capítulo

A história é passada em primeira pessoa e o narrador personagem é homem.



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O dia estava horrível. Nada dava certo para mim há um tempo já. Não consigo lembrar muito bem daquele dia, apenas lembro quando eu estava dirigindo para o trabalho. Árvores iam e vinham, o barulho do meu carro passando pelo paralelepípedo da rua me irritava cada vez mais e o banco do motorista, o que eu estava sentado dirigindo, estava desconfortavelmente inclinado para frente, enquanto o do copiloto estava cheio de embalagens de diversas coisas. Meu carro em si estava em péssimas condições e até a tintura vermelha dele estava saindo aos poucos. Sim, eu devia ter trocado de carro mas havia muita burocracia e muita dor de cabeça a frente. Para mim não fazia mal deixar tudo do jeito que estava. A pior coisa que poderia acontecer era algum imprevisto que eu tanto ansiava na rotina que eu tanto odiava.

Tudo passou por mim, todo o caminho foi feito em alta velocidade. Eu apenas queria chegar ao trabalho, fazer meu tempo e voltar para casa para fazer não sei o quê. Eram meio dia e meia e o calor estava de matar. Quando eu cheguei na entrada da estrada que leva a cidade onde trabalho, pude ver um gigantesco congestionamento. Carros cinzas, pretos, vermelhos, chiques, baratos… todos estavam lá. Nenhum carro estava atrás de mim. Na verdade, aquilo era previsto e eu geralmente chego ao anoitecer. As próximas horas foram apenas buzinas e xingamentos. Até que meu carro, para a minha grande e irônica surpresa, enguiçou: o motor morreu.

— Qualé o problema, senhor? — Uma moça estava na janela, ao meu lado. Seu cabelo totalmente escuro era liso, caindo um pouco sobre a testa e sobre as costas, seus olhos eram azuis como o céu limpo e mostrava um sorriso gentil. Não era alta e nem baixa, mas sua voz aguda lhe dava certa doçura. Vestia uma camiseta regata branca.

— Ah, é a droga desse carro — Dei um tapa no volante. Não pareceu violento, mas a assustou um pouco — Me desculpe. Ele é meio velho, mas nunca me deixou na mão antes.

— Posso ajudar? — Ela respondeu. Percebi um pouco de entusiasmo na voz dela.

— Eu acho que consigo resolver sozinho. Afinal, conheço muito bem ele.

Mal terminei de falar e ela já tinha saído da janela e ido em direção a traseira do carro. Abri a porta e saí dele. As buzinas estavam totalmente mais estridentes ali fora. Fui para trás do carro.

Lá estava ela, isto é os pés dela. Apenas um par de sapatos com meias grossas saiam debaixo do carro. A princípio estranhei muito aquela iniciativa rápida e questionei-me sobre a sanidade da mulher.

— O que você tá fazendo? Eu disse que…

O barulhento motor funcionando me interrompeu. Ela saiu debaixo do carro com algum custo, mas, quando se levantou, não estava tão suja. Estava vestida de um shorts jeans não muito pequeno, chegando próximo ao joelho. Apenas a roupa estava suja. A sua pele branca continuava intacta.

— Você disse que conseguia resolver sozinho. Eu digo o mesmo — Sua voz era debochante, mas amigável. Começou a rir — Me deve uma!

— Sim mas eu não sei…

Ela começou a andar para a porta do copiloto do meu carro.

— Preciso de uma carona. Me permite?

Eu estava cheio de problemas, nada feliz e, provavelmente, atrasado. Mas ainda assim, acenei com a cabeça. Ela abriu a porta, delicadamente, e, sem se importar com a bagunça, sentou-se no banco. Dirigi-me para o banco do motorista e, após abrir a porta, me sentar e tudo mais, comecei a dirigir, lentamente. A sorte foi que os carros rarearam um pouco na minha frente.

— Qual o seu nome? — Ela começou perguntando. Eu é quem deveria fazer a pergunta primeiro, mas não me importei. Não estava me importando com nada, na verdade.

— Armand.

— Ah, Armand — Ela pronunciou corretamente, Armã.

Esperei um tempo para que ela se apresentasse, mas nada veio.

— E o seu? — Respondi, por fim.

— Sou Sophie!

A conversa seguiu bem longa. Conversamos sobre trabalho, hobbies, sonhos e outras coisas. Para mim, pareceu que ela tinha uma mente infantil, falando de liberdade e de fazer o que bem quiser e quando quiser sem qualquer responsabilidade. Eu já tinha sido assim na infância, mas os anos me trouxeram a verdadeira realidade. Prestar serviços, pagar contas e fazer tudo isso com a esperança que no próximo dia você possa fazer tudo de novo. Eu me orgulho disso até.

E então chegamos a cidade. Já era noite, como esperado. Prédios colossais erguiam-se, de um horizonte a outro, brilhantes como as estrelas que preenchiam a escuridão do fundo. Os outros carros anteriores seguiram outra rota e agora não havia quase nenhum carro a nossa frente. Tudo estava lindo. Igual, mas diferente.

— Então… onde tenho que te deixar? — Respondi. Queria vê-la mais vezes e, por isso, disse isso um pouco triste.

— Hm — Sophie tombou a cabeça e olhou para o teto do carro em um olhar pensativo — Diga você!

— O quê? Isso é alguma piada?

— Claro que não. Quero algum lugar divertido para ir.

Não entendi muito bem aquilo, mas prossegui. Alguns minutos depois, virei em uma rua que passava sempre para ir trabalhar e parei em frente de uma sorveteria que ficava do lado oposto da rua de uma praça. Céu era o nome dela. Desliguei o carro.

— Ai está. Eu sempre vim para esse lugar, quando eu era criança. Parece que se passaram milênios.

— Milênios? Estamos bem em frente da sorveteria! — Ela desceu do carro. Pelo que parecia, ela não se despediria. Então, fui ligar o carro mas, quando estava a fazê-lo, ela abriu a porta e me puxou. Eu cai no chão asfaltado — Você claramente precisa desestressar. Vamos nessa — Saiu dali pulando em direção a sorveteria. Levantei, limpei minha roupa, entrei no carro e…

… desliguei o motor. Minha perna doía um pouco mas, após entrar na sorveteria de paredes de azulejos brancos e azuis, escolher e pegar um pouco de sorvete para mim e para Sophie e sentarmos em uma das mesas brancas circulares de plástico do lugar, a dor desapareceu. Sophie contava algumas piadinhas meio sem graça, mas eu estava rindo. Ela estava se lambuzando com o sorvete, também. Ela me lembrou o quão bom a vida podia ser e me lembrou a como sorrir, também!

— Sabe — Sophie disse, um pouco depois de terminar seu sorvete. Tinha algo sério na voz dela aquele momento — Eu fico triste por você.

— Como é? Triste? Por quê? — Eu disse em resposta. Ela ficou em silêncio por um tempo e eu consegui descobrir. Era o mesmo motivo pelo qual eu estava. Eu vivia nas regras, vivia preso numa rotina chata e entediante. Eu estava triste por aquela noite acabar, por não ter ido ao trabalho, por ter que ir para casa, mesmo que ninguém me esperasse por lá e por talvez nunca mais vê-la. Olhei para o chão, tristonho.

— Hey! Que tal uma loucura? — Ela respondeu, animada.

— Depende.

— Me siga.

Sophie mal terminou de falar e me puxou pelo braço. Saímos da sorveteria, atravessamos a rua e entramos na praça, só que seguimos pelo caminho cheio de arbustos e grama. Paramos ao centro dela, onde havia alguns bancos, chão de pedras e nenhuma outra pessoa.

— Deite-se — Sophie falou, apontando para um dos bancos.

— Por que eu faria isso?

— Deite-se — Ela repetiu. Deitei-me de lado no banco. Quando olhei para ela, reparei que ela foi se deitar em outro dos que ali haviam.

— Ok, estou deitado… estamos deitados, pelo visto.

— É, muito bom. Agora feche os olhos — Olhei em volta, procurei alguém mas nada era visto. Por fim, fechei os olhos e respondi a ela que o fiz — Perfeito. Agora, imagine um mundo de liberdade. Um mundo de responsabilidades, sim, mas também de liberdade. Imagine você, deixando todo esse seu fardo para trás. Viver sem orgulhar ninguém, ter suas próprias regras. Você está no lugar errado. Vá para o seu lugar.

Minha mente viajou um por algum tempo nas palavras de Sophie. Um sorriso surgiu em mim enquanto ela falava. Um momento depois, abri os olhos.

Já era dia. O sol estava nascendo, pintando o céu de um tom vermelho alaranjado. Pensei na minha casa, nos meus afazeres, em pessoas que eu tinha que falar com. Mas, quando me levantei, não consegui ficar de pé. Algo estava estranho. Quando olhei para mim mesmo, observei um corpo menor coberto de pelugem preta e quatro patas. Minha visão estava diferente, também, e sentia odores que nunca tinha cheirado antes. E eu tinha uma calda. Virei e me revirei, em pânico, tentando me pôr em pé. Em um momento, acidentalmente olhei para o banco que Sophie estava antes. Ninguém estava lá. Não soube o que aconteceu comigo e fiquei nervoso, me revirando mais rápido até eu cair no chão. Minha cabeça doía, mas consegui ver um gato siames em minha frente miando. Seus olhos azuis denunciaram a sua identidade: Sophie. Após algumas tentativas de me levantar, eu finalmente consegui ficar em pé. Sentei a frente de Sophie e ela fez o mesmo.

Trabalho, preocupações, rotinas e todas as outras coisas foram deixadas para trás. Eu estou livre agora! Minhas regras, meu mundo! Agora, seremos dois gatos livres em busca de novas aventuras. Mas o melhor de tudo é poder passar por todas essas aventuras ao seu lado, Sophie. Tentei dizer isso a ela, mas apenas miados saíram. Parece que ela entendeu. Me joguei em cima dela para começar uma brincadeira.


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Notas finais do capítulo

Bom, essa é a história! Um capítulo, apenas, sobre algo que eu desejaria que pudesse ser real. Sinta-se livre para comentar, se quiser!