–Ah, que bonito, ainda lembra de mim. – disse ela, sorrindo de um modo escancarado e até mesmo desnecessário. – Eu senti tanta a sua falta, Austin. Pensei em você em todos os momentos em que ficamos separados, sabe? Não foi fácil te dar um fora naquela vez.

Lembrei-me da última vez em que nos vimos; eu era apaixonado e irremediavelmente obcecado por Cassidy. Ally já era a minha melhor amiga naquela época, e me ajudara bastante a conquistar a garota loira, o que rendeu a ela alguns pontos comigo no fim das contas. Cassidy era perfeita aos meus olhos, a personificação de todos os meus sonhos misturados. Quando perguntei se gostaria de sair comigo, Cassidy disse que havia muita coisa em jogo, principalmente seus amigos e sua pequena banda, porém não dei muita importância.

–Eu acho que você sabe que não lamentei por muito tempo. – comentei, sem jeito. Na realidade, eu não tinha lamentado nem um pouco, mesmo quando Cassie dissera que não me queria dentro de seu restaurante. – Sabe, eu tinha outros... hã... compromissos.

–Eu sei, loirinho. – senti-me incomodado com o apelido. Trazia más e boas lembranças ao mesmo tempo. – Me senti péssima quando soube que você já estava namorando novamente, mas não me permiti sofrer, sabia? Eu sempre soube que eu voltaria para você, para os seus braços, e ficaríamos juntos.

–Parece uma idéia muito bonita. – elogiei, e assisti enquanto seu rosto mudava para um tom escarlate e seus olhos começaram a brilhar intensamente. – É uma pena que não pode ser vivida comigo. Sinto muito, Cassie.

–Está me dispensando, Austin? – não estava satisfeita, tampouco me parecia magoada. Cassidy cruzou os braços sobre o peito, a perna balançando para lá e para cá em um ato impaciente. – Achei que quisesse ficar comigo. Eu poderia te dar fama, não era o que você queria na época?

–Espera. – ergui a mão. – Você só veio aqui para dizer que, se eu ficar com você e te trazer publicidade, você me dará fama? Que será uma relação harmônica tipo a dos animais? Cassidy, não fomos feitos para ir viver no zoológico.

De repente, Cassidy caiu na gargalhada, deixando-me encará-la confusa e cinicamente.

–Estou brincando, loirinho. Não vim aqui para te ter de volta ou coisa assim. Ou te pedir algum favor, propor um trato. Vim aqui por conta da Ally, viramos amigas e nos correspondemos por um tempo, mas foi ótimo encontrar com todos vocês. – ela riu de novo, e desta vez tive que acompanhá-la.

–Bom plano, garçonete. – aprovei. Ela sorriu satisfeita. – Mas desde quando você e Ally são amigas?

–Acabei de explicar, Austin. Você não presta atenção mesmo no que as mulheres falam, não é? – gargalha ela. Reviro os olhos. – Estou brincando. De novo. Mas nós descobrimos que ao menos temos alguma coisa em comum, não é?

Seu sorriso malicioso meio que me incomodou. Eu – e metade do mundo – sabia a quê, ou melhor, a quem, ela se referia. Eu as uni, mesmo que acidentalmente, eu as transformei em amigas. Estremeci ao imaginar fotos minhas espalhadas e postas como alvo para um jogo de dardos.

–Vocês não... tentaram bolar um plano para me matar, tentaram? – perguntei, com uma certa curiosidade crescendo.

–Eu preferiria que você perguntasse explicitamente a Ally sobre isso. – Cassidy moveu os ombros; seu sorriso de minutos atrás ainda permanecia intacto em seu rosto perfeitamente esculpido. – Vamos lá para baixo? Já me toquei de que Ally não está aqui com você.

Assenti, e conversamos um pouco, trocando idéias e procurando saber sobre a vida um do outro enquanto descíamos e procurávamos por Ally. Cassidy havia me contado sobre o futuro que lhe parecia promissor de sua banda, sobre como estavam em várias paradas de sucessos e até mesmo em Tops 10 organizados por programas famosos de televisão. Estava namorando com o baixista, e pelo modo como ela o descrevia, eram sincronizados.

Evitei ao máximo contar sobre a minha vida, mas não pude escapar do assunto de garotas. Percebi minhas bochechas corarem enquanto relembrava do número de meninas com quem saí nos últimos cinco anos e os dizia em voz alta, apenas para ser vaiado e zoado pela loira depois.

Encontramos uma Ally estarrecida nos fundos da Sonic Boom. Preocupei-me de imediato com ela, porém Cassidy foi muito mais rápida do que eu e a virou, abraçando-a. As duas se afastaram um pouco de mim, que permanecia estático no portal, e começaram a cochichar.

Após alguns minutos, recuperei-me do choque inicial e segui até elas, tentando entender o que poderia ter acontecido. O meu primeiro pensamento foi Gavin. Será que ele a havia procurado para ameaçá-la? Feito algo ruim a Ally? Ambas me encararam, enquanto eu mantinha meus olhos presos fixamente na garota morena nos braços da outra.

–Eu te preocupei, Aus? – Ally arriscou. Senti meus músculos relaxarem quando pronunciou meu antigo apelido; ninguém jamais havia me chamado daquele modo depois ou antes dela. – Desculpa.

–Não... – tentei mentir. Cassidy dirigiu-me um olhar zombeteiro, e Ally parecia se esforçar para não rir. Garota loira estúpida. – Um pouco. Você não pode sair assustando as pessoas assim, Ally.

Ally explodiu em uma gargalhada, acompanhada de Cassidy. Minhas bochechas queimaram com a vergonha, e desviei meu olhar para o chão, envergonhado.

–Não se preocupe, estou bem. A propósito, Cassie, posso falar com o Austin?

Cassidy deu de ombros e empurrou a morena levemente, passando por mim e fazendo o mesmo. Quando me virei para reclamar, percebi que havia piscado para mim. Bufei, adivinhando que seu empurrão em mim foi muito mais forte do que em Ally.

–Então, sabe, estou até surpreso com você. – falei, correndo para acompanhá-la na grama verde. – Toda confiante, e ouso dizer, bonita.

Ela riu. – Meu Deus, Austin. Obrigada. Você não está nada mal, mas se bem que podia cortar esse cabelo ou arrumar essa cara.

–Assim você me magoa. Fiz um elogio a você, confiança.

–Só digo uma coisa: infantil.

–Tosca.

–Idiota.

–Bruxa.

–Ah, seu viado! – Ally me deu um soco diretamente no braço. Uma pena que não chegou sequer a produzir barulho, pois acabou sendo fraco. – Você lembra do que você me perguntou antes de apagar lá na praça?

Pensei um pouco. Tantas coisas haviam ocorrido neste meio período em que havíamos chegado que eu mal notei que havia apenas se passado um dia. Ally me olhou um tanto esperançosa, uma faísca nervosa brilhando em seu olhar. Procurei me aproximar um pouco mais dela, colando nossos braços; esperei que se afastasse, receoso, porém ela não o fez.

–Sobre Gavin. – ela assentiu quando afirmei. – Você me disse que iria me contar quem ele era.

–Não posso dizer muita coisa, mas, por favor, Austin, Gavin pode ser perigoso se ele quiser. Não o deixe irritado, há muito poder concentrado nele, tanto que você nem imagina. Estou com ele por uma razão, e até lá não posso fazer nada que possa prejudicá-lo. Você pode não entender, porém é muito importante.

–Você tem razão; eu não consigo entender. Mas eu juro, Ally, juro que vou tentar me controlar. E te compreender. Se você prometer que não ficaremos juntos com aquele carrapato por mais de dois minutos. – Ally riu, e estendi o dedo mindinho. Revirando os olhos, ela acabou por selar o pacto.

–Obrigada, Aus. E eu estou adorando que você fique aqui, comigo, todos vocês! É muito bom revê-los depois de tanto tempo... é incrível. – Ally sussurrou a última parte, como se dissesse mais para si do que para mim. Talvez sequer estivesse se dirigindo a mim.

Ficamos em silêncio enquanto nos sentávamos na grama embaixo de uma árvore; permaneci de pé enquanto a via despencar em cima de uma raiz forte. Bufei um pouco com o calor que fazia em Miami, e só conseguia pensar na praia.

Ally sorriu um pouco para mim, e estendeu a mão, convidando-me a sentar ao seu lado. Não hesitei, e me surpreendi com sua força, apesar da aparência pequena. Rimos quando acabei me desequilibrando com um pé e caindo por cima dela.

Não tivemos nenhum momento romântico, por mais que eu quisesse. Pensei em como seus negócios com Gavin deveriam ser complicados, enquanto fazíamos brincadeiras antigas um com o outro, e inventando novas. Até que começamos a conversar sério, e notei o quão interessada – e distante, também – Ally estava em nossas vidas. Queria saber tudo sobre os últimos anos.

–Talvez tenha sido extraviada. – comentou ela, quando tocamos no assunto das cartas e tentativas de contato não recebidos.

–Ou pode ter sido abduzida por Zaliens. – tentei. Rimos da idéia estúpida.

–Quem sabe? Ou talvez uma cobra gigante pode ter entrado no caminho. – divertiu-se ela.

–Nuvens ninjas! – imitei uma posição de karatê.

–Monstros que saem do armário para matar criancinhas indefesas! – gritou ela.

Nos divertimos pelas últimas duas horas. Muito. Esqueci meus problemas na cidade em que eu vivia, e éramos apenas eu e ela, ali, como nos velhos tempos, quando éramos melhores amigos. Relembramos até mesmo nossa época juntos, e foi um pouco constrangedor, e percebi que para ambos um pouco doloroso.

–Ally, por que você não pode ser normal? Tipo, não namorar com Gavin por alguma coisa que você tenha com ele, talvez por amor. – esforcei-me para não deixar que meus sentimentos transparecessem naquelas últimas palavras. Ally me encarou, um tanto perplexa e divertida.

–Não sou uma garota normal, loiro. – ela se aconchegou em meus braços, e eu a envolvi com os dois, puxando-a para mim. Sua cabeça se apoiou em meu peito, e eu coloquei meu queixo em cima com cuidado para não machucar.

Pensei por vários minutos em sua resposta. Era óbvio que ela não era uma garota normal, ou como as outras. Ela era diferente. Notei que havia adormecido, e tomei extremo cuidado para aconchegá-la mais, confortando-a, sem incomodar seu sono.

–Claro que não. – beijei o topo de sua cabeça discretamente, para não lhe acordar. – Você é única. – sussurrei.