Guardioes de Deus: a Batalha nos Ceus escrita por cardozo


Capítulo 3
Capítulo 3 - A Passagem




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A Passagem...

 

A janela do quarto aberta exibia o brilho da lua cheia, quando as nuvens lhe davam um momento de liberdade. Na estante, localizada entre o banheiro e o guarda-roupa, os diversos livros repousavam arrumados em ordem alfabética.

O quadro preso à parede do lado oposto do aposento tinha como atrativo um cavalo correndo pela campina verde. O verde da obra parecia ganhar vida em contraste com o branco da argamassa que cobria os tijolos. 

Na cômoda, ao lado da cama de casal desarrumada, o abajur desligado repousava sobre uma revista de carros de corrida. Na cabeceira do leito os algarismos vermelhos do rádio-relógio contavam o tempo. Em cima do colchão, o corpo de um jovem se abrigava sob a manta branca acolchoada.

Sua estatura mediana realçava seu porte atlético. Os cabelos negros arrepiados na parte superior da cabeça perdiam o vigor rente à franja, deixando que os fios caíssem sobre as pálpebras fechadas. Eles davam a impressão de estarem despenteados, porém sempre se portaram  desse modo. Os olhos desfrutavam de uma coloração esverdeada.

O nariz pouco arrebitado e saliente, combinava com seus lábios carnudos, mas o que chamava a atenção em sua face era uma pequena covinha no queixo, da qual o jovem tinha muito  orgulho.

Virava-se ora de um lado, ora de outro, o sono não conseguia dominá-lo. Normalmente dormia muito rápido. Novamente o corpo tombou para o lado. Colocou a cabeça embaixo do travesseiro, na tentativa do sono chegar mais rápido, entretanto sem qualquer resultado positivo.

O brilho do Luar iluminou grande parte da cama. O vento soprou, mas não mexeu as cortinas da janela. O relógio cravou seus dígitos em 23h45min05s. O tempo mudou...

 

23h45min08s. O momento em tudo começou.

23h50min25s. Parou de se mexer, fitou o teto branco, aquela imensidão parecia hipnotizá-lo.

23h55min22s. Os sons foram ficando distantes.

23h57min30s. Os olhos começaram a piscar vagarosamente, as pálpebras já não se agüentavam  abertas.

23h59min00s. Adormeceu...

23h59min32s. Um brilho apareceu timidamente pela fresta da porta do banheiro, foi se arrastando lentamente pelo quarto. Ganhando terreno...

00h00min00s. O brilho do luar foi encoberto pelas nuvens. A porta do banheiro movia-se vagarosamente sobre suas dobradiças.

00h00min15s A porta se escancarou totalmente, produzindo uma batida seca, o fulgor foi intenso. Ofuscou-lhe à vista.

00h00min30s O cobertor foi arrebatado para longe, seu corpo começou a ser sugado para dentro do aposento iluminado, a força que o consumia tinha um poder incrível. Não conseguia por mais que tentasse impor resistência alguma. Derrubou o abajur com as mãos em busca de apoio.

00h00min45s. Caiu no chão em cima do tapete fofo, ainda tentou agarrá-lo. A força porém, não tomou conhecimento e  arrastou-o  junto com o estofo macio.

00h00min50s. Seu corpo todo estava imerso pela luz, apenas as mãos ainda tentavam encontrar algo que lhe proporcionava  sustento.

00h01min00s. A porta do banheiro se fechou, o jovem havia sido sugado pela força, foi consumido pela luz, sem saber qual seria seu destino. 

                                              

 

 

Vagou a esmo por um tempo indeterminado. Não sentia mais seu corpo. A luz foi diminuindo de intensidade até apagar-se completamente. Já tomava conhecimento de seus membros novamente. Mexia as mãos, os  braços e por fim suas pernas o sustentaram em pé. Quando conseguiu abrir os olhos se encontrava em um local estranho, totalmente desconhecido.

Lembrava uma cidade com moradias que se espalhavam por todas as partes. Em sua maioria eram constituídas de pedras calcárias de cores variadas, onde muitas delas apresentavam certo grau de polimento. Ao centro das ruas, jardins com pequenos arbustos unidos as folhagens crespas  contrastavam com a palidez  das construções,  dando um toque todo especial à vista.

O jovem começou a avançar em direção ao centro do aglomerado, as edificações iam se agigantando a sua frente.  Nas varandas flores eram tocadas pelo vento onde os pássaros voavam livres. A limpeza e a ordem estavam presentes por todos os lados, nada parecia estar fora do lugar.

Todas as pessoas se cumprimentavam sem cerimônia, com saudações alegres e calorosas, porém ninguém parecia notar sua presença, passava desapercebido por onde quer que fosse. 

Seus trajes nada tinham de usuais. As mulheres usavam vestidos curtos de cores vivas, combinando com suas sandálias de couro abertas, cujos cadarços subiam trançados pelas pernas. Em seus braços argolas de adorno realçavam a beleza das damas a cada movimento. Os  cabelos soltos  eram levados pela leve brisa no momento em que esta os tocava. Quando não estavam soltos, as  tiaras com enfeites prendiam os fios, não prejudicando em nada as suas belas imagens.

As sandálias também eram utilizadas pelos homens e junto com as túnicas presas por uma cinta compunham todo o conjunto de vestimentas masculinas. O conforto estava presente em cada uma delas. Eles movimentavam-se despreocupados pelas ruas e praças, como se nada houvesse para ser feito, a não ser apreciar a calma e a quietude do lugar. A paz reinava...

O jovem ficara abismado com tudo em seu raio de visão. Todavia algo lhe chamou mais a atenção do que qualquer coisa, pois simplesmente não tinha como não notá-la. Uma torre de proporções sublimes, sua base estava localizada no núcleo principal da cidade, onde o contingente de pessoas era maior.

A construção  era uma área peculiar que ficava suspensa sobre um enorme emaranhado de águas, a qual estava ligada à área urbana por três pontes. De suas partes inferiores escorriam cachoeiras que terminavam nas águas logo abaixo, onde muitas pessoas passeavam de barco.

Um gigante de pernas e braços abertos fora entalhado na lateral da torre. Apesar de seu tamanho avantajado seriam necessário muitos dele  para abraçar o monumento. Entre suas pernas um portão com emblema de uma águia desenhado permanecia fechado. A vigília da entrada era feita por quatro homens portando lanças prateadas, suas vestimentas brancas unidas a duas ombreiras prendiam capas douradas que se moviam ao toque do vento.

Uma criança sentada perto de uma das pontes brincava com uma bola, com seus cabelos formados por muitos cachos loiros e  dona de um sorriso lindo, lembrava um anjo, pelo menos foi o pensamento que ocorreu ao jovem. A menina sorria-lhe oferecendo seu brinquedo. Seria a única a notar sua presença? Devolveu o sorriso em retribuição indo foliar com ela. Como um fantasma suas mãos atravessaram a bola, não entendia o que estava acontecendo. A criança porém, nem se importou com o fato e continuou a sorrir.

Apontou o dedo para a imensidão do céu azul, nenhuma nuvem, a claridade do sol ofuscava à vista. De repente o rosto que era só alegria e risos mudou-se, a expressão de felicidade foi  substituída por uma nova que unia medo e pavor.

Um pequeno ponto negro surgiu no meio de todo o azul celeste, ganhava dimensões maiores à medida que se aproximava a grande velocidade da cidade, o impacto seria breve. As pessoas começavam a tomar conhecimento do que estava para acontecer, o pânico domínio a todos. Um meteoro negro chocou-se contra o solo, fazendo toda a cidade estremecer, muitas de suas estruturas vieram abaixo. Nuvens  carregadas cobriram os céus imediatamente, a escuridão rompia a luz do dia e junto com ela uma chuva fina  com raios começou a cair.

A cratera formada pelo impacto exauria um vapor denso e aquoso,  do meio dele muitas criaturas surgiam, pareciam formigas saindo de um formigueiro.  Os seres de peles  negras e rostos deformados, trajavam roupas velhas em sua maioria rasgadas e sujas, o que lhes dava um aspecto medonho. Algumas possuíam garras enormes, outras porém, portavam espadas ou machados com um estranho brilho negro. As armas com fulgor negro eram utilizadas para dilacerar as pessoas da cidade que corriam desesperadas para salvar a própria vida. As criaturas espalhavam terror e destruição pelas ruas.

O portão da torre abriu-se lentamente, muitos homens partiram em formação de blocos prontos para o ataque. Possuíam armaduras brancas entalhadas em relevo no peito a cabeça de um tigre. Os elmos e ombreiras tinham a mesma coloração das armaduras, entretanto as ombreiras  esquerdas exibiam pequenos detalhes pretos que formavam o desenho da pata do felino. Armados com arcos e espadas, cruzavam as pontes em direção à massa de seres sinistros que massacravam o local.

Uma chuva de flechas engolia a multidão negra. Ao perceberem a movimentação dos guerreiros passando pelas pontes, as pestes negras avançavam desorganizadas, como um bando de animais enfurecidos, atirando-se sobre suas formações em blocos. Os cavaleiros matavam muitas delas, os corpos jaziam pelo chão, todavia por mais que caíssem, seu número parecia não diminuir.  Com o correr da batalha as pestes foram alcançando êxito  abrindo caminho entre os blocos. 

A situação se invertia começava a matança de homens. Sem qualquer piedade,  mesmo  os corpos caídos sem vida  não cansavam de  receber golpes. Não demorou para que as criaturas dominassem as passarelas,  seu próximo alvo foi o portão da torre.  Foram contidas no portão pelos quatro guardiões que lutavam corajosamente, mesmo estando em maior número os seres negros não conseguiam vencer as  figuras valentes, que depositavam todo vigor de  suas energias nesse combate.

Uma trombeta soou estridente, misteriosamente o ataque cessou, as criaturas recuaram. Da cratera uma garra surgiu e fincou-se ao chão, tamanha foi à força que as pedras ao redor se estilhaçaram, outra garra lançou-se ao lado com a mesma intensidade da anterior.  Um par de asas se abriu, a névoa se tornou  mais densa , todavia um brilho pôde ser visto, ele era emitido por dois grandes olhos vermelhos. Uma besta negra gigante soltou um urro e partiu sobre o mar negro de seres em direção ao portão.

O garoto assistia a tudo abismado, olhou para ver se a criança  estava a salvo. Em meio a todo aquele caos havia se esquecido dela. Ao seu lado, havia um pilar tombado, só conseguiu ver um pequeno braço estendido sob o  mesmo. Tentou  levantar o objeto, mas seus braços passavam por ele, era tarde demais para a pobrezinha... O que estaria acontecendo?

A besta negra tinha passado com muita facilidade pelos guardiões, sua força avassaladora não encontrou resistência, mesmo com suas poderosas lanças em segundos os quatro guerreiros foram derrotados. 

O próximo alvo foi o portão principal, desferiu vários golpes, levando-o abaixo pouco tempo depois. A legião de criaturas acompanhou os passos da besta. Um clarão  emergiu de dentro da torre. A besta foi lançada longe junto com muitas criaturas. Os corpos atingiram  bancos, postes e as moradias mais próximas.

O brilho foi se tornando mais intenso, um homem surgiu com um escudo em uma das mãos e uma espada na outra, impunha respeito na entrada da construção. Seu elmo tinha o desenho de uma águia e sua capa vermelha estava presa por um par de ombreiras. A armadura  branca reluzia perante a escuridão. Traços dourados percorriam toda a vestimenta.

A enorme besta se recuperara rápido do golpe, partira novamente para o combate atirando-se sobre o cavaleiro,   os dois rolaram portão adentro. O restante das criaturas se preparava para mais uma vez fazer travessia da ponte.

Como um telespectador preso em uma cena o garoto continuava estático, até ouvir uma voz vindo de suas costas, um bando de jovens que aparentavam ter a mesma idade que ele corriam em sua direção, possuíam desenhos na pele, cada um portava um bastão as mãos. Tudo era tão real que ele podia sentir a tensão percorrer seu corpo.

 

-Olhem a entrada torre!  Eles conseguiram passar pelas nossas defesas. Temos que agir rápido!  Gritava um deles.

Algo o perturbou, entre os jovens um deles era uma cópia sua. Com exceção das vestimentas e das gravuras desenhadas pelo corpo era idêntico a ele, entretanto agia por vontade própria. Todos passaram pelo pilar caído, sua cópia parou exatamente  onde ele se encontrava  sobrepondo-o,   olhou para o pequeno braço estendido.

Uma garota aproximou-se apressada pegando-o pelo braço.

-Vamos! Não temos tempo a perder!

Vendo que o garoto não se movia deu-lhe um chacoalhão.

-O que deu em você?

Ele observou que a jovem tinha um desenho de uma lua no pulso direito. Com a força que a garota parecia estar fazendo, pensou que fosse ser deslocado, mas em vez disso foi sua cópia que partiu rumo a ponte.

-Não podemos enfrentá-los em campo aberto, seremos derrotados rapidamente. Falou outro jovem.

- Vamos formar uma barreira rente ao portão principal. Como o espaço é menor isso anulará a vantagem numérica do inimigo. É a única chance que temos. Gritou novamente o primeiro jovem.

Após se fixarem em frente à torre, empunharam seus bastões aguardando o avanço das criaturas. O choque veio logo em seguida, a batalha estava acirrada, os jovens  tentavam a todo custo impedir que nada rompesse suas defesas, a cada toque de suas armas o corpo das criaturas se esfarelava todo.

-Ninguém saia de sua posição. Temos que resistir. Se um ceder sobrecarregara os outros e com certeza estaremos perdidos. Gritou o mesmo garoto que dera a ordem anterior aos demais.

-Isto serve para você. Falou outro garoto à cópia do garoto.

A menina chegou perto da cópia,  puxando-a novamente.

-Temos que entrar.  Disse ela.

-O quê? Você ficou maluca? Não ouviu que temos que continuar juntos ou todos sucumbirão! Respondeu a cópia.

Um golpe passou rente a seu braço, entretanto sua agilidade  permitiu esquivar-se a tempo de evitá-lo.  Investiu contra o pescoço de seu oponente que tombou à sua frente.

-Se você quiser ficar, que fique! Eu vou entrar. O tempo esta contra nós. Ou nós entramos agora, ou tudo estará  perdido. Gritou ela.

As palavras determinadas da garota convenceram a cópia,  os dois partiram construção  adentro.

-Eu sabia que não podíamos confiar neles.  Urrou um jovem, todavia não teve muito tempo para continuar reclamando,  precisou defender-se de  um poderoso golpe de uma clava que ia atingir-lhe o peito. A pancada foi forte, entretanto seu bastão a repeliu.

Não acredito... Disse outro garoto, com uma pequena menina ao seu lado, olhava a cena com espanto, em sua face o desânimo se fazia presente tinha sido abandonado por seus amigos.

 

 

 

Quando os dois entraram, o garoto que assistia a tudo como mero espectador, sentiu sua visão embaçar, ao conseguir enxergar novamente o local havia mudado,  estava no lado interno da torre. Se no lado externo a construção era de proporções assombrosas por dentro as mesmas eram mantidas. Salas e portas se espalhavam por todos os lados, escadas desciam e subiam em espiral.

Viu os dois corpos passarem pelo salão central, onde estátuas repousavam ao lado de vitrais junto às paredes. Os corpos seguiram pelas escadarias laterais. Tudo acontecia rápido demais, muito dos detalhes lhe passava desapercebido.

-Pare!  A cópia estava assustada, interrompeu o movimento de ambos. -Por que tínhamos que entrar? E os outros como ficarão?

-Não sei te explicar, mas eu sinto que temos que ir... É como um sonho... Disse a garota querendo se explicar

-Já estou cheio de sonhos. Vamos voltar.  Ordenou á cópia

- Eu apenas sinto...  É por aqui.  A garota partiu deixando a cópia para trás

-Você sente?  Perguntou ele incrédulo correndo para alcançá-la.

- Como sabe que caminho temos que fazer? Já passamos por tantos corredores, tantas escadarias... Estou me sentindo perdido.

-Não se esqueça que já estive aqui. Respondeu a garota à cópia.

-Sim, eu sei que sim, mas isto são pressentimentos. Minha nossa! Você esta se orientando por uma percepção.

-Confie em mim.

Chegaram a um corredor composto de pedras hexagonais brilhantes, uma corrente de ar vinha da parte superior,  não sabiam por onde ela poderia estar entrando.  A iluminação era feita por archotes de ambos os lados, pingos de água caíam do teto e  o cheiro de incenso que impregnava o local era muito agradável. No final do corredor uma porta finalizava o caminho.

-O que faremos agora? A cópia do garoto  estava impaciente.

-Vamos esperar, minhas percepções só me guiam até este ponto. Mas tenho certeza que algo vai acontecer. Respondeu, embora ela mesma duvidasse que tinham agido corretamente.

-Fizemos a escolha errada. Abandonamos a todos. Deveríamos estar lutando.  Arrependida a cópia deixou seu peso repousar sobre porta que cedeu ao mesmo. A falta de equilíbrio  quase o levou ao chão.

Ambos entraram em uma câmara escura, o ar sombrio que envolvia o recinto só era quebrado por uma luz vinda de uma fresta no teto. O local coberto pela iluminação era pequeno e nela um pergaminho repousava sobre um pedestal. Um ser encapuzado se aproximava do papel, a sombra do capuz impedia a visão de seu rosto.

-Você acredita em mim agora? Falava toda satisfeita consigo mesma.

A cópia do garoto avançou em direção ao ser, entretanto seu movimento foi impedido por uma explosão. A parede ao lado não existia mais. O cavaleiro que a pouco estivera lutando contra a besta negra na entrada do portão apareceu.

-Como você chegou até esta câmara garoto? Saía daqui agora.

As garras da besta sugiram pelo buraco,  o cavaleiro precisou se defender. A cópia voltou  sua atenção  para o pergaminho, porém quando ia seguir adiante bastou um simples movimento de braço do ser encapuzado para que o corpo da cópia fosse arremessado contra a parede. O bastão escapou-lhe das mãos.

-Você é uma presa fácil garoto. A voz era arrastada e fria, sem mostrar qualquer sinal de emoção. – Só lhe resta um caminho, morrer...

A garota tentou impedir a ação. O ser mais uma vez movimentou o braço, apontando o dedo indicador  para garota, dele emitiu-se uma luz branca no formato de um raio. Ela posicionou o bastão a sua frente na esperança de deter o ataque. Este, porém foi muito intenso partindo o bastão em dois, terminando por atingir-lhe o corpo. Ela caiu agonizando de dor. O ser voltou sua atenção para a cópia

-Onde tínhamos parado? A sim eu ia te matar...

Estava sem forças, não conseguia nem se levantar, a cópia estava condenada. Quando o ser lhe apontou o dedo, o cavaleiro atirou sua espada, decepando-lhe a mão, entretanto na tentativa de salvar o garoto, descuidara-se por um momento da besta negra. Esta não vacilou, desferiu um golpe certeiro e mortal, o corpo do cavaleiro tombou sem vida.

O ser encapuzado pegou o pergaminho, estava tenso, ficou aborrecido demais depois de receber o golpe do cavaleiro, voltou-se para as sombras do aposento e desapareceu... A besta negra que observava a cena sumiu na escuridão.

A cópia do garoto tentava se levantar, mas ainda se sentia muito franco. A garota  rastejava tentando  chegar ao seu encontro.  A mão decepada estava caída a sua frente, nela havia uma pequena pedra esverdeada presa por uma corrente. A garota não conseguiu chegar até onde queria, mas pegou  o objeto brilhante  apertando-lhe contra o peito com o que restava de suas forças até  fechar os olhos pela última vez.

Ajoelhada à cópia deixava que as lágrimas escorressem pela sua face, os gritos de lamentos foram ouvidos fora da sala.

O garoto que até então era um mero espectador de tudo aquilo, ouviu uma voz chamando-lhe, o som vinha abafado,   fazendo  tudo aquilo  ficar distante, o lugar, a garota caída sem vida, sua cópia...  A voz era conhecida. Sua visão novamente se embaçou, ele perdeu os sentidos...

 

 

 

Arão! Arão! Não me faça subir até ai. Acorde! Você está atrasado.

Ele abriu os olhos, a luz do sol passava pela janela, incidindo sobre as cobertas da cama.

-O café esta na mesa! Desça rápido senão ele vai esfriar. A voz continuava a chamar.

-Já vou mãe.

"Estou me sentindo como se tivesse dormido uns dois dias seguidos ". Pensou “Que horas são?".

Olhou para o display digital do rádio-relógio, este estava parado marcando 00h01min00s.

"Nossa! Dormi demais. Justo hoje que tenho vestibular o aparelho não despertou. Será que parou a força a noite? ".

Levantou-se com um pulo da cama, bateu a mão no aparelho, o display começou a piscar no mesmo instante que o som da estação local vinha dos alto-falantes. O som da música "Thears of the Dragon" invadia o quarto.

"Eu adoro essa música, é minha favorita".

Correu pegar sua mochila junto com o material que estava arrumado sobre a estante. Colocava as canetas e o caderno dentro da mochila enquanto cantava a música junto com o aparelho. Um noticia urgente interrompeu a canção.

- Não! Agora não! Espere terminar a música.  Protestou o garoto.

 

"Informamos que uma colisão ocorrida nesta manhã  envolvendo um caminhão e um carro teve duas vitimas fatais. O garoto A.C. de 16 anos esperava no carro sua mãe que fora  comprar o material necessário para ele prestar vestibular.

O caminhão de Helio de Souza perdeu o controle e atravessou o canteiro central. Invadiu o estacionamento do SuperMercado Melvis ocasionando a colisão. Pessoas entrevistadas no local dizem não entender como o caminhão sem direção conseguiu fazer todo o percurso e ainda atingir o veículo parado.

Um fato estranho que mereceu atenção especial da policia local é que segundo laudos do Hospital São Conrado, o motorista Helio de Souza, tinha dado entrada no hospital um dia antes, sofrendo com problemas respiratórios e veio a falecer na mesma noite de insuficiência respiratória. Com essa já sobem para seis o número de mortes de menores só esta semana em nossa região. Estas foram às notícias da última hora de sua FM...”.    A música voltou a tocar.

 

O jovem pegou seus pertences desligando o som com um tapa no rádio-relógio.  Desceu as escadas pulando alguns degraus. Chegou à sala que acabara de ser varrida pela mãe.  Sobre o sofá creme, as almofadas estavam colocadas umas ao lado das outras. Entre as poltronas havia uma pequena mesa de vidro quadrada onde  várias revistas se misturavam  com o jornal do dia.  A TV  desligada sobre a estante ficava logo abaixo do quadro da santa ceia.  Um grande vaso com flores ornava a passagem de acesso à copa.

Entrou na copa a passos largos com o jornal embaixo do braço. O café dentro da xícara estava pronto para ser degustado. A mesa se mostrava farta com duas jarras de louça, uma com  suco de laranja e outra com leite. O pão ainda estava quente, ao lado de uma vasilha com presunto e  queijo.  O copo de requeijão se encontrava ao lado da cesta de frutas.

Arão deu um beijo no rosto de  sua mãe antes de sentar-se à mesa.

-Bom dia meu filho. Você não tinha acordar mais cedo hoje? Perguntou a mãe colocando na mesa o leite que acabara de ferver.

-Eu até tinha, mas o rádio-relógio simplesmente parou. Ontem a noite houve falta de energia?

-Que eu saiba não. O aparelho do meu quarto esta funcionando normalmente.

-Estranho...

-Como você passou à noite? Dormiu bem?

-Para dizer a verdade demorei a pegar no sono.  Mas quando adormeci tive um sonho e tanto.  As palavras saiam com entusiasmo.  -Sonhei que estava em uma cidade diferente de tudo o que já vi, alias muito bonita por sinal. As pessoas usavam roupas esquisitas e teve um combate... Descreveu um pouco do sonho para sua mãe.

-Bom vamos voltar à realidade.  Disse a mãe cortando a descrição do sonho no meio. - Tome logo seu café senão vai se atrasar.

 

- Mãe! Que cheiro estranho é esse? Você não esta sentindo? Parece ser gás. Acho que vem da cozinha.

-Não pode ser meu filho, acabei de vir de lá, tenho certeza que desliguei tudo!

Parou um momento olhando o garoto. Lembranças do passado percorreram sua mente. Tinha sido um tempo difícil, chegará sem emprego e sem um lar para morar. Sozinha com a criança, tivera que trabalhar muito para construir tudo o que tinham hoje. A vida de professora tomava-lhe muito tempo e lhe rendiam muitas preocupações. Porém nenhuma era maior que o filho. Era tudo o que  tinha, tudo o que importava. Mesmo as dificuldades iniciais foram superadas com alegria, pois via o garoto crescer forte e saudável.

"Valeu a pena, tudo o que passei, tudo que sofri, noites em claro me preocupando, achando que não ia conseguir, mas vejo que valeu a pena..."

O menino nunca chegara a conhecer o pai, mas isto parecia não incomodá-lo,  sabia que essa fora a melhor solução. Entretanto no fundo  desconfiava que o garoto tinha muita curiosidade sobre o assunto, mas nunca a incomodara exigindo respostas, de modo que ela sempre fora muito evasiva.

“A única coisa que você jamais pode ser esquecer é que seu pai foi um grande homem, pena ele ter partido tão cedo...”

Essa era a resposta mais comum que o garoto recebia quando a questionava sobre o assunto, mas um dia ele entenderia o porquê.

Seus olhos ainda se prendiam ao menino  devorando seu café à mesa. A satisfação dos últimos pensamentos lhe fez brotar um sorriso  no rosto.

-Que foi mãe? Você esta com uma cara estranha. Olhou em volta como se algo estivesse errado com ele.

-Ta rindo de que?

A mulher corou ante o questionamento do filho.

-Nada meu filho estava apenas me lembrando de uma piada que ouvi ontem.

-Sei...

O som da campainha veio da porta da frente.

-Tem alguém em casa! Estou "afundando"!

Arão parou de tomar café, aquela voz grave não deixava dúvidas, ele a reconheceria mesmo a quilômetros de distância.

-Entre Tícero. Estamos na copa tomando café. Gritou a Helena.

O homem de porte atlético e ombros largos, possuía uma cabeleira negra perdida em meio a muitos fios grisalhos, seu corpo passou pela porta da sala se dirigindo a copa. O nariz delgado sentiu o aroma do café que só ela sabia fazer. Seus olhos castanhos notaram todas as coisas arrumadas. Um sorriso lhe surgiu em sua boca larga ao seu lembrar  de como Helena gostava de todas as coisas em ordem.

Tícero apareceu pouco tempo depois de terem se mudado, foi uma benção. Dono de uma academia conquistou uma enorme clientela com seu caráter exemplar e jeito carismático. Trabalhava duro quatorze horas por dia, à academia abria a oito horas da manhã, fechando somente às dez horas da noite.

Conheceu Arão desde pequeno e acabou se apegando muito a ele. Como o menino não tinha pai, praticamente "adotou-o". Começou arranjando-lhe um emprego na academia, não que precisasse de mais empregados, pois tinha vários, só queria uma proximidade maior de ambos. Na parte matutina exigia que o garoto estudasse. No restante do dia as horas eram gastas nos ensinamentos que ele vivia-lhe passando. Eles iam desde artes marciais, lutas com lanças e espadas até como um verdadeiro homem de caráter deveria se portar. Tinha certeza que  muito da personalidade do garoto tinha sido moldado por ele.

-Bom dia Helena. Cumprimentou cordialmente.

-Bom dia, Tícero.  Respondeu ela ao seu aceno.

O homem aproximou-se devagar no mesmo instante em que o garoto levantou-se da cadeira, olhos nos olhos, a tensão tomou conta do local. Tícero foi o primeiro a se movimentar, sua mão direita partiu rapidamente, Arão se esquivou agilmente  aplicando-lhe um contra golpe que teria acertado com sucesso seu alvo, se o movimento não tivesse sido interrompido intencionalmente. O homem ficou assustado com a mão do garoto parada a poucos centímetros do seu rosto. Logo os dois explodiram em gargalhadas.

-Acredito que tenha te ensinado bem demais.  Deu  uma piscada para ao garoto. -Daqui pra frente terei que tomar mais cuidado quando desafiá-lo.

-Acho que é a idade que vem chegando. Brincou o garoto. -Há algum tempo atrás você teria defendido esse  golpe sem problemas.

-Vocês dois parem de agir como crianças!  Sentem-se à mesa senão o café senão vai esfriar. 

A mulher falava em tom de repreensão. Após a bronca, os dois se olharam com cara de cúmplices enquanto sentavam quietos à mesa. 

-Arão cuidado com a hora, senão você vai se atrasar.

O garoto balançou a cabeça.

-Aceita um café, Tícero.  Continuou a ela.

-Sim obrigado. O homem colocava açúcar em seu café quando algo pareceu incomodá-lo. -Vocês não estão sentindo um cheiro de gás aqui dentro?

Perguntou respirando mais fundo como se quisesse sentir o cheiro de algo.

-Eu já reclamei disso, mas ela nem me ouviu. Complementou o garoto.

-Vou dar uma olhada. 

Tícero levantou-se da mesa enquanto Helena pegava mais café. Entrou na cozinha ao lado da copa. A pia estava cheia de pratos com um escorredor de louça ao lado cheio de talheres limpos. Encostada na pia, a geladeira ligada emitia um zunido agudo interminável, em frente a ambas o  fogão com o botijão encostado exalava gás por um dos bocais.

-Helena! Helena! Onde esta todo aquele cuidado que você sempre teve. Disse para si mesmo enquanto girava o botão rapidamente para fechar o bocal.

-Tícero! Você vai demorar? Seu café vai esfriar. Falou a mulher da copa.

-Já estou indo.

-Tudo em ordem? Perguntou Arão.

-Nada que não pudesse ser resolvido com um pequeno giro. Sentou-se em seu lugar  saboreando seu café. - Como sempre Helena, ele está divino.

A mulher corou com o comentário.

-E você meu jovem, pronto para a prova de hoje?

–Prontíssimo! Não vou negar que estou ansioso. Mas estudei bastante.  Agora seja o que Deus quiser. Não vejo a hora que tudo isso acabe.

Hoje era o dia para o qual  tanto se preparara,   o vestibular era difícil e apesar de se esforçar muito ainda se sentia um pouco inseguro. Precisava entrar em uma faculdade publica, não que a mãe não pudesse sustentá-lo caso passasse em uma particular, mas isto não fazia parte de seus planos.

            Sabia que se conseguisse entrar daria uma grande alegria para sua mãe. Queria dar este presente a ela. Como no dia em começou a dançar,   chegou em casa pegando a mãe pela cintura.

Mãe, veja o que aprendi...”.  Ela o olhou toda orgulhosa.

-Você não seria uma pessoa normal se não ficasse ansioso ou nervoso antes do vestibular, isso acontece com todo mundo. Mas no seu caso já esta tudo aí dentro. Tícero apontou  o dedo para a cabeça de Arão.

-E ninguém pode tirar isso de você. Procure ficar calmo e tudo correrá bem. Olhou para Helena.      -Estaremos torcendo por você.

-Falar é fácil.Queria ver o senhor sentado naquela mesinha, preso por quatro horas fazendo prova.

-Eu aposto que me sairia muito bem. Mas mudando de assunto, o que tem de interessante no jornal hoje? Perguntou Tícero.

-Ainda não consegui folheá-lo para dizer a verdade, mas no noticiário da rádio hoje de manhã, aconteceu um fato triste, mas que acabou tendo seu lado cômico. Comentou o garoto.

-O que meu filho?

-Um garoto que também ia prestar vestibular morreu num acidente de carro. Menos um concorrente. Brincou Arão, entretanto sua expressão mudou rapidamente ao ver a cara de reprovação da mãe.

- O motorista do caminhão também morreu.

Tícero esperou Arão terminar de falar, para perguntar logo em seguida.

-O que tem de engraçado nessa notícia?

-É que segundo a polícia, o homem que dirigia o caminhão já havia morrido na noite anterior, ou seja, morreu duas vezes.

-Que notícia mais estranha. Você tem certeza disso? Perguntou Tícero passando a mão no queixo, ficou pensativo.

-Certeza absoluta.

-Arão! Pare de brincadeira. Ordenou Helena demonstrando certo nervosismo. -Pegue suas coisas e vá fazer a prova, senão irá se atrasar.

-Xxxiiii! Hoje ela  não acordou de  bom humor.  Cochichou o garoto para Tícero. Depois aumentou mais o volume  da voz para a mãe ouvir. - Estou de saída...

 Deu um beijo no rosto da mãe e apertou a mão de Tícero se despedindo. Deixara para trás as duas pessoas mais importantes de sua vida.  A mãe ainda gritou na esperança do filho ouvir, mas ele já estava longe correndo  rua afora.

-Boa sorte! À noite você me conta como foi! Helena virou as costas para Tícero, recolhendo a louça suja da mesa enquanto o homem terminava seu café.

-Você sabe que ele não vai mais voltar!

Não era uma pergunta, mas sim uma afirmação.

A mão de Helena fraquejou, o prato escorregou-lhe, fazendo-se em muitos pedaços menores ao cair no chão.

-O quê?  Ela não tinha coragem de encará-lo, estava cabisbaixa.

-Você sabe do que eu estou falando. Ele não retornará para lhe contar como foi a prova.

O homem ficou quieto por alguns segundos, acrescentando logo em seguida.

-Começou...

Ela virou-se para ele, lágrimas escorriam por seu rosto.

-Ele teve um sonho hoje... Os soluços impediram que ela terminasse a frase.

–Teve mesmo? O sonho! As notícias estranhas no rádio! Isto prova que não estou enganado em meu julgamento...

-Mas ele é só um garoto, como podem esperar alguma coisa dele.  O corpo de Helena escorregou-se na cadeira. -Tão pequeno, tão frágil...

-Não se engane! Ele não é tão frágil assim como você esta dizendo! Sabe se cuidar sozinho, não há com o que se preocupar, ele vai ficar bem.

Tinha esperança que suas palavras lhe passassem alguma confiança, mas no fundo  também estava cheio de incertezas.

-Será que fizemos tudo o que podíamos por ele? Perguntou Helena angustiada.

As mãos de Tícero pousaram nos ombros da mulher enquanto seu rosto exibia-lhe um sorriso encorajador.

-Você foi a melhor mãe que ele poderia ter. Aposto que Arão tem muito orgulho de você e sabe que fez tudo o que estava ao seu alcance por ele.  Agora quanto a mim ainda resta uma última coisa que tenho que fazer.

Virou a xícara de café tomando todo o líquido quente em um só gole, deixou Helena sentada na copa perdida em seus pensamentos, enquanto saia em direção a rua.

A mulher chorava baixinho,  olhava para as paredes ainda remoendo seus pensamentos...

"Foram anos muito bons que passamos juntos. E agora querem tirar tudo de mim. Eu sabia que mais cedo ou mais tarde esse dia chegaria, só esperava ser mais forte. Deus proteja-o, afinal ele é só uma criança e tem um caminho tão árduo pela frente..."

O cheiro de gás voltou a invadir a copa vindo da cozinha.

-Mas  que cheiro é esse?  Perguntou a si mesma. -Tícero foi verificar se estava tudo em ordem. Será que ele não olhou direito? Mas ele nunca foi desleixado nas coisas que faz, muito pelo contrário...

Entrou rápido no cômodo indo  até o fogão, quando olhou para os bocais os seis  estavam abertas ao máximo expelindo gás.

-Como isso foi acontecer? Perguntou-se. Antes de conseguir fechar o primeiro bocal à resposta veio de atrás de si.

-Eu estava com fome, então decidi preparar algo para mim, mas acho que exagerei na dose. Você não acha?

Helena virou-se agilmente. A sua frente se encontrava um estranho usando  vestimentas  pretas que cobriam todo seu corpo,  seu rosto e suas mãos que não eram cobertos pelas roupas estavam muito pálidos... Ela agira rápido, pegando uma faca que estava em cima da pia.

-Quem é você? O que você quer? Tossia repetidas vezes por causa do gás.

-Quem eu sou não é importante no momento e  o que quero já foi embora.  Olhou para  porta. Helena entendeu o recado.

-Se você tocar em um fio de cabelo do meu filho eu mato você.

Com um movimento rápido da mulher a faca feriu a mão do estranho  abrindo-lhe um corte.

- A dor!  Exclamou ele, olhando para mão. -Convivo com ela o tempo todo. Suspirou profundamente antes de continuar. –Calma!  Não fique brava, nesta casa não tem mais nada que seja do meu interesse, mas já que estou aqui vou aproveitar e levá-la para uma pequena viagem.

-Viagem? Para onde? Perguntou a mulher levando a mão à garganta, a dificuldade para respirar aumentava a cada instante.

O homem apontou o dedo indicador para cima e sorriu com sarcasmo, enfiou a  outra  no bolso. Helena estava ficando zonza, as imagens começavam a ficar turvas, viu a mão do estranho dançar a sua frente com um isqueiro, buscou um apoio na pia para não cair.  Ele se aproximou sussurrando ao seu ouvido:

–Adeus minha querida, cumprimente os anjos por mim quando os encontrar.

Esticou a mão à frente do  rosto de Helena, o isqueiro emitiu um pequeno ruído, a chama se acendeu. A explosão foi enorme, as labaredas de fogos consumiram a casa toda.

 

 

 

Arão andava distraído pelas ruas, sua escola se aproximava e com ela o vestibular. O vento tocava-lhe a face enquanto tentava  recordar  algumas fórmulas de física, elas tinham grande probabilidade de serem utilizadas no exame.

A rua se encontrava deserta, em raros momentos carros circulavam pela via, entretanto há algum tempo nem isso acontecia.  Ao chegar perto de um cruzamento ouviu o som de um objeto  metálico cair, da esquina uma tampa de lixo de ferro veio rolando até seus pés. Um grito de desespero seguiu-se logo após.

Arão precipitou-se, alguém parecia estar em dificuldades. Ao dobrar a esquina a cena que viu  deixou-o  estarrecido, uma garota provavelmente da mesma idade que ele, estava sendo molestada por quatro homens. Eles trajavam roupas pretas e a palidez na pele estava presente em cada um deles. O mais alto segurava a bolsa da garota, que tentava em vão puxá-la para si, enquanto os outros três riam observando a cena.

-Devolva minha bolsa. Implorava a garota.

-Deixem-me em paz!

-Você quer ficar em paz  menina? 

O homem  que estava mais distante, se movimentou em direção à garota tirando um punhal do bolso.

- Pois bem! Vou lhe dar a paz. Falou de modo intimidador, acrescentando em seguida com ironia.  - Depois disso ninguém nunca mais vai importuná-la.

O sangue fluiu-lhe nas veias com maior rapidez, não tinha idéia da intensidade do grito que dera, todavia devia ter saído muito alto, pois  todos olharam espantados.

-Soltem-na seus covardes!

- Ora, vejo que temos um herói aqui,   se manda menino pirralho.

-Eu mandei você soltar ela.

- Oras ele é bravinho e ainda quer me dar ordens?

O homem com o punhal avançou em sua direção. Arão não teve muito tempo para pensar, uma vassoura velha se encontrava encostada na parede junto com o lixo.  Um pisão foi o suficiente para separar o cabo da parte de palha.

O ser investiu com o punhal tentando acertar o estômago do  garoto.  Um pulo para trás foi o movimento suficiente para desviar-se da arma. O contra ataque com cabo de madeira levou o punhal ao chão. Em seguida foi a vez do rosto do homem receber a carga do bastão. Ele se ajoelhou  com as duas mãos sobre a face sofrendo terrivelmente.

Os outros vieram socorrer o companheiro, porém tiveram a mesma sorte, logo estavam deitados gemendo de dor.

Arão largou o bastão e olhou para os lados, mas não viu a garota. Seu olhar se distanciou um pouco, do meio da rua a jovem acenava-lhe alegremente. Seu sorriso era lindo.

Um calafrio percorreu o corpo do jovem, suas pernas tremeram, a garota logo percebeu a reação, pois seu sorriso sumiu da face. Olhou para trás, um carro vinha em alta velocidade. O motorista fez um último esforço para se desviar dela, os sons dos pneus patinando foram altos. Conseguiu executar a manobra com sucesso, o único problema é que agora o veículo seguia para onde Arão se encontrava.

O jovem ainda deu alguns passos para trás, mas logo esbarrou na parede, não teria como escapar, o  avanço do veículo era muito rápido. Fechou os olhos, o impacto seria breve, apenas esperou...  Sentiu algo bater forte em seu corpo, caiu batendo a cabeça no chão e  perdeu a consciência...

 

 

 

Ao abrir os olhos sua visão aos poucos foi se acostumando  com o ambiente, via pessoas passando por todos os lados. Algumas trajavam fardas militares, outras uniformes de para-médicos. Sua cabeça doía muito.

Viu um carro parado a seu lado com a frente toda destruída. No banco do motorista um corpo sem qualquer sinal de vida estava suspenso preso pelo cinto de segurança. Ao lado do veículo outro corpo estava ao chão coberto por um lençol todo manchando de sangue. 

Tentou se levantar, mas foi contido por uma mulher que usava roupas brancas com símbolo de uma cruz vermelha desenhado ao peito.

-Calma garoto! Você não pode se levantar, procure descansar. O galo em sua cabeça é muito grande, isso só me leva a crer que sua batida foi muito forte, portanto tente não se mexer.  Ordenou-lhe a mulher.

-O que aconteceu?

Arão lutava com as mãos da mulher, mas por estar meio zonzo, não era muito difícil para ela imobilizá-lo.

-A garota, onde ela esta? E os quatro homens?

Não entendia o que tinha acontecido,  se lembrava de ter salvo a garota  do carro vindo em sua direção, quando sentiu uma forte pancada e tudo se apagou.

-Eu ia lhe fazer esta mesma pergunta. O que aconteceu? Nós recebemos um chamado sobre um acidente, chegamos o mais rápido possível, mas fora você que estava inconsciente.  Os únicos homens que encontramos, foram o motorista e aquele outro senhor embaixo dos lençóis. A propósito, sou a doutora Melissa.

Enquanto a doutora lhe explicava sobre o ocorrido quando a equipe médica chegou, um dos para-médicos ergueu o lençol para verificar a identidade  do corpo que jazia sobre o pano. Arão perdeu o fôlego por uns instantes, não acreditou no que viu, o corpo era de Tícero.

Começava a entender o que tinha se passado, Tícero arremessou-se contra ele, o choque de ambos os corpos atirou-o ao chão momentos antes do carro acertá-lo, salvando-o assim da morte certa, porém isto fez com que Tícero tomasse seu lugar no acidente.

O garoto entrou em pânico queria ir até o local onde o corpo de Tícero se encontrava.  A médica  precisou chamar mais um enfermeiro para ajudar a segurá-lo. Logo que conseguiram imobilizá-lo, ela aplicou-lhe uma injeção de sedativos.

-Fique calmo! Agora você ira descansar um pouco. Depois que acordar e estiver mais tranqüilo, nós conversaremos sobre tudo o que aconteceu.

A cabeça de Arão foi ficando pesada, um policial chegou ofegante  perto de onde ele estava. Suas palavras saíam rápidas demais, estava agitado tentando se comunicar seu oficial superior que observava o motorista.

-Sargento! Ele esta morto!

-Isto até uma criança pode ver cabo, diga-me alguma coisa que eu ainda não saiba. Retrucou o sargento impaciente com a ingenuidade do cabo.

-Não! O cabo tomava fôlego  para prosseguir.

-O senhor não esta entendendo, de acordo com as  informações da central e do Hospital local, o motorista do veículo se chama, Julio Herminiano Silva, 55 anos, viúvo, tem um filho que já estava a caminho para ver o corpo do pai.

-Sim, e o que tem isso de novidade cabo? O homem morreu, o filho vem para reconhecer o corpo do pai. É duro para os familiares, mas é assim que as  coisas funcionam. A impaciência transparecia no rosto do sargento.

-É que este homem que está morto aqui na nossa frente, faleceu ontem à noite de parada cardíaca! O hospital notificou o sumiço do corpo hoje de manhã...

As vozes foram sumindo Arão foi perdendo os sentidos, finalmente adormeceu...

 


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