Eu sabia que devia ter voltado para cama assim que saí de casa e tentei pegar um táxi – era o dia da revisão da minha moto. Eu devia ter voltado para baixo dos lençóis assim que aquele motorista idiota passou rente ao meio-fio e literalmente ensopou meus jeans dos joelhos para baixo.

Eu devia ter voltado!

Mas, em vez disso, repirei fundo e o insultei por uns dois minutos com todos os palavrões que conhecia – e eram muitos, acredite. Ignorei claro, os pedestres que me atiraram olhares reprovadores.

Não ficou melhor quando cheguei –vinte minutos atrasada – ao colégio e o imbecil, rechonchudo e desalmado do meu professor Jackobo me fuzilou com seus olhos negros, depois disse com desdém:

— Alem de chegar atrasada, você ainda aparece aqui usando essa roupa imunda? Você devia se vestir um pouco melhor, senhorita Abernathy. Com as condições de seu pai...

Ah, sim. É que meu pai me da mesada agora. Claro!

A sala segura à gargalhada, afinal todos sabem que não devem rir de Clove Fuhrman, deixei isso bem claro quando quebrei a cara de Nira, uma vadia que acho que podia comigo. Infelizmente ela quebrou um braço e uma perna, e por pouco, pouco mesmo não teve traumatismo craniano.

— Desculpa senhor Plutarch, e você, não acha que com essa barriga toda deveria usar uma camisa seu tamanho? Quem sabe se procurasse no departamento adulto e não no infantil acharia roupas que coubessem em você... pensando bem, acho melhor fazer sobe medida mesmo.

Seu rosto gordo fica vermelho e juro que vi fumaça saindo se suas narinas.

— Senhorita Abernathy, quem pensa que é para falar assim com seu professor!? Sou bonzinho, mas exijo respeito!

— Primeiro, pelo que eu sei sou Clove Abernathy, e segundo, respeito é a ultima coisa que alguém como você, que prefere mostrar a barriga de cerveja à comprar uma camisa que não seja para um garoto de 12 anos, vai ter de mim.

A sala explode em gargalhadas e, se possível, o rosto de Jackobo fica ainda mais vermelho, quem sabe um tomate aceite casar com ele, já que é o cara mais recusado do planeta. Faço uma pequena reverencia e todos aplaudem.

— Já chega! Parem agora ou todos serão suspensos! – grita ele e aos pouco a sala vai ficando em silencio- já a senhorita, me acompanhe até o diretor, alguns dias em casa talvez a ajudem a repensar suas atitudes.

— Á claro! Estava precisando de umas férias de você mesmo – digo e novamente a turma ri alto.

— URGH! Venha comigo agora! – ele agarra meu braço e me encaminha para a direção.

— Escuta aqui cara, você não tem o direito de tocar em mim, então você tem 5 segundos para tirar a mão de mim antes que eu te acuse de estupro!

— Estupro? Até parece, não estou abusando de você!

— Se diz professor ainda né? – reviro os olhos e faço um tom intelectual- Toda e qualquer ação para com alguém contra sua vontade é estupro, e eu não admito que você sequer respire muito perto de mim, quem dirá me tocar, então repito, você tem 5 segundos para tirar essa sua mão gorda de mim.

Ele me solta do aperto e percebo a marca vermelha que esse vagabundo me deixou.

— Como você pode saber tanto e ir tão mal na escola? – ele me pergunta espantado, mas ainda assim mantendo o foco em direção à diretoria, não me dando a possibilidade de escapar.

— Simples, eu não gosto da escola e tiro notas baixas por não gostar dos professores – digo dando de ombros.

— Chegamos senhorita Clove, agora você terá oque merece- ele abre a porta da diretoria e pega em meu braço novamente e vejo ai a oportunidade que esperava , pede à secretaria que avise o diretor, o mesmo logo aparece na porta de sua sala, pedindo que entremos.

— Oque foi dessa vez senhorita Clove?

— Eu estava entrando na sala um pouco atrasada em função de um carro ter me molhado inteira – começo a fungar e simular um choro, para quem não sabe sou ótima atriz – ai o Sr. Jackobo começou a me humilhar e me xingar, eu apenas pedi paciência á ele, ele porem me arrastou até aqui e me deixou marcada com a força que usou – Jackobo arregala os olhos e o diretor o olha com desprezo. Viu Jackobo? Ninguém mexe comigo, já deveria ter aprendido isso com todas as vezes que sai impune de seus ataques.

— Marcada Clove? Deixe me ver isso – ele examina meu braço e percebe a grande marca vermelha, franze o senho e se dirige a Jackobo – Sr. Jackobo, sei que Clove não é das melhores alunas, mas não pode fazer isso, inclusive estou pensando sobre essa sua perseguição com Clove, é apenas com ela que tem problemas e para falar a verdade é o único professor que reclama dela, os demais apenas dizem que ela não presta atenção, mas que também não atrapalha, e ainda por cima nunca tive reclamação de agressão ou ações impróprias do senhor.

— Mas... ela... ela ta mentindo... eu nunca... eu... mas... – ele se recompõem e conta seu lado da historia, ocultando o fato de ter me respondido tão malcriadamente quanto respondi a ele.

— Sr. Jackobo, como sei que não é de seu feitio fazer isso, e que Clove não é a criança mais santa desse colégio, irei tirar essa historia a limpo, afinal, querendo ou não a marca esta ali para provar o lado de Clove. Tal caso ocorreu dentro da sala de aula? – ambos concordamos com a cabeça, e quando o gorducho esta prestes a acrescentar algo, o diretor o corta – Ótimo, vamos lá e irei pessoalmente perguntar aos alunos qual das versões é a real.

Seguimos em direção à sala e assim que entramos a algazarra acalma, ninguém é burro de zoar na frente do diretor.

— Bom dia turma – ele diz e todos respondem um “bom dia” em coro – tivemos aqui um episodio lamentável, porem existe duas versões da historia e acredito que apenas uma delas seja a verdadeira, irei ser breve, gostaria qual das duas situações ocorreu aqui: A) Clove estava entrando na sala um pouco atrasada, por motivos agora irrelevantes, e o Sr. Jackobo começou a humilha-la e insulta-la em frente à classe, porem Clove o interrompeu pedindo um pouco de paciência e compreensão, e acabou por ser arrastada até minha sala ou B) Clove chegou atrasada e irritou o senhor Jackobo, sendo decorrentemente levada pelos braços até a diretoria?

Todos se olharam e me encaram de forma cúmplice.

— Clove

— A

— Primeira opção

— Versão da Clove

Diversos outros gritos de manifestação ao meu favor surgem, não é pra menos que todos me apoiem, primeiro, ninguém gosta dessa bola ambulante e segundo, ninguém ousaria me ferrar, Jackobo fica cada vez mais vermelho e o diretor me encara com pena.

— Sinto muito senhorita Clove, por ter de passar por isso e por ter duvidado da senhorita, porem a justiça será feita, senhor Jackobo, precisamos conversar sobre sua postura em sala, lhe darei um primeiro aviso, se isso se repetir, será demitido e terá seu currículo marcado.

— Mas... eu não... esses pestinhas... apoiam... ela mente!

— Sem nem mais uma palavra, para minha sala Sr. Jackobo – o mesmo sai da sala de cabeça baixa, o diretor se aproxima de mim falando baixo para que só eu escute- Clove, por favor pare de arrumar confusão, sou amigo do seu pai, mas não vou mais encobertá-la, hoje por acaso Jackobo explodiu, porem não lhe deixou mais que uma marca vermelha, mas e da próxima vez? Ele pode simplesmente te machucar de verdade, não que eu ache que ele ira fazer isso, não é do seu feitio, mas todo homem tem seu limite.

— Não se preocupe tio Maiky, vou tentar não machuca-lo caso ele me toque novamente – ele ri em resposta- valeu mesmo tio, sabe que pra mim você é um paizão né?

— Você é uma figura pequena, não perde tempo, e ai quer sair almoçar com o seu padrinho? Igual íamos quando você era pequena e tinha tempo pra mim – ele sorri e eu relembro os dias em que meu pai não podia me pegar na escola, e eu acabava por ir almoçar com ele. Maiky é meu padrinho de batismo, sua mulher nunca pode almoçar em casa durante a semana e acaba por almoçar no emprego mesmo, em decorrência disso ele sempre almoça em um restaurante próximo a escola. Quando saiamos para almoçar juntos, ele me levava no meu restaurante favorito e por fim me pagava um belo sunday de morango. Acho que vou topar, afinal sinto falta desses dias, Maiky sempre foi muito parceiro comigo e eu o adoro.

— Claro tio, vou avisar meu pai, quer que te espere no seu carro ou vamos a pé?

— Uhe!? Oque que tá acontecendo, nunca te vi largar aquela Ducati preta 848 – rio com seu detalhismo, costumava corrigir as pessoas que se referiam a ela como simplesmente uma moto, era uma Ducati 848 poxa!

— Tá na revisão.

— Explicado, mas ok, que tal irmos de carro ouvindo musica em alto volume e cantando que nem retardados como fazíamos antigamente? – rio com isso.

Ë realmente foi uma época muito feliz pra mim, foi antes de tudo acontecer, mas isso não vem ao caso agora.

Afasto os pensamentos de minha cabeça e concordo – ótimo me espera lá no carro assim que bater o sinal, não demoro nem 15 minutos ok? – novamente concordo e pondo fim à conversa, ele se afasta e se dirige a turma, tomando novamente a postura exemplar, ele limpa a garganta e as conversa que haviam se formado durante nossa conversa diminuem gradativamente até se dissiparem por completo – Alunos, como ocorreu tal lastimável cena, e tenho a obrigação de corrigir o Sr. Jackobo, vocês terão o resto dessa aula livre, podem ir a biblioteca se quiserem, ao ginásio, ao refeitório, ao pátio ou fiquem na sala mesmo, porem não façam barulho, afinal as outras turmas estão em aula, de qual vocês infelizmente serão privados– ele conclui, todos se encaram e soltam alguns gritos de alegria que logo somem ao receberem olhares fulminante de Maiky.

O diretor se dirige a porta com um pequeno sorriso e segue pelo corredor, assim que ele some de vista, todos correm em direção aos seus grupinhos, pegam suas coisas e saem da sala.

Só sobro eu e Megan, minha amiga, ela odeia Nira e desde que a mandei para o hospital viramos amigas, temos gostos parecidos e escutamos as mesmas bandas, resumindo somos a dupla mais perigosa aqui dentro.

Sorrimos uma para outra e agarramos nossas mochilas, nesses longos 30 minutos, muita coisa podem acontecer...