Vampiros Bons não Existem escrita por mandycarol


Capítulo 2
Ato II - Feridas


Notas iniciais do capítulo

Quando obtiver asteriscos “*” há notas no fim do capítulo.



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Há certas feridas que queremos apagar de nossas memórias, mas as cicatrizes, as marcas do passado estão ali para nos lembrar de algo que não pode ser esquecido. E aqueles que o esqueceram ainda têm suas “marcas” para se lembrar, ou tentar, o tormento de haver esquecido algo tão precioso. O que haveria entre os dois jovens? Seus passados conectados e o passado antes disso. Uma noite de sangue que os uniu e uma noite de gelo que os separou.

Yuuki Cross, Bucareste, 31 de janeiro de 2010

Novamente aquele sonho, aquele estranho sonho que deixava um gosto amargo, há quanto tempo eu não sonhava com isso? Ah! É claro, desde que deixei a Romênia há alguns anos, como meu simples retorno poderia trazer de volta algo tão perturbador? Era angustiante sonhar todas as noites que pulava do castelo, mais ainda saber que ninguém me empurrará, por que raios eu faria algo tão imprudente? Balancei minha cabeça tentando sumir com meus pensamentos.
Após o café da manhã sai para dar um passeio pela propriedade da Universidade, mas não prestava atenção por onde andava, logo estava perto da floresta que cercava um dos lados do terreno. Ela era vasta e densa, escura em seu interior, tudo era tão sombrio e estranhamente convidativo, as folhas balançavam com a brisa e sentia o vento suave tocar em meu rosto delicadamente. Senti-me tentada a penetrar a floresta negra, mas um vento forte e sem aviso me impediu, me virei para o lado na tentativa de me proteger das folhas que agora me chicoteavam e de longe eu o avistei, aqueles cabelos prateados. Meu coração parou por um instante, ele pareceu não me ver e entrou no prédio que pertencia ao campus administrativo. Meu vestido ainda se agitava no vento que se acalmava, mas meu coração de modo reverso batia furiosamente, não queria vê-lo agora, não queria vê-lo nunca mais, mesmo sabendo que não poderia evitar este encontro.


Kaien Cross, Bucareste, 31 de janeiro de 2010

Fim de janeiro, logo seria o retorno das aulas e aquilo me preocupava, os preparativos acadêmicos estavam praticamente concluídos, mas enquanto a segurança? Ela seria o bastante? Os corredores estarão cheios, os dormitórios ocupados, o pátio fervilhando, salas cheias de alunos e professores. E eram todas essas pessoas que deveria preservar e proteger.
Ouvi dois toques na porta desviando minha atenção, o jovem de olhos lilases rompeu o cômodo logo em seguida, sem aguardar por uma resposta. Seu rosto parecia devastador e seus olhos em chamas, dei um passo para trás, antes de raciocinar como reagir. Estava claro que Kiriyuu estava nervoso, não tirava a razão de sua raiva.
- Zero, como vai? – disse simpaticamente com um sorriso largo fazendo menção de abraçá-lo.
- Não toque em mim velho estúpido. – sem educação me respondeu e jogou um livro na minha cara.
- Ai! – gemi. – Não esperava tal reação.
- NÃO ESPERAVA TAL REAÇÃO! – repetiu gritando. – Talvez esperasse que já estivesse morto nessa altura. – balbuciou.
- Não diga isso. Sabe que é como um filho para mim. – falei de modo abafado, sentindo a dor causada pelo pesado livro jogado sobre meu nariz que agora identificava como um dicionário.
- Eu não sou seu filho. – disse secamente. – E se é assim que trata seus filhos, para de me tratar como um. – se virou indo em direção a porta.
- Espere, Zero! Onde está indo?
- Embora, onde mais parece que estou indo? – rispidamente.
- Não quer entender o que aconteceu. – ele parou por um momento, analisando sua opção.
- Mais tarde, agora estou cansado, irei para meu quarto dormir.
- Amanhã, venha para tomar café da manhã... – ele já havia fechado a porta na minha cara. – aqui.
Não seria algo difícil de explicar, já o havia feito, porém sabia o quão difícil era de compreender. Ele necessitava digerir primeiro tudo aquilo que viu e aceitar, principalmente, aceitar que seus olhos e sentidos não haviam mentido para ele.


Yuuki Cross, Bucareste, 01 de fevereiro de 2010

Novamente aquele sonho, a sensação da queda era mais forte e a dor insuportável em meu peito. Acordei ofegante, porém não conseguia o quanto pioraria. Desci as escadas ainda de pijamas e cabelo desarrumado, ainda estava com sono, mas Kaien não parava de gritar para que fosse tomar café da manhã. Entrei na cozinha ainda coçando os olhos e bocejando bastante, até que parei, cocei os olhos novamente e já ia me retirando da cozinha quando Kaien me interrompeu. Tinha que encontrá-lo tão cedo?
- Isso são modos Yuuki? – me repreendeu ainda sorridente. “Velho maldito”, pensei mal de meu próprio pai.
- Hein! Q-que? Ahm? – falei de modo desconexo.
- Cumprimente nosso convidado. – ele disse pausadamente como se fosse uma retardada.
- Qual convidado? – então agi como uma retardada.
Ele apontou para o jovem sentado a mesa de café da manhã, me senti uma sonsa por estar de camisola e pior ainda pela minha atitude. Zero estava sentado sobre a mesa mordendo um pedaço de torrada, sem me dar atenção. Sentei a sua frente e me surpreendi quando notei que Zero começava a me encarar, seus grandes olhos lilases me encaravam e parecia enxergar o meu íntimo, abaixei meu rosto ruborizado.
- Como vai Yuuki? – perguntou ele educadamente.
- V-vou B-bem! – gaguejei.
Comemos em silêncio, a não ser pela tagarelice de Kaien, ele nos fazia perguntas que respondíamos com simples monossílabas, tentando forçar nossa convivência. Por que ele tinha que fazer isso? Não lembra quanto foi doloroso? Nossa convivência já seria forçada o bastante, os dois como monitores, lembro-me vagamente de meu pai ter dito algo como isso, apenas balancei a cabeça concordando, afinal Kaien Cross não aceitaria um não, ele me infernizaria caso obtivesse outra resposta e Zero sabia disso.
- Zero, ajude Yuuki a tirar a mesa, por favor! – disse sorridente, ele queria acabar comigo? – E depois venha em meu escritório. – olhou firmemente para Zero, antes de nos deixar a sós.
- Desculpe-me por ele. – falei.
- Haha! Tudo bem. – ele riu divertidamente e me fez rir com ele.
Era como antigamente e isso doía. Eu queria abraçá-lo e num passe de mágica tudo voltar como era antes, porém não era assim que funcionava. Eu pisei na bola e tinha orgulho demais para pedir desculpas.
- Quer que seque a louça? – perguntou quando me viu abrir a torneira para lavar os talheres.
- Não, obrigada. Eu acho que posso tomar conta disso. – falei olhando os poucos talheres e copos sujos, Zero riu. – E nosso pai quer falar com você. – disse distraída.
- Ele não é meu pai. – falou secamente.
- Desculpe. – mas ele já não estava mais no cômodo.
Kiriyuu havia sido criado conosco, durante seis anos ele fora mais um membro da família Cross e apesar de nunca nos portamos como irmãos devidamente, ele ainda sim me parecia o filho pródigo de Kaien. Meus pais estavam acabando de se separar, quando Zero chegou a nossas vidas.
 

Yuuki Cross, Bucareste, 12 de dezembro de 2004

Vermelho. Branco. Se o dia fosse marcado por cores, essas seriam as que marcam esse dia. Um menino. A neve. O sangue. Mas não havia medo, não medo. Nos olhos do menino de cabelos prateados não havia nada, apenas um profundo vazio. Zero Kiriyuu tinha os olhos distantes e o corpo coberto de sangue, o velho cobertor o aquecia da neve lá fora e a presença de Kaien ao seu lado não me chamava atenção, até que por fim falou.
- Yuuki, poderia encher a banheira para Zero tomar um banho. – disse gentilmente.
Eu respondi com um gesto e sai para encher a banheira de água. Zero não parecia ter sentimentos ou reações, agia automaticamente. Após o banho fui esvaziar a banheira, a água estava vermelha e senti meu coração apertar, tive medo e ressentimento quando o vi pela primeira vez, mas agora só havia pena e logo surgiu um estranho afeto.
Vingança. Ele não se lembrava de nada, mas havia um desejo ruim em seu coração. Não possuía mais família, não tinha casa e agora não lhe restavam sequer recordações. Sem memória, porém isso não dissipava a dor. Queria estar ao seu lado, fazê-lo feliz.
Fui ao seu quarto durante a noite, palavras não foram ditas, olhares foram trocados e o pequeno garoto me permitiu que passasse a noite segurando suas mãos trêmulas.

Zero Kiriyuu, Bucareste, 01 de fevereiro de 2010

O rosto dela não mudara muito, ela não mudara muito, era a mesma menina lerda, desastrada, meiga, praticamente a mesma de antes. A mesma menina por qual me apaixonei. Havia algo diferente, Yuuki estava mais madura e principalmente, havia algo entre nós que estava diferente, uma coisa que me fazia lembrar a mesma Yuuki que me deixou, entre nós nada seria como antes. Nosso sonho, nosso amor, seria impossível diante desta Yuuki que amadureceu. Perdemos nosso elo.
Bati três vezes na porta, Kaien já deveria estar em seu escritório me aguardando. Um sentimento ruim, uma sensação de mal estar, eu queria saber o que aquele velho tinha a me dizer, porém eu poderia estar com medo? Nunca me permiti ter medo, sempre me fazendo de forte, mesmo que na aparência, apenas uma pessoa, aquela pessoa sabia de meu íntimo, de meus tormentos.
- Entre! – Kaien ordenara.
- Com licença! – educadamente.
- Sente-se meu filho. – Por que aquelas palavras me irritavam tanto? Sentei na cadeira em frente sua escrivaninha, ele do outro lado apoiava seu rosto sobre as mãos, os olhos vagando. – O que acha que viu?
- Quero que você me diga. Ainda prefiro acreditar que exista uma explicação plausível para tudo isso.
- E se te disser que não existe tal explicação? – ele estava sério.
- Ouvirei suas teorias.
- Não são teorias Zero. – ainda com o rosto sereno. – Mas não são coisas fáceis de acreditar, tem que manter sua mente aberta. – ele me encarou.
- Eu tentarei. – falei vencido e impaciente.
- O que lhe feriu naquele dia… – apontou para o curativo em meu braço esquerdo. – não foi um humano enlouquecido. – Foi uma espécie de moroi*.
- Ele me parecia bem vivo. – “Até demais”, pensei sem humor. - Mais como um mendigo e não um tipo de zumbi. – disse com sarcasmo.
- Talvez um termo mais correto seja strigoi**.
- Vampiro?
- Exato. Vampiros, Zero! Criaturas demoníacas da noite, que voam após o pôr-do-sol e se alimentam de sangue. – Kaien estava agora em pé, gesticulando a minha volta. – Não acha que ele era rápido demais? Ele não estava se alimentando da força vital da moça? E quando entrou em contato com o sol não virou pó?
- Eu tinha certeza que você tinha armado essa para mim. – Qual seria seu informante? Qual era o tamanho da influência do diretor? E principalmente… – Agora me resta saber, qual é seu objetivo?
- Treiná-lo.
- Me treinar?
- Para ser um hunter Zero, um caçador. Alguém que me ajudará a proteger os alunos, lhe ensinarem como identificá-los, como caçá-los e principalmente, como matá-los. - ele cuspia as palavras sem digeriras de modo eufórico. - Está no seu sangue…
- No meu sangue? – o interrompera após fisgar as palavras.
- Sei que está confuso, que tem medo. – suas palavras eram carinhos e isso estranhamente me irritava, ele não chegava logo ao ponto. – Não sei se é hora de falar de seu passado.
- Meu passado? Você sabe sobre meu passado. – atenuei as palavras. – E nunca, NUNCA me contou nada. – meu sangue fervia. Bati meu punho sobre a mesa e pus de pé.
- Você era uma criança. – argumentou.
- Tinha treze anos.
- Como disse uma criança. – repetiu. – E ainda age como uma, é rebelde e desobediente.
- Me perdoe por isso, mas acho que não tive muita escolha. – falei com desdém.
- Yagari tem razão, não está preparado. – e suspirou sentando-se novamente em sua cadeira.
- Yagari Touga? – perguntei ao me lembrar do nome. – O que o delegado tem haver com isso? – ele também era meu padrinho.
- Mais tarde, você ainda não esfriou a cabeça ainda. Volte quando aprender a ser obediente. – Velho estúpido. Você que tocou no assunto, você que me meteu nisso.
- Eu preciso saber. – trinquei dentes.
- Você precisa ter paciência isso sim. Aqui. - e jogou uma braçadeira de pano sobre a mesa, nela havia desenhado o símbolo da universidade Cross. – use isto quando voltar as aulas.
- Por que devo usar esta braçadeira.
- Irá monitorar e auxiliar os novos alunos. Boa sorte monitor. – Ele é louco? Mudando de assunto deste modo. – Não se preocupe, não estará sozinho. Lembra-se de seu amigo Kaito? – fiz uma careta. – Vejo que sim, ele também vai auxiliar no seu treinamento como hun…
- Pode ir parando neste ponto! Eu não disse que aceitaria fazer este treinamento, nem sei se posso acreditar nessa coisa toda de vampiros.
O telefone começou a tocar, praticamente berrava em nossos ouvidos. Kaien parecia apreensivo.
- Você irá, mas não agora, seu tempo se excedeu. Como vocês jovens são enérgicos. – e voltará a ser o mesmo diretor com cara de bobo. – Vá ver Yuuki. – sorriu.
- Tsc! – virei o rosto, não queria encará-lo para que não notasse meu rosto agora ruborizado. – Esta noite, quero respostas.
- Lamento! Mas esta noite estou esperando um convidado. – ele me empurrava enquanto falava. – Adeus! – bateu a porta na minha cara.
O que estava aconteceu com ele? Era a segunda vez que me enrolava. E pior, o que havia acontecido comigo? Fora diversas vezes atrás de meu sobrenome, minha família, mas não havia nada, como se não existisse e assim comecei a acreditar. Agora eu sabia que ele tinha resposta sobre meu passado e não sossegaria enquanto não obtivesse respostas. Porém alguma coisa me dizia que tudo ia começar a se esclarecer.
Dirigi-me ao dormitório masculino, não aceitando a sugestão de Kaien para ver Yuuki, não precisava encontrá-la naquele momento e sabia que ela estava desconfortável com a minha presença, não forçaria as coisas.


Kaien Cross, Bucareste, 01 de fevereiro de 2010

Eu falara demais, eu sempre falava demais. Atendi o telefone, sabia quem estava ligando, Yagari era muito ansioso.
- Você demorou. – reconheci a voz do outro lado da linha.
- Eu sei.
- Então? Como ele recebeu.
- Nada bem. Será mais difícil do que imaginávamos, ele é um cético.
- Zero sempre fora um cabeça dura. Deixe que amanhã irei falar com ele. – sua voz era fria.
- E sobre aquele assunto, alguma novidade? – mudei de direção.
- Nenhuma. As mortes continuam.
- E nossa suspeita? – perguntei esperançoso.
- Estamos vigiando uma casa abandonada, onde afirmam ter visto uma mulher entrando, coberta de sangue. – matinha a voz séria. – E havia alguém ao lado dela, um rapaz de cabelos prateados. Isso faz você lembrar-se de algo Kaien?
- Infelizmente sim. Não diga nada a Zero, se ele souber da existência de um irmão gêmeo, pior, se souber que ele esta vivo, sabe que nada o impedirá de correr atrás deles não é?
- É claro que sei. Mas essa advertência serve muito mais para você. – me alfinetará.
- Você é uma pessoa tão má. – fiz voz infantil.
- Pare de falar assim. – me ordenou.
- Yagari Mau! Mau! Sempre briga… - continuei. – Yagari? Yagari? – desligou na minha cara, novamente.


Yuuki Cross, Bucareste, 01 de fevereiro de 2010

Papai ficou o dia no escritório, eu andava novamente pelo campus, fui a pequena capela que Ichijou rezava as missas, mas ele não estava lá. Onde Zero estaria? Será que estava com Kaien? Balancei a cabeça tentando apagar sua imagem da minha mente, porque estava pensando nele para começar? Olhei para o céu e já estava escurecendo, estava do outro lado do campus, demoraria muito para chegar ao dormitório, como este lugar era grande, andei o local todo sem me dar conta do tempo.
Comecei a correr, queria chegar antes que ficasse muito escuro, porém já era tarde. O céu escurecia ligeiramente, comecei a correr para minha sorte era noite de lua cheia e conseguia ver o caminho graças ao brilho intenso que refletia.
Perto da entrada principal da universidade um forte vento começou a soprar, parei, tentava me estabilizar e abracei meu corpo para me proteger do vento que chicoteava. Minha respiração começou a ficar instável, havia algo errado. O enorme portão de ferro abriu com a força do vento, olhei a cena assustada, porém jamais imaginaria algo assim. Do meio do portão, em meio a forte poeira, um homem trajando um casaco preto surgiu, o vento começou a se acalmar e ele veio em minha direção. Ele tinha cabelos castanhos até o ombro e olhos levemente avermelhados, senti medo e ao mesmo tempo atraída, estava em choque e não me movi. Não senti quando pegou uma de minhas mãos, ele levou até próximo de seu rosto, se inclinou e tocou suavemente os lábios. Arrepiei e senti o sangue em minhas bochechas, estava vermelha com a atitude inesperada do estranho.
- Sou Kaname Kuran. E qual seria o nome de tão adorável jovem?


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Notas finais do capítulo

*Moroi: morto-vivo
**Strigoi: sugador de sangue. Este é um termo menos comum, para vampiros é mais comum usar o moroi mesmo, porém é um termo que engloba mortos ambulantes, que nem sempre são vampiros.
Fonte: Livro – Em busca de Drácula e outros vampiros



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