- Então por hoje é só – disse Soluço após fechar seu livro de anotações e dispensar todos da aula da Academia de Dragões

Cabeça-Quente e Cabeça-Dura bateram suas cabeças uma contra a outra comemorando, Perna-de-peixe terminava com as ultimas notas em seu próprio livro e Melequento bocejava preguiçoso satisfeito por ter acabado, sua boca abriu mais do que a de um Tambor Trovão quando dá seus rugidos sônicos. Eles continuaram pela arena conversando coisas triviais, não tinham muito mais o que fazer, em Berk o mais divertido era andar nos dragões – quando não tinham festividades, e isso porque a maioria era preguiçosa.

Astrid acariciou levemente Tempestade e depois de esperar pelo fim da aula finalmente pode falar com Soluço.

- Hey. Mais um belo dia de aprendizado – elogiou sorridente

- Se estiver falando por si mesma e por Perna-de-peixe – ele olhou para os gêmeos que já brigavam e para Melequento apagando o fogo de suas calças. Balançou a cabeça, incrédulo.

- É, estou falando de nós mesmo – ela riu

Por um instante um silencio constrangedor se instalou entre eles. Astrid passava a mão na franja como se ela cair sobre seus olhos fosse o real incomodo e Soluço esfregava o braço apertando os lábios a cada segundo. Não conseguiam olhar um pro outro e a coloração das bochechas já começava a mudar, de pouco em pouco.

- Então...- falaram juntos e ficaram mais envergonhados.

Depois de um segundo Soluço disse:

- Pode dizer primeiro... – ainda meio receosa Astrid concordou com a cabeça.

- Vai fazer alguma coisa amanhã cedo? – ele negou – Então o que acha de apostarmos uma corrida? Eu e Tempestade estamos querendo uma revanche pela última vez – belo pretexto, fez até parecer que não era um encontro. Os olhos azuis ainda não conseguiam encarar os verdes.

- Claro. É... eu e o Banguela vamos adorar

Depois dessa resposta se soltaram mais relaxados ou então se embolaram mais sem jeito. Ninguém soube quem disse “Legal”, “Ótimo”, “Então nos vemos amanhã no penhasco do lado oeste?”, “Penhasco do lado oeste, claro”, “Então.. tchau”, “Tchau”, “Até amanhã”, “Até”.

Por fim não souberam se apenas acenavam, ou só davam um aperto de mão, ou se se abraçavam. Foi uma fofa confusão de casal inexperiente. No final, em um ato de coragem, Astrid apenas o segurou pela gola e o beijou, por causa de um rápido receio, não fora na boca, mas bem perto da mesma deixando Soluço de qualquer jeito tonto de um jeito bom.

Ele a fitou correndo até seu dragão e alçando voo para fora da academia ainda com uma leve cara de bobo que só se desmanchou quando Banguela o empurrou com a cabeça e foi então que percebeu quatro pares de olhos – além dos dragões – sobre ele.

- O que foi? – perguntou confuso

- Meloso. – Cabeça-Quente disse com cara de enjoada fazendo o pequeno viking corar mais. Não era bem uma critica era só o jeito da garota de pensar.

- O que? Isso não foi nada. Só estávamos marcando uma corrida – foi rápido em tentar explicar

- Sei, até parece – o sarcasmo de Cabeça-Dura chegava a ser até mais impressionante que o de Soluço

- Mas olha Soluço você devia rever melhor sua relação – Melequento começou a dizer com seu habitual olhar esnobe, daquele que não esnobava ninguém apenas irritava.

- O que você quer dizer com isso? – Soluço indagou mais desconfiado do que curioso e os outros três pareciam estar confusos do mesmo jeito. Neste instante Melequento ganhou a atenção de todos e se sentiu bem com isso, importante.

- Você sabe... com a Astrid sendo a única que tem a iniciativa para começar os beijos. Daqui a pouco vão começar a duvidar da sua masculinidade se é que já não duvidam – não teve graça, mas mesmo assim ele deu uma cotovelada em Cabeça-Dura, que apenas recuou estranhando, incentivando-o a rir com ele.

Melequento então ficou quieto, de braços cruzados e com bico na cara. Apesar de tudo ele estava certo – não sobre a parte da masculinidade, Soluço já era bem respeitado graças ao episodio com ninho dos dragões – e os outros tiveram que concordar.

- Apesar de idiota – Perna-de-peixe olhou repreendedor para o viking cabeça oca que apenas deu de ombros – ele está metade certo. Quer dizer... nós nunca vimos você beijando ela. – e olhou para o treinador de dragões com um olhar esperançoso de que o desmentisse, porém era a verdade.

- Espera. Todos vocês pensam isso?

Eles assentiram com a cabeça engolindo palavras sem saberem dizer um “sim” que não magoasse...tanto. E foi ai que ele se preocupou ficando pensativo.

- Mas sem problemas – Melequento de novo se aproximou e passou o braço grosso pelos ombros de Soluço – se quiser eu posso te dar umas dicas

- Ah ta. – Cabeça-Dura se viu na necessidade de comentar irônico – Porque você já beijou muitas garotas.

- Claro ora. Muitas. – péssimo mentiroso, os outros três reviraram os olhos

- Ou uma... – Cabeça-Quente começou

- Sua mãe. – o outro gêmeo terminou a frase e eles bateram seus elmos um no outro novamente.

Desta vez eles riram enquanto que Melequento indignado tentava argumentar de forma inútil e daí começou uma pequena discussão, porém Soluço nem ao menos ouvia ainda pensativo e apreensivo. Banguela o empurrou novamente, desta vez mais como um consolo por vê-lo mal, ele retribui com um afago no focinho negro. O Fúria da Noite parecia transmitir algo como “Está tudo bem”, entretanto...era tarde demais, aquele assunto já se remoia na mente do pobre viking. Fora isso, seu único e outro pensamento era de que não teria uma boa noite de sono naquele dia – e não seria por causa da cama desconfortável de madeira.

Argh. Pelos deuses.

– + –

Astrid chegara ao ponto de encontro um pouco após o nascer do sol. O céu claro estava lindo e a brisa matinal agradável, tempo perfeito para um voo em alta velocidade com um Nadder Mortal ou um Fúria da Noite. Ela acariciava as asas da dragão quando Soluço apareceu logo após do som agudo que apenas Baguela sabia dar anunciando sua chegada.

- Já não era sem tempo – a viking declarou enquanto ele desmontava.

- Desculpe

- E então? Pronto para perder? – perguntou competitiva e animada

- Na verdade não. – disse desanimado deixando-a confusa - Foi por isso que eu demorei, dormi mal e eu vim correndo sem tomar café. – remexeu em uma bolsa ao lado de sua cela procurando por maças – Se importa se eu comer rapidinho antes de irmos?

Ela negou em um modo mais sério. Ele realmente parecia mal. Sua voz estava mais baixa, seus olhos caídos e com leves olheiras, parecia fraco e muito cansado. Sentaram-se a beira do penhasco e Soluço comeu em silêncio, aos poucos ele parecia com um pouco mais de energia, porém ainda tinha algo de diferente. Astrid começou a balançar as pernas, impaciente, queria perguntar, mas também não queria incomodar.

Depois da terceira maça – ainda sendo mastigada – ela decidiu arriscar.

- Está tudo bem? – o tom era meio receoso e cheio de preocupação

Ela assentiu com a cabeça e ainda mastigando um pedaço da fruta um grunhido como “uhum” saiu de sua boca.

- Tem certeza? – ela persistiu, ele não respondeu tão rápido dessa vez, mas ainda assim confirmou – Sabe que pode contar comigo para qualquer coisa, não sabe? – ela chegou mais perto e segurou a mão dele.

Ótimo, agora ele se sentia culpado. Grunhiu de boca cheia para os deuses e após pensar mais um pouco engoliu de uma vez o pedaço de maça, limpou a boca com as costas da mão e se virou completamente para ela. - que se dane a paisagem do céu de manhã e os tantos metros para a morte certa no mar abaixo de seus pés.

Soluço carregava culpa, preocupação, dúvida e receio em sua expressão, as sobrancelhas curvadas em tristeza e de algum modo procurava um jeito de explicar sua situação fitando os olhos azuis que o incentivavam a falar. Seja o que Odin quiser.

- Ok... – ele respirou fundo e ela se preparou – Você acha que eu não tenho iniciativa?

Ela se surpreendeu um pouco com a pergunta.

- Bom, se você chama, montar um Fúria da Noite, fazer uma rebelião na frente de um Pesadelo Monstruoso e de toda a aldeia, depois sair para combater um dragão como Morte Rubra praticamente sozinho, mudar uma tradição de “matar ou morrer” de mais de 300 anos e depois começar uma academia de dragões, falta de iniciativa... – Astrid conclui achando que não se esquecia de nada - ... então, sim, você é um viking de muita falta de iniciativa. – disse sarcástica e riu.

Soluço apenas sorriu torto.

- Acho que tem razão. – concordou ligeiramente – Mas não foi bem isso o que eu quis dizer... – suspirou pensativo novamente.

- Então o que é?

- Já notou que é sempre você quem me beija? Nunca o contrario?

Ela corou violentamente. Essa declaração de fato a surpreendeu 100%

- D-do que v-você esta falando? V-você está exagerando, isso não é...não é verdade

- É, é sim. Eu pensei sobre isso depois que o Melequento e o Cabeç... – Astrid o interrompeu antes que continuasse

- Melequento e Cabeça-Dura?! – a vergonha parecia ter sumido por um passe de mágica, ela se levantou repentinamente indignada e com um pouco de raiva – E você deu ouvidos para aqueles dois? Quem nem sabem contar direito?

- É... agora com você falando assim... – ela sentou novamente suspirando mais calma

- Olha, Soluço. Eu não me importo com isso e você não devia se importar, ainda mais vindo daqueles dois...

- O Perna-de-peixe também falou – lembrou de repente

- Vindo de qualquer pessoa! – ele ficou com medo de que ela fosse pegar o machado e se encolheu com o grito – O caso é... você é você e faz as coisas do seu modo e no seu limite. Ninguém tem que te dizer o que fazer ou como fazer. Se você não se sente a vontade... – ela parou por um instante e corou levemente antes de continuar, teve até que desviar o olhar - em fazer isso... – foi o melhor substituto que ela achou para “me beijar” – ainda... – no fundo ela tinha vontade, limpou a garganta e continuou mais firme - então só espere pela hora certa. Só não tenha pressa e conseguira fazer qualquer coisa. Aposto que não treinou o Banguela do dia pra noite. – terminou exalando confiança e com um sorriso animador.

- É, você tem razão – o sorriso dele melhorou – Ele tentou me matar primeiro

Do seu canto seguro Banguela fungou ofendido. Só não deu muita atenção porque era verdade.

- Obrigado Astrid – ele sorriu sereno e ela corou incomodada com o clima – Você sempre sabe o que dizer.

- Sei... – caramba como estava difícil olha-lo nos olhos – Só não pense coisas idiotas assim de novo – e socou seu braço.

Acariciando o local dolorido, Soluço riu

- Isso é uma das coisas que eu mais gosto em você – e comeu a maça mais rápido voltando a observar o horizonte

Mais vermelho que um tomate. Era assim que podia ser descrito o rosto de Astrid Hofferson

- De qualquer jeito só faça isso quando se sentir a vontade – e se levantou indo em direção a Tempestade – Agora que está melhor vamos logo com essa corrida se não quisermos nos atrasar para a academia, esta bem?

Ele não respondeu em vez disso ele a cutucou no ombro e quando ela se virou para perguntar “o que foi?” ficou sem palavras. Literalmente. Soluço havia a beijado. Um beijo calmo e inexperiente, porém fofo, dócil e corajoso de um jeito que nem deu tempo de Astrid fechar os olhos. Eles já tinham se beijado antes, mas dessa vez Astrid não soube dizer se foi porque ele tomou a iniciativa ou porque há poucos minutos ele disse o que gostava nela ou se foram as duas coisas que fizeram seu estomago embrulhar e sua mente apagar. Quando Soluço se afastou a examinou cautelosamente e sorriu com a falta de reação da mesma, apesar de não saber dizer se aquilo era um sinal bom ou ruim.

- E ai? Foi bom para o meu primeiro? – perguntou brincalhão.

Astrid piscou algumas vezes voltando ao normal. Suas bochechas estavam quentes e chegando a um tom vermelho máximo, ela não sentia seu coração bater, isso porque ele batia mais rápido que o normal. Por um instante se perguntou se ele se sentiu daquele jeito quando ela o beijou pela primeira vez. Mal sabia ela que sim.

Receosa, confirmou tão rápido que se ele tivesse piscado não teria visto, depois passou por ele correndo acompanhada de Tempestade e com a mão nos lábios. Soluço pensou nisso como um ponto positivo e riu. Ela ficava fofa sem graça.

Talvez fosse um pouco estranho para uma viking como ela fazer algo assim, seria o que qualquer Hoolingan pensaria, mas antes de ser guerreira, Astrid era uma garota como qualquer outra. Era normal sentir vergonha após a pessoa de quem gostava lhe beijar sem aviso.

- V-vamos c-correr logo. – foi tudo que ela conseguiu dizer em um fio de voz antes de montar seu dragão

Banguela se aproximou com um olhar malicioso e interrogativo. O viking apenas sorriu e acariciou sua cabeça antes de monta-lo com agilidade, Astrid saiu na frente e Soluço achou melhor deixa-la ficar na dianteira o que era o maior desejo dela no momento não apenas por querer ganhar, mas por ainda estar vermelha. Depois de algumas voltas pela ilha isso foi passando e logo o Fúria da Noite tomava a liderança, durante algum tempo o assunto foi esquecido e eles apenas se divertiram pelos ares.

Esse foi o primeiro beijo de Soluço Spantosicus Strondus III por iniciativa própria e o segundo demoraria a vir, afinal ele gostava quando Astrid o beijava de surpresa e de um jeito dominador no seu estilo próprio. Ele não tinha o que reclamar, era outra das coisas que ele gostava nela, entretanto após esse episodio o caro viking sentiu que dera um passo importante na relação dos dois.

E como dera. Só que ninguém mais precisava saber.