Jogos Vorazes - Peeta Mellark escrita por Nicoly Faustino


Capítulo 39
Parte 39




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– Você está bem? – pergunto a Katniss, depois de um silencio considerável.

Ela dá de ombros evasivamente, e se encolhe numa posição quase fetal. Engulo seco, decidido a guardar toda minha dor, e agir da maneira certa, segundo os padrões dos jogos. Ficar feliz, afinal cada tributo morto, é um passo a mais para nossa vitória. Talvez se eu fizer Katniss entender isso, sua dor diminua. Não que isso tenha acontecido comigo, mas quem sabe...

— É só que... – Katniss começa a dizer, mas para como se não encontrasse as palavras certas. - Se não ganhássemos... Eu queria que Thresh ganhasse. Porque ele me deixou ir. E por causa da Rue.

— Sim, eu sei — respondo. — Mas isso significa que estamos um passo mais perto do Distrito Doze. — Pego os pratos de comida, e empurro um na direção dela. — Coma. Ainda está quente.

Katniss come o cozido, a comida que ela mais gosta, como se estivesse comendo terra.

— Significa também que Cato vai voltar a nos caçar – ela comenta.

— E ele tem suprimentos de novo.

— Ele estará ferido, eu aposto.

— O que te faz pensar isso? —pergunto.

— Porque Thresh nunca teria sucumbido sem uma luta. Ele é tão forte... quero dizer, ele era. E eles estavam em seu território.

— Que bom. Quanto mais Cato estiver ferido, melhor. Eu me pergunto como a Cara de raposa está se virando.

— Oh, ela está bem — Katniss diz, por algum motivo irritada. — Provavelmente será mais fácil pegar Cato do que ela.

— Talvez eles irão se pegar e nós poderemos simplesmente ir para casa — digo, torcendo para que isso realmente aconteça. Não quero ser responsável por mais nenhuma morte. Eu não suportaria mais esse peso. —Mas é melhor termos cuidados extra com as vigilâncias. Eu cochilei algumas vezes.

— Eu também — ela admite. — Mas não hoje.

Terminamos de comer em um profundo silencio. Essa conversa sobre nossos adversários me deixou enjoado. Me ofereço para ficar com o primeiro turno de vigilância, e Katniss nem tenta resistir. Apenas se deita ao meu lado, dentro do saco de dormir, puxa seu capuz a ponto de cobrir todo o rosto, e fica imóvel. Depois de um bom tempo, sei que ela adormeceu, pois sua respiração está mais calma. É terrível, ver o que esses jogos estão fazendo com ela. Conosco. Passo as horas seguintes pensando, se caso nós vencermos, se algum dia conseguiremos nos recuperar dos traumas sofridos aqui.

Queria deixar Katniss dormir o quanto eu pudesse. Mas além do sono, a fome voltou a me assolar, e eu decido acorda-la. Não seria justo comer ou cochilar enquanto ela dorme. Reparto o queijo de cabra e as maças, e acaricio seu braço fazendo-a acordar.

— Não fique brava — digo, quando ela se senta. — Eu tive que comer de novo. Aqui está a sua metade.

— Oh, bom — ela diz, e avança imediatamente em sua metade, dando uma mordida enorme. — Hmm.

— Fazemos uma torta de queijo de cabra e maçã na padaria — comento.

— Aposto que é caro.

— Caro demais para a minha família comer. A não ser que tenha ficado muito estragado. É claro, praticamente tudo o que comemos é estragado — conto, enquanto me acomodo no saco de dormir.

Adormeço em menos de um minuto.

Katniss está correndo pela floresta ao meu encontro, com uma cesta de amoras nas mãos. Quando ela se aproxima, me envolve em um maravilhoso beijo. É um dia quente, quente demais. Começo a suar e logo percebo que Katniss está em chamas. Fico desesperado, mas ela não parece sentir dor. Ela pega da cesta algumas amoras, e me estende. Pego-as ainda confuso, mas as como. Nesse momento uma coisa gelada parece ter entrado em meu coração. Sinto que estou morrendo. Katniss está chorando. E no céu, vejo olhos me observando. Olhos de uma garota, que eu nunca me esquecerei.

Acordo ainda sonolento com Katniss chacoalhando meu braço. Essa mistura de sonho e pesadelo que tive, me deixou sedento. Mas não de agua. Eu a puxo, e dou um longo beijo em sua boca. Eu precisava fazer isso.

— Estamos desperdiçando tempo de caça — ela diz, se afastando de mim parecendo impaciente.

— Eu não chamaria isso de desperdício — digo, me esticando enquanto sento. — Então caçamos de estômago vazio para nos dar uma vantagem?

— Nós não. Nós nos entupimos para nos dar poder de resistência.

— Conte comigo — digo animado.

Katniss divide toda a comida que temos em dois pratos, e isso me deixa surpreso, pois se comermos tudo agora, estaremos correndo um grande risco de passar fome mais tarde.

— Tudo isso? - pergunto, assustado.

— Nós ganharemos isso de volta hoje — ela responde confiante.

Ambos avançamos em nossos pratos, comendo aquilo como se fosse a última vez. E pode realmente ser a última vez. Katniss abandona seu garfo, e raspa o resto de molho com o dedo.

— Eu posso sentir Effie Trinket estremecendo com a minha educação.

— Ei, Effie, veja isso! — digo, enquanto jogo meu garfo e lambo meu prato até ele ficar brilhando. Simulo sons exagerados de satisfação, e sopro um beijo no ar.

— Nós sentimos sua falta, Effie! – grito.

Katniss está quase chorando de rir, e isso me deixa bem mais satisfeito do que a bela refeição que acabamos de saborear.

— Pare! – ela diz, quando recupera o folego. - Cato pode estar logo do lado de fora de nossa caverna.

Eu pego a sua mão.

— O que me importa? Eu tenho você para me proteger agora — digo, sorrindo e puxando-a para mais perto.

— Vamos — ela diz, enquanto se livra do meu abraço, mas não antes de me dar mais um beijo.

Quando saímos de nosso esconderijo, é como se tivéssemos voltado aos jogos, mesmo sem nunca ter saído deles. Andamos cautelosamente, parando a cada ruído. Katniss com seu arco em mãos, e eu com uma faca. A tensão chega a ser sufocante.

— Ele estará nos caçando agora — sussurro. — Cato não é de esperar sua presa passar por perto.

— Se ele estiver ferido... — começo.

— Não importará — eu a interrompo. — Se ele puder se mover, ele estára vindo.

Paramos no córrego, que transbordou devido à chuva, para reabastecer nossas garrafas. Só de me movimentar um pouco, sinto uma fraqueza enorme. Katniss está um pouco pálida. É visível o quanto estamos fracos. Presas fáceis, penso.

— Se queremos comida, é melhor voltarmos ao meu antigo território de caça – Katniss diz, olhando atentamente ao redor.

— Você que manda. Apenas me diga o que você precisa que eu faça.

— Fique de olho. Fique nas pedras o tanto quanto possível, não há sentido em deixar-lhe pistas para seguir. E ouça por nós dois.

Katniss assume uma postura que eu nunca havia visto antes. Seu olhar, ganha um brilho intenso, pela simples expectativa de caçar. A lista de coisas que eu admiro em Katniss, ganhou mais um item.

Sigo-a, e logo passamos por onde ela me achou encoberto de lama. Olho para aquele lugar e estremeço, só de pensar que estive dias aqui, a beira da morte.

Continuamos a andar e de repente, Katniss para e me olha, parecendo extremamente nervosa.

— O quê? — pergunto.

— Você tem que mover-se mais silenciosamente — ela diz exasperada. — Esqueça o Cato, você está espantando cada coelho em um raio de dezesseis quilômetros.

— Sério? – digo envergonhado. - Desculpe, eu não sabia.

Começamos a caminhar novamente, e eu faço todo o esforço possível para não fazer barulho. Mas ainda estou mancando um pouco devido a minha perna. Essa está sendo uma tarefa mais difícil do que eu imaginava.

— Você pode tirar as suas botas? — ela sugere, com um tom autoritário.

— Aqui? — pergunto, parte incrédulo, parte magoado.

— Sim. Eu também tirarei. Dessa forma, nós dois vamos ficar mais silenciosos.

Eu faço o que ela disse, e recomeçamos nossa caminhada. Felizmente, acho que ela não tem mais do que reclamar, pois estamos caminhando o quão silenciosamente é possível. Mas pelas bufadas que ela deixa escapar, percebo que ela ainda está insatisfeita.

— Katniss — eu chamo. — Nós precisamos nos dividir. Eu sei que estou espantando a caça.

— Só porque sua perna está machucada — ela diz, pacientemente.

— Eu sei. Então, por que você não segue em frente? Mostre-me algumas plantas para coletar e dessa maneira ambos seremos úteis.

— Não se o Cato vier e te matar.

Katniss tem o dom de me magoar com seus comentários indelicados. Porém, não é uma boa hora para começar uma discussão. Então eu apenas dou risada.

— Olha, eu posso lidar com o Cato. Lutei com ele antes, não lutei?

Ela revira os olhos.

— E se você subir em uma árvore e agisse como vigia enquanto eu caço?

— E se você me mostrar o que é comestível por aqui e for nos buscar um pouco de carne? — digo, imitando seu tom de voz. — Só não vá longe, no caso de precisar de ajuda.

Ela suspira, e me mostra algumas raízes. Em seguida me ensina um assobio de pássaro, bem simples, para podermos nos comunicar. Ela me deixa com a mochila, e sai. Periodicamente, trocamos assobios, enquanto eu faço a ridícula tarefa de ficar cavoucando raízes na terra, enquanto ela se arrisca caçando. De repente, avisto ao longe, correnteza abaixo, algumas frutas. Acho que são amoras. Coloco a mochila no chão, e forro a folha de plástico sobre as raízes que colhi. Desço em direção as frutas, que parecem demasiadamente suculentas.

Enquanto estou voltando, acho mais algumas raízes e paro para colher. Me sinto satisfeito, pois consegui bastante coisas. Estou prestes a experimentar as amoras que colhi, quando escuto Katniss gritando meu nome. Ela parece estar totalmente em pânico. Corro o máximo que posso, e quando saio do meio das moitas, Katniss quase acerta uma flecha em mim. Com o susto, derrubo todas as raízes que eu havia colhido.

— O que você está fazendo? – ela grita, com raiva, enquanto vem em minha direção. - Você deveria estar aqui, não correndo pela floresta!

— Eu encontrei algumas amoras correnteza abaixo — tento explicar, sem entender porque ela está com tanta raiva de mim.

— Eu assobiei. Por que você não assobiou de volta? Ela grita, mais descontrolada ainda.

Eu havia me esquecido completamente dos assobios. Fiquei tão excitado por encontrar as amoras, que me esqueci do nosso combinado.

— Eu não ouvi. A água está muito alta, acho – tento me explicar.

Percebo que ela está tremendo, e isso me deixa ainda mais confuso. Coloco minhas mãos sobre seus ombros tentando acalma-la. Por um instante, achei que ela iria chorar. Ainda tremendo, e ofegante, ela me fita.

— Eu pensei que Cato tinha te matado! – ela diz.

Lentamente consigo entender o motivo de sua raiva. E olhar para ela, tremendo, descontrolada, por achar que eu estava morto, me deixa desnorteado, e com a doce ilusão, de que Katniss realmente se importa comigo. A doce ilusão de que, o que ela sentia por mim, tenha virado amor. Não como o que eu sinto por ela. Mas como o que deixa uma pessoa atordoada, só de pensar em perder aquela pessoa, que ela considera única.


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