– VIII –

Nico

Nico abria os olhos lentamente, estava acordando de um sonho estranho com uma mulher bonita mais estranha ainda! Sua cabeça latejava de dor e sentia um vazio angustiante em seu peito. Estava deitado em algum lugar familiar, estava escuro e Nico julgou que já era noite. Ouviu o som de água corrente e levantou-se tentando identificar onde estava. Olhou em volta, o lugar se parecia muito com os Campos de Asfódelos, porém, sem o terrível tráfego de almas perambulando sem rumo... mas Nico não estava morto, estava?

Caminhou um pouco em direção ao som da água, poderia usar o trajeto do possível rio para não se perder. Depois de alguns minutos avistou algo branco correndo em meio a terra, era como uma neblina baixa, mas só quando se aproximou mais é que pôde perceber que era de lá que vinha o som.

Onde estou? Este lugar é familiar, mas não consigo me lembrar...

Um uivo aterrorizante soou em meio as sombras, Nico por instinto levou a mão a espada, mas essa não estava ali. O filho de Hades tentou identificar de onde vinha o som, mas estava muito escuro, até mesmo ele não conseguia ver.

Outro uivo soou, dessa vez mais alto. Um leve tremor balançava o chão sobre seus pés. Nico avistou ao longe um pálido brilho gélido vindo em sua direção rápido demais, mas nem sequer pensou em correr. Poderia estar morto até onde sabia e algo dentro dele parecia clamar pela morte.

O estranho brilho desacelerou, mas ainda se aproximava. Nico cerrou os olhos tentando focalizar o que era. Quando estava à alguns metros de distância é que o filho de Hades pôde contemplar a besta: Um cão colossal cuja pele radiava uma aura azul bruxuleante, uma névoa fraca o rodeava, suas presas eram tão grandes que a boca não conseguia contê-las em seu interior, olhos brancos cadavéricos, o corpo revestido com uma horrenda crosta congelada roxa tal como o sangue seco de um milhão de corpos.

A fera encarou Nico por um instante, as imensas orelhas pontudas agitadas, e então a besta abriu sua bocarra e o abocanhou. O filho de Hades sequer fechou os olhos. Morreria finalmente...

Primeiro veio uma escuridão ainda mais densa, depois uma luz vermelha passou sob sua cabeça, era um pássaro vermelho muito magro, Nico acompanhou com os olhos o trajeto da ave. Archotes dos dois lados do filho de Hades acenderam-se, e outros mais para frente seguindo o voo do pássaro até que Nico avistou duas figuras, uma sentada em uma espécie de trono, na qual a estranha ave pousou em um dos ombros, e outra em pé a seu lado.

As figuras pareciam conversar e Nico resolveu se aproximar, alguém provavelmente me deve algum tipo de explicação! O filho de Hades então identificou a figura sentada no trono, era Hel com seu corpo metade jovem e belo, metade cadáver, usava uma delicada coroa de ferro aparentemente congelado sob seus cabelos metade branco e metade preto. Do seu lado havia uma mulher de estatura média e de cabelos negros, vestia uma túnica vermelha-escura simples e seu olhar era austero.

― Finalmente chegou meu caro! ― disse a mulher ao lado de Hel, sua voz era ao mesmo tempo suave e grave, como se cada palavra fosse um cumprimento e um aviso.

― Os deuses sabem o quanto entristece-me ver-te neste lugar novamente criança ― lamentou Hel.

― O que está acontecendo? Por que estou aqui? ― perguntou Nico ainda mais confuso ― Quem é a senhora?

A mulher não parecia ser estranha ao filho de Hades, talvez fosse alguma conhecida de seu pai, se é que isso era possível.

― Você me conhece Nico Di Angelo, ajudei sua irmã Hazel à usar a Névoa.

― Hécate! ― concluiu Nico ― Não compreendo...

― Há muita coisa para ser explicada, mas temo não poder explicar-lhe tudo o que precisa saber filho de Hades. Antes de qualquer coisa nos diga do que se lembra.

Nico demorou um pouco para responder, sua cabeça estava um turbilhão de informações desconexas.

― Não muito, lembro de um estranho brilho meio rosa, meio branco. Depois uma dor terrível, parecia que algum tipo de monstro estava arrancando meu coração com as mãos...

― Realmente foi um monstro terrível! ― comentou Hel desdenhosa.

― ... então cheguei aqui. Minha cabeça dói e sinto um... um vazio terrível ― confessou Nico pousando sem perceber uma mão sobre o coração. As deusas se entreolharam e Hel fez um aceno positivo com a cabeça.

― Muito bem, quero mostrar-lhe uma coisa, ― disse Hécate estendendo as mãos na direção de Nico, uma névoa fantasmagórica começou a sair das mangas de sua túnica e se acumular na frente do filho de Hades, uma imagem ia se formando, a imagem de um garoto de olhos verdes e cabelo preto bagunçado ― reconhece este garoto?

― Sim, é Percy. O que tem ele?

Hécate olhou para Hel que levantou-se e andou até Nico.

― Não temas – avisou a deusa pousando a mão normal sob o peito do filho de Hades ― Ah meu pequeno, o que fizestes?

― Eu... eu não sei...

― O estrago está feito! ― bradou Hel ignorando a confusão de Nico ― Ele deve partir o quanto antes. A vida dele corre perigo! ― concluiu voltando-se para Hécate.

― Sim... ― refletiu a deusa da magia ― Escute Nico Di Angelo, eu levei seu corpo para o lugar ideal onde você deve começar sua missão. Você deve encontrar um lugar há muito perdido e lá permanecer até que a hora chegue! Encontrar a Rainha das Fadas é sua primeira missão, não falhe!

Uma escolha farás ante a fada de poderosa magia...

― Vá em paz criança e lembrai, o coração é um sábio! Tolo, mas ainda assim um sábio! ― aconselhou Hel.

Tudo ficou escuro de novo, Nico acordou rodeado de pinheiros e carvalhos. Sua cabeça ainda doía e o vazio em seu peito parecia rasgá-lo por dentro, mas levantou-se pensando com amargura:

Nico Di Angelo! Rei Fantasma! Filho do Deus dos Mortos! Embaixador de Plutão! No meio do nada caçando fadas...