– Narração de Maddison McLean.

A dor me consome por inteira, e eu não consigo pensar em outra coisa a não ser dormir. Depois que Carol saiu, Beth me trouxe alguns analgésicos, mas infelizmente eles ainda não fizeram efeito.

Ver Emma e meus sobrinhos tão preocupados comigo foi doloroso, e pensar que eu não poderia estar aqui para consolá-los foi mais ainda. Seth e Cassie conseguiram sobreviver por semanas sem ajuda de ninguém, mas Emma não está pronta para ficar sozinha nesse mundo.

O barulho de alguém batendo na porta interrompe meus devaneios. Surpreendo-me com isso, já que não consigo imaginar ninguém para me visitar, pois todas as pessoas íntimas a mim já o fizeram.

– Pode entrar! – repreendo-me por ter gritado quando sinto uma fincada em minhas costelas. A porta se abre e quem eu menos espero surge por entre a fresta. – Shane? O que faz aqui?

– Vim ver se você está bem – ele diz, e me surpreendo mais ainda. – Emma ficou bem preocupada com você.

– Sim, graças a Hershel estou bem agora – digo, a gratidão clara em minha voz. Shane continua parado em frente à cama, analisando meu estado igual a todos que entraram por essa porta.

– Está sentindo muita dor? – pergunta. Nego com a cabeça, apesar de ser claramente uma mentira. – Sempre querendo bancar a durona. – repreende, mas há um pequeno sorriso no canto de seus lábios.

– O que você quer, Shane? – pergunto de maneira grosseira, como se colocasse um enorme muro imaginário entre nós.

– Precisamos conversar sobre Emma. – ele diz sério, sem nenhum resquício do sorriso que brincou em seus lábios há alguns segundos. Fico em silêncio, apenas esperando ele continuar.

– Ela não pode andar por ai somente com uma faca, Maddison. Faca que você tirou, aliás. – acrescenta. – E é por isso que eu quero dar a ela uma arma de verdade.

– Ela é uma criança! – exclamo contrariada, olhando para a Glock em sua mão. – Não pode simplesmente dar a ela armas como se fossem brinquedos! Sei que o mundo não é mais o mesmo, mas ela está protegida aqui.

– Protegida até quando? – pergunta retoricamente. – Até aquelas cercas caírem? Elas não são indestrutíveis, Maddison. Nenhum lugar é seguro.

Fico em silêncio após essas palavras. Shane está certo, isto é inegável. Eu posso tentar proteger Emma ao máximo, porém nunca será o suficiente.

– Ok, você pode dar a ela essa maldita arma. – digo derrotada após alguns minutos, o cansaço do dia e o efeito sonífero do remédio começando a fazer efeito. – Espero que ela não precise usá-la.

– Eu também espero. – ele diz, mesmo que eu tenha murmurado a última frase.

Apesar de aparentemente ter acabado o que tínhamos para conversar, Shane continua parado no mesmo lugar de antes. Ficamos em um silêncio constrangedor por alguns poucos minutos antes que ele se pronuncie.

– Eu te devo desculpas. – ele finalmente solta. – Não devia ter simplesmente te abandonado quando me contou que estava grávida, mas eu estava com medo e confuso, não sabia o que fazer... Então eu fugi, como um covarde. Você não merecia isso.

– Eu também estava confusa e com medo! Eu precisava do seu apoio, de você junto comigo naquele momento tão assustador... – falo depois de alguns segundos, a voz falha devido à carga de emoções. – Eu te amava e você me abandonou quando eu mais precisava.

Lágrimas começam a pinicar em meus olhos, mesmo a contragosto. A expressão de dor e arrependimento no rosto de Shane é agonizante, e imagino que minha expressão não esteja muito diferente.

– Maddie... – sussurra ele, sentando-se ao meu lado. Ele estende a mão para limpar minhas lágrimas, e quando sinto o toque suave de seus dedos em meu rosto afasto seu braço para longe de mim, como se de repente notasse o quão perto de minha alma ele estava. Não o afasto por ódio ou por mágoa, mas simplesmente por medo.

– Tudo bem Shane, faz anos. Eu não posso guardar esse ressentimento para sempre. Principalmente agora, onde a companhia de alguém é muito mais importante que acontecimentos passados. – falo com a voz baixa, secando as últimas lágrimas que teimam em deslizar pelo meu rosto. –Eu te perdoo, Shane.

– Você não sabe o quão bom é ouvir isso. – ele diz, e só então percebo que seus olhos escuros estão úmidos. Sorrio levemente, desfrutando da ótima sensação que é perdoar. É como se eu pudesse respirar novamente, pudesse olhar para coisas que me ligam ao passado sem sentir dor e mágoa, apenas saudades.

A porta é aberta de repente, e Hershel entra. Shane se levanta rapidamente, se afastando de mim e da cama.

– Está na hora de descansar – Hershel diz, lançando um olhar para Shane.

– Já estava de saída. – Shane informa, se aproximando da porta. Antes de sair ele se vira e me olha uma última vez, o brilho intenso em seus olhos castanhos. – Melhoras, Maddison.

– Obrigada. – agradeço. Ele fecha a porta, levando consigo toda a dor e ressentimento que habitavam meu coração.

I am done with my graceless heart
So tonight I'm gonna cut it out and then restart