– Então, Sasuke-kun... Qual a sua melhor lembrança? – uma voz estridente retumbou, mesmo com todo o barulho da chuva, em seus ouvidos, fazendo-o respirar fundo para evitar a irritação.

Sasuke estava tão cansado.

A longa tarde de movimentação rendeu boas doses de dores musculares ao Uchiha que, mesmo que nunca fosse admitir em voz alta, agradeceu a todos os deuses quando uma tempestade torrencial obrigou ele e seu time a pararem e armarem uma tenda.

Eles tinham pressa em chegar ao seu objetivo, isso era claro. Mas se exaurir ao ponto de não conseguir lutar não estava nos planos de Sasuke. Por isso, ele não reclamou, como teria feito em dias normais, quando Karin e Suigetsu pediram para parar.

Ele estava em silêncio, como era característico de seu comportamento, quando seu time armou a barraca e colocou algumas armadilhas ao redor como prevenção; ainda estava em silêncio quando eles o chamaram para dentro alegando já terem terminado todo o serviço; ainda estava em silêncio quando Suigetsu contou suas piadas ruins diárias e provocou Karin, fazendo-a berrar aos quatro ventos o quanto o odiava; ainda estava em silêncio quando todos fizeram uma rápida refeição antes de agasalharem-se; e ainda estava em silêncio quando, alguns minutos depois de todos deitarem-se em seus sacos de dormir, Karin veio com mais um de seus “jogos de conhecimento” sem sentido.

Ele exalara silenciosamente quando a voz debochada de Suigetsu ganhara volume aos seus ouvidos.

– Você quer que nós contemos nossas memórias para você? – a incredulidade estivera audível em seu tom de voz. Sasuke conseguira imaginar todas as provocações que deveriam estar passando pela mente do rapaz naquele momento.

– Não para mim. Para todos os que estão aqui. Quero conhecer melhor todos vocês, é algum pecado? – Sasuke escutara Suigetsu murmurar baixinho. Parecera algo como “conhecer melhor o Sasuke, você quer dizer”, coisa que fez moreno não conseguir reprimir um bufo. – E não são simples memórias. São suas lembranças mais felizes. – falara Karin com um ar sonhador. Sasuke já tinha desistido a muito tempo de tentar entender o que passava pela mente daquela garota.

Alguns segundos se passaram antes de Suigetsu suspirar.

– Tudo bem, tudo bem. Mas você começa – falara com tédio. Sasuke tratara de ficar bem quieto em seu agasalho, com o intuito de evitar a atenção de seus companheiros; porém seus planos foram frustrados quando uma Karin muito entusiasmada ajoelhara-se ao seu lado e cutucara seu ombro.

– Sasuke-kun, levante-se. Eu sei que você não está dormindo. – falara a ruiva com um sorrisinho. Sasuke grunhira audivelmente antes de levantar-se e sentar-se de frente para o trio. Se haviam momentos em que ele se arrependia de tê-los recrutado, era em momentos como aquele.

Muito irritado, ele observara Karin, dando algumas palminhas de empolgação, sentar-se no meio da tenda e começar a falar.

– Bem. A minha memória mais feliz é a de um beijo... Na chuva. Era uma noite como essa e os lábios dele estavam gelados por conta do frio... – ela interrompera-se enquanto corava. E Sasuke desejara poder arrancar os prórprios olhos quando notara que ela estivera olhando para ele quando disse isso.

O que será que ela estava esperando? Que Sasuke ficasse com ciúmes?

Ele riu internamente quando notara que sim.

– Espera aí! – exclamara Suigetsu, aproveitando a pausa da ruiva para alfinetá-la. – Um beijo? Quem seria louco o suficiente para beijar você? – Suigetsu ria quando disse isso, porém não estava mais rindo quando, milésimos de segundos mais tarde, Karin dera um audível tapa em seu braço. Ela fechara os olhos e cruzara os braços em sinal de irritação.

– Alguém que tem um cérebro, que é algo que você nem sabe o que é – esbravejara a ruiva, usando seu tom de voz mais esganiçado. Sasuke observara quietamente Suigetsu rolar os olhos e sentar-se novamente.

– Tudo bem, não quero mais ouvir essa ladainha. Está na cara que isso nunca aconteceu e você só está falando pra tentar deixar o Sasuke com ciúmes. – a ruiva já ia protestar quando Suigetsu continuou a falar, interrompendo-a no processo. – E não adianta negar, sei que é isso que você queria com essa porcaria de jogo. – ele soltara um suspiro – Enfim. Minhas memórias mais felizes são aquelas em que eu estou matando pessoas. Juugo? – o garoto peixe recostara-se na parede quando terminou de falar, dando a vez ao ruivo que até então estivera calado em um dos cantos da cabana. Juugo franzira as sobrancelhas antes de pigarrear levemente.

– Acho que as minhas melhores lembranças são as que eu estou sem os efeitos da maldição. Qualquer momento em que eu esteja normal já é lucro pra mim – concluíra tranquilamente. De todo esse trio, Sasuke pensara, o que mais chegava perto de ser alguém tolerável era Juugo.

O moreno não conseguia imaginar o que aconteceria com a sua sanidade se ele não estivesse presente na equipe.

Ele, então, para a sua infelicidade, foi tirado de seus devaneios sobre o grandão quando o temido momento chegara e ele vira que era a sua vez de ser encurralado pela ruiva curiosa.

Ela ainda esperava a resposta dele quando, mais uma vez, fizera a tão detestável pergunta.

– Sasuke-kun? Ainda estou esperando... – ele olhou para cima e encontrou três pares de olhos encarando-o com expectativa. Estava na cara que eles não iriam desistir de arrancar uma resposta de Sasuke; ainda mais quando eles já tinham dado as suas.

O moreno, então, soltou um grunhido de irritação enquanto fazia esforço para lembrar-se de algo. Momentos com sua família? Com seu irmão?

A felicidade já estava longe há tanto tempo que ele chegou a duvidar que alguma memória dos seus dias com ela ainda existissem. Porém, como se fosse uma faísca de luz na escuridão suprema, uma memória há muito esquecida tomou conta de sua mente.

Uma memória que ele fizera questão de deixar intocada no compartimento mais secreto de seu cérebro.

A noite estava bela, iluminada por uma lua brilhante; porém, mesmo com toda aquela beleza ao seu redor, a garota em seus braços conseguia ser ainda mais adorável.

Ele nunca havia conseguido determinar algo para comparar à beleza de Sakura, pois, para ele, sua aparência era algo único no mundo. Nunca haveria palavras para descrever o quão belo era aquele rosto a poucos centímetros do seu.

Ele se perguntava se era errado admirá-la em um momento como aquele, quando ele tinha que ir embora e ela acabara de declarar seu amor por ele; porém Sasuke decidiu que, se fosse para nunca mais vê-la, queria memorizar tudo o que fosse possível da jovem para que, quando estivesse longe, conseguisse lembrar dela com perfeição.

Então ele tratou de olhá-la.

Seu rosto parecia tão sereno ao luar! Suas sobrancelhas arqueadas; seus olhos, que mesmo fechados, pareciam puxar-lhe para perto, como se tivessem magnetismo próprio; seu nariz afilado e pequeno; seus lábios, tão rosados, tão chamativos. Ele se questionava sobre como deveria ser prová-los, senti-los junto aos seus. E concluiu que seria algo maravilhoso, algo inesquecível...

Mas algo que não era para ele.

Ele, Uchiha Sasuke, não merecia aqueles lábios;

Não merecia nada daquela garota.

Não merecia ela.

Porém, mesmo com todos os seus neurônios gritando que ele não poderia tê-la, ele não conseguia simplesmente ir embora sem ter algo a mais para lembrar-se.

Não poderia ir embora sem ter algo dela.

Então ele se pôs a pensar em alguma coisa para levar consigo enquanto ainda olhava para seu rosto e notava, não pela primeira vez, que não havia nada nele que ele não achasse perfeito; e que mesmo aquilo que ela não gostava era adorável.

Sasuke deu sorrisinho quando finalmente percebeu o que queria.

Ele já havia decidido o que fazer quando, lentamente, caminhou em direção ao banco e deitou-a delicadamente. Ainda estava com o plano na cabeça quando, levemente, muito levemente, traçou com os seus dedos os contornos delicados dos lábios dela. E ainda estava com o plano na cabeça quando enfim o pôs em prática, inclinando-se na direção dela e plantando um leve, quase não dado, beijo em sua "testa de marquise".

E aquele beijo, aquele roçar de lábios tão delicado, tão necessitado, foi a coisa mais doce que Sasuke algum dia provou.

E pela primeira vez na vida, Sasuke não achou que algo doce era algo ruim.

Quando levantou a cabeça para encarar o trio em sua frente, Sasuke já sabia o que responder.

E ele nem sequer se importou com os olhares intrigados que seus companheiros trocaram quando finalmente respondeu:

– Doce. A minha melhor lembrança é de ter provado doce.