Os Cinco Filhos da Aflição : Nerlinir nas 8 Terras escrita por Raffs


Capítulo 16
Capítulo 16


Notas iniciais do capítulo

I'M BACK


dps de uma "pequena" demora k



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Os seres das trevas atacavam de maneira completamente desordenada. Nenhum som saía de suas bocas mortas.

Era um ataque silencioso, da maneira mais literal possível.

Os vampiros vinham de todos os lados, com uma surpreendente agilidade. Sendo noite de Lua Nova, eles tinham a vantagem da visão noturna e do aguçamento dos seus poderes.

Quanto a nós?

Nós tínhamos Tayder Aj'lum.

O jovem pardo tinha habilidades magníficas com o fogo, equilibrando várias tochas de maneira acrobática, e usando as chamas para atacar os vampiros. Afinal, fogo era a única fraqueza vampírica conhecida e acessível ali.

Estávamos numa proporção de duzentos(nossos) contra cem(deles), o que normalmente seria uma clara vantagem. Mas estávamos guerreando com seres praticamente imortais. A única maneira de eliminá-los era arrancando suas cabeças ou queimando-os.

Com o Machado do Amanhecer guardado na minha tenda(onde eu não estava no momento do ataque), tive que utilizar uma espada simples de bronze, a arma mais próxima que tinha à disposição. Mas serviu. Decapitei cerca de uma dezena deles, e ajudei a incendiar outro com flechas flamejantes.

Apesar dos poderosos inimigos, estávamos pouco a pouco conseguindo parar o ataque. Não eram vampiros puro-sangue, afinal. Provavelmente tinham apenas servido como um aviso de Demite.

Após vinte minutos de uma incessante batalha, havíamos derrotado os asseclas de Primrule. Contei doze mortes para mim, e mais três em que ajudei a decapitar ou queimar vivo o adversário. Estava voltando à forma depois de anos sem duelos.

Os poucos vampiros que sobraram se dispersaram em meio às sombras, admitindo a derrota. Felizmente, Kax havia conseguido manter um de refém, como ordenado por Vahlam.

Levamos o vampiro até a tenda médica, pois, segundo Vahlam, “existem coisas na Grande Tenda que ele não pode sequer saber que existem”.

A criatura das trevas tinha aparência jovial, talvez por ser imortal. Sua pele pálida contrastava com seus cabelos negros, porém ao mesmo tempo meio avermelhados, como se estivesse sempre banhado em sangue. Seus olhos mortos eram escarlates, e seus lábios cinzentos, como os de um genuíno cadáver.

Previsivelmente, ele se recusou a falar qualquer coisa que não fosse as típicas ofensas ao inimigo(no caso, nós) e as vanglórias em relação a Demite.

O Markreej não pareceu preocupado com isso.

– Não preciso de suas palavras. Não aqui. O que preciso é que mande esta mensagem para o seu líder – e colocou um papel no bolso da calça esfarrapada do vampiro – e diga que esta é a última chance dele. Ouviu, bem, Ganaleth?

O vampiro arregalou os olhos cadavéricos, e quebrou seu pacto de silêncio.

– Como você… – sua voz era rouca e maliciosa, embora soasse amedrontada naquela frase.

Eu entendia o espanto dele. Como Vahlam poderia saber o seu nome, se ele não falara uma sílaba sequer?

Mas depois do que o príncipe me contou sobre Faeris e o olho de lobo, eu não mais tinha aquelas dúvidas.

– Não importa. Apenas faça o que eu disse, ou garanto que não vai gostar das consequências de me desobedecer.

– Nunca acatarei a ordens de um verme como você, estúpido mortal! – Ganaleth cuspiu no rosto de Vahlam.

Vahlam não mexeu um músculo.

– Eu não vou perder tempo brincando com marionetes que nem você – falou calmamente – Apenas. Faça. O que eu digo.

O olho dourado de Vahlam reluziu novamente. Ganaleth subitamente pareceu tomado por uma onda de medo, se debatendo na cadeira onde estava amarrado. Seu olho também brilhou em dourado por uma fração de segundo, mas a cor se esvaiu da sua íris num movimento espiral.

– Me tire daqui! Imploro que me liberte! Farei qualquer coisa que desejar! – o desespero em seu tom de voz era assustador.

– Kax, leve-o até a Clareira do Luar. – Auberon sorriu discretamente, e com dois movimentos, desamarrou-o e puxou o vampiro pelo colarinho – Tayder e Nerlinir, sigam-no.

Com o fim da “sessão”, as atenções agora se voltavam aos feridos no combate de algumas horas antes. Eu, felizmente, não era um deles, mas alguns dos nossos poderiam ter que serem mortos para não se tornarem criaturas sedentas por sangue.

Vahlam limpou a saliva vampírica da bochecha com a parte de trás da mão, e saiu da tenda, seguido por Elrigh, que também não pronunciou sequer uma palavra a mais. Embora continuasse com o sorrisinho sarcástico e cheio de zombaria estampado na face, quase como uma tatuagem, tão perene que era.

Com a batalha tendo ocorrido durante a madrugada, os primeiros raios de sol mal haviam despontado no horizonte, e tudo que eu desejava no momento era uma boa noite de sono (coisa que não tinha há um bom tempo, seja devido aos pesadelos, às lembranças ou a ilusionistas insanos invadindo meu mundo onírico), mas a ordem fora escoltar o vampiro até a… Clareira do Luar. Seja lá onde fosse tal lugar.

Auberon Kax já me era um rosto conhecido. Era impossível não farejar a arrogância e sadismo do sujeito quando se estava no mesmo recinto que ele, então todos ali o reconheciam de longe, ainda mais considerando seu pavio curto e tendência a se manifestar de forma acalorada, não importando a pauta das discussões.

Mas Tayder? Parecia, de fato, ser um homem (ou melhor, rapaz) de confiança de Markreej, além de ser um dos melhores lutadores da comitiva, unindo suas habilidades acrobáticas ao seu porte físico relativamente avantajado e habilidade com armas, mas porque um ex-escravo das Ilhas Mulyr seria tão útil assim a um nobre das Oito Terras, eu não fazia ideia.

– Tem alguma ideia de como funciona o sistema de seleção do Markreej para as tarefas que ele determina? – perguntou Kax – Não precisa responder. Eu sei que você também não entende. – ele gargalhou com voz grave e rouca, o que soou como um gahahaha dito por um papagaio-ilhéu. O mercenário parecia estar de bom humor, por enquanto.

Não obteve resposta, nem minha, nem de Aj’lum, nem do vampiro, este último talvez por estar amordaçado.

Sua expressão se fechou, então, e dessa maneira prosseguimos até o limite do acampamento em silêncio.

Era estranho atravessar toda aquela extensão sem ouvir praticamente nenhum ruído que não fosse o som dos animais e o mar à distância. Com o sol preguiçoso só então começando a iluminar o dia, a maioria dos civis e escravos ainda dormia em suas pequenas tendas, ou cobertos pelas copas da árvores, ao redor de algumas poucas fogueiras, cujas chamas já rareavam.

Conversaram sobre a ordem de Vahlam com o sentinela Leste do acampamento, com quem conseguiram dois cantis de água e um sinalizador, caso houvessem problemas floresta adentro.

Hm. – fiz menção de dar início a uma frase – Onde fica essa Clareira mesmo?

– Você tem algum ponto de referência dentro dessa floresta?

– Na verdade, não. – assenti.

– Então não adianta tentar explicar. A Clareira fica na Clareira. Você vai saber quando chegar lá, ruivo.

Não tive tempo para me sentir ofendido com o apelido súbito, pois antes Tayder retrucou Auberon.

– Lorde Markreej não aprecia as nomeações que anda concedendo aos outros soldados, Auberon. – era apenas a segunda ou terceira vez que eu o ouvia falar, e ninguém havia sido tão formal em todo o tempo que eu estivera ali.

– Acontece que seu maravilhoso Lorde não está aqui. Talvez ele tenha olhos para tudo, mas não ouvidos. – Kax engoliu em seco ao final da frase, quase como se estivesse torcendo para que Vahlam não estivesse mesmo o ouvindo.

– Mas somos dois testemunhando contra você, caso essa discussão chegue a Vahlam. – repliquei, tentando acalmar os nervos ali – Então mantenha-se na linha, Kax. Não tenho nada contra você, não ainda, mas não vejo problema em começar a ter.

Auberon pareceu profundamente ofendido, a julgar pela sua expressão se contorcendo e seus dentes trincando.

– Certo. Você é quem manda. Afinal, está tendo todo o trabalho aqui, não é mesmo, chefia? – em tom irônico, ele levantou o braço com o qual segurava Ganaleth, amordaçado.

– As ordens de Vahlam foram para você levá-lo.

– Mas é claro. Não vou desacatar as ordens de meu mestre, não é? Ele me paga bem, afinal. Enquanto isso, vocês dois me escoltam, à distância, prontos para qualquer perigo, estou certo? Afinal, um vampiro amordaçado em plena luz do dia com toda a certeza oferece muitos perigos.

O sujeito já estava dando nos nervos.

– Pois então, que revezemos. – nem mesmo eu acreditei no que disse, mas já era tarde. A proposta estava feita.

Olhei para Tayder de relance.

Ele assentiu com um movimento de cabeça.

– Que assim seja.

– Que assim seja. – disse também Auberon – Seu turno – disse, jogando o vampiro cambaleante em minha direção. – Temos ainda cerca de uma hora e meia até a Clareira.

E assim seguimos, alternando a guarda do vampiro a cada cerca de quarenta minutos, por mais meia hora além da estimativa de Auberon, em meio à mata densa e quente.

De repente, Tayder, que seguia à frente com Ganaleth, parou, estendendo o braço, nos indicando para também parar.

– É aqui.

Não precisei questioná-lo, pois o significado da sua frase era bem óbvio, considerando que à nossa frente, por entre as plantas, era possível ver uma clareira rodeada pelas árvores de galhos frondosos e copa alta.

– Então o deixamos aqui e voltamos, simplesmente isso?

– É o que parece.

– Afinal, o que há de especial nessa Clareira, e por que devemos libertá-lo aqui? – perguntei. Perguntas e mais perguntas. Estava me habituando a fazer ao menos três delas por hora. As dúvidas me atormentavam naquele lugar desconhecido.

– A Clareira do Luar é o limiar entre o lar dos vampiros e as terras do Reino Markreej. Vê as árvores ali, do outro lado? – Aj’lum apontou, como dissera, para o outro lado da clareira. Ali as árvores eram retorcidas e por trás delas nada se via, a não ser o mais puro breu, mesmo em plena luz do dia. – Entre ali, e das duas uma: ou você não volta, ou volta como um inimigo.

Apesar da frase emblemática do jovem soldado, aquilo não muito me amedrontava. Já enfrentei coisas piores que a escuridão. Ou vampiros.

– Não estão esquecendo do mais importante? – questionou Kax, impaciente.

– Se está mesmo tão apressado, leve-o lá por si mesmo. É o seu trabalho, de toda maneira. – Tayder ofereceu o vampiro, agora mais desperto (talvez por pressentir a proximidade do seu lar), ao mercenário.

Kax o agarrou pelo braço de bom grado, quase quebrando alguns ossos do ser imortal, cujo rosto se contorceu numa expressão de dor, mas suas lamúrias foram tornadas em simples resmungos ininteligíveis pela mordaça. Talvez durante a noite ele conseguisse lutar conosco frente à frente, mas durante o período em que o sol imperava nos céus, seu poder era drasticamente diminuído.

A passos largos, empurrou-o até o centro da clareira.

Lá, desatou suas mãos, mas não retirou sua mordaça.

– Eu sei bem que tipos de maldições você pode proferir ou que criaturas pode invocar se abrir essa boca. Então, pelo menos até que chegue ao seu líder, a manterá fechada. Agora vá. – disse, apontando uma adaga vermelha na região do abdômen do vampiro. – Você não vai querer ser perfurado por ferro ígnio.

Só para garantir, eu me aproximei um pouco mais, adentrando a clareira, com o Machado em punho, enquanto Tayder possuía uma cimitarra de lâmina negra em mãos. Nós dois apontávamos as armas para Ganaleth.

O vampiro não ofereceu resistência, embora ainda parecesse aborrecido com a tarefa infame que lhe fora incumbida, e rapidamente se misturou em meio às trevas do outro lado da Clareira do Luar.

Eram seres covardes, apesar de toda a arrogância.

Sem discussão, nos viramos então, prontos para seguir o caminho de volta.

Andamos cerca de cinquenta metros, e percebi estar com bastante sede, então parei rapidamente para tomar um gole(o último) do cantil que carregava comigo.

Durante a breve parada, ouvi as sombrias árvores metros atrás se moverem com violência, como que empurradas por algo grande, muito grande, e em seguida um sibilar tão alto e agudo que meus tímpanos vibraram, e o desconforto me fez derrubar o cantil.

Não tive muito tempo para olhar para trás, mas, tendo em vista os rostos quase petrificados de pavor de Tayder e até mesmo Auberon, pude imaginar que não se tratava de coisa muito agradável. Simplesmente acatei ao pedido de Tayder, assim que o mesmo saiu do transe.

– Corram.

Disparei em direção à mata, mesmo sabendo que ali era o pior lugar possível para fugir de uma anaconda.

Não pensei muito, apenas corri. Me arrisquei a olhar para trás por um instante, ainda correndo, e o simples vislumbre da serpente me assombrou. Não sabia seu comprimento, mas a boca da criatura devia ter cerca de três metros de envergadura.

Continuei em fuga, torcendo para que os outros dois também o estivessem fazendo, pois eu não estava nem um pouco disposto a parar(embora meus pulmões discordassem) para ajudar alguém.

Felizmente, ou não, pude ouvir a voz de Auberon, entrecortada pelo som do vento e os ruídos produzidos pela anaconda, metros atrás.

– O quê? Minha adaga? Para quê? – ele parecia já estar previamente em um diálogo com Tayder.

– Apenas me entregue! Se tudo der certo, você vai tê-la intacta!

– E se der errado?! – gritou. Por alguns segundos, o contato visual entre os dois foi cortado por uma espessa parede de troncos de árvores.

Tayder gritou mais alguma coisa em idioma desconhecido, mas que deve ter sido convincente, pois Auberon, com certo esforço para não tropeçar, jogou a adaga na mão do ilhéu.

Corri um pouco mais para perto de Kax, e arfando, perguntei:

– Para que ele precisa da adaga?!

– O estômago da serpente tem material inflamável – respondeu ele, também ofegante. – No seu lugar, eu correria um pouco mais rápido, por que, com o escravo acertando ou não, não será algo muito bonito de se ver! – e disparou na minha frente, sumindo por entre as árvores.

Enquanto isso, Aj’lum parecia tentar… acender fogo numa tora, provavelmente caída de algum galho velho, usando a adaga de ferro ígnio. Não parecia surtir efeito.

Então, entendi o que ele pretendia fazer.

Tomei fôlego e gritei o mais alto que consegui:

NÃO VAI FUNCIONAR! O FERRO ÍGNIO SÓ FUNCIONA EM MATERIAL VIVO!

Ele me olhou de relance, e pareceu ter entendido a mensagem, pois em seguida, ainda correndo, desferiu um golpe numa folha de uma planta mais baixa, que imediatamente se incendiou. Arrancou a folha, engenhosamente amarrando-a à tora que ainda carregava consigo, na extremidade.

A astúcia e capacidade de raciocínio de Tayder impressionavam. Sozinho, eu não conseguiria pensar em algo tão engenhoso.

– Continue correndo! – exclamou – Mesmo se me perder de vista, continue correndo!

Em seguida, ele parou, fincando os pés no chão lamacento. Aquela área provavelmente era próxima a um pântano, e o odor fétido dos lagos povoados por seres asquerosos já podia ser sentido.

Não hesitei. Questionar sua decisão só atrapalharia o plano.

Continuei em disparada, embora agora em ritmo mais lento, apenas por precaução.

Considerando que a anaconda regularmente abria a boca, buscando dar o bote, Tayder esperou um momento oportuno.

Era arriscado. Para acertar, era preciso certa proximidade da criatura. Uma proximidade perigosa.

Mesmo assim, Aj’lum permaneceu firme, esticando o braço para trás, e usou sua habilidade para girar a tora velozmente, inflamando-a quase por completo em segundos. Até hoje não sei como aquele jovem não queimava a mão ao fazer tal manobra.

Finalmente, com a cobra a cerca de quinze metros de distância, e boca bem aberta, deixando à mostra as presas afiadas e pingando veneno, Tayder usou todo o impulso que tinha para lançar o pedaço de madeira flamejante serpente adentro.

A anaconda, até então tão cheia de si e pronta para atacar as presas, quase que imediatamente reagiu de maneira inesperada ao corpo estranho que acabara de engolir.

A velocidade de seu rastejar, diminuiu aos poucos, e seus olhos amarelos se arregalaram, logo após ficando vidrados. Começou a pôr a língua bifurcada para fora, como que querendo regurgitar algo. E eu não queria saber o que era tal algo.

– Tayder! – ele se virou para mim, vários metros à sua frente – Vamos! – gesticulei com a mão para que viesse em minha direção, e quando ele o fez, voltei a correr.

De repente, ainda correndo, senti um calor poderoso tocar cada centímetro do meu corpo, vindo de trás. Olhei de relance para a cena. A cobra parecia estar… vomitando fogo, o que deu destaque à silhueta de Tayder, que vinha em fuga logo adiante.

– Ótimo – resmunguei – Criamos um dragão.

Tayder respondeu algo, mas não pude ouvir, pois em seguida escorreguei no que devia ser um musgo rente à base de uma árvore. Caí e bati a cabeça numa pedra.

Fiquei atordoado, porém suficientemente consciente para saber que o próximo movimento a se fazer era levantar e correr do fogo que se aproximava, alastrando-se por toda aquela região da floresta.

Mesmo assim, não consegui manter os olhos abertos. Continuei ali, deitado, sentindo umidade na nuca. Provavelmente sangue.

No que pareceu durar longos minutos, mas provavelmente se tratou de apenas alguns segundos, tive um vislumbre rápido de uma mão, de cor parda, estendida em minha direção.

Com as poucas forças que me restavam após tamanha corrida, devolvi o gesto, apoiando-me na tal mão com firmeza.

O sol se punha no acampamento.

Vahlam estava sentado ao meu lado. Ao lado de uma cama improvisada, na tenda médica.

– Parece que vocês passaram por maus bocados.

Só parece. – respondi secamente. Colocação desnecessária, a do Markreej.

Vahlam pôs-se de lado, parecendo trabalhar em algum raciocínio.

Lá vem mais um discurso rebuscado, pensei.

Surpreendentemente, ele disse apenas algumas poucas palavras.

– Você conhece o jovem que o salvou, Nerlinir?

– Conheço. Tayder Aj’lum, das Ilhas Mulyr.

Não compreendi a necessidade daquela questão.

– Certo. Mas você o conhece realmente?

– Se isso é uma daquelas perguntas enigmáticas de significado profundo… não, Vahlam. Não o conheço. – desde que o Príncipe me revelara os segredos dos Markreej, não mais temia chamá-lo pelo primeiro nome, diferentemente de todo o resto da comitiva, que sempre se referia a ele por títulos de nobreza, ou no máximo seu sobrenome.

Ele suspirou.

– Os Aj’lum eram uma família de relativa nobreza em Mulyr. Para o azar dos piratas, eram donos do principal porto do arquipélago. Para o azar dos Aj’lum, os piratas se tornaram fortes demais para serem controlados.

– O que quer dizer? – senti que a resposta era óbvia, mas estava com o raciocínio lento demais. Acabara de despertar, horas após ter chegado ao acampamento me apoiando em Tayder, e desabado em seguida. Observei que havia recebido diversos curativos, inclusive um na cabeça, e sido hidratado, enquanto dormia.

– O porto foi tomado, e transformado num antro de piratas. Semelhante àquela ilha de onde você veio… qual o nome mesmo?

– Elnet.

– Exato. Quando a situação fugiu do controle, os pais do garoto foram assassinados, e ele, transformado em refém. Digo, em marujo. Com suas habilidades acrobáticas singulares, foi adotado pelos piratas como uma espécie de bobo-da-corte, um artista circense particular. Até que os piratas deram azar de chegar na Sexta Terra. Faz uns bons meses que minha comitiva, na época nem tão grande como é hoje, os derrotou. De alguma maneira, que nem mesmo eu consigo descobrir, Tayder sabe falar o Idioma Comum, e se ofereceu em meu serviço, como forma de expressar a gratidão por tê-lo libertado, e aos outros do seu povo que eram escravizados pelos piratas, e hoje me seguem.

– Ele agradeceu pela liberdade… passando a servir? – passei a mão por trás da cabeça. Estava sangrando de novo, a julgar pela umidade no curativo.

– Irônico, eu sei. Mas Aj’lum é o exemplo perfeito do modelo de soldado que preciso. Confio mais nele do que em muitos soldados de longa data. O meu maior erro foi confiar em quem não devia. Mas também foi meu maior acerto. Prove-se um novo acerto meu, Nerlinir, e você terá todo o meu apoio para chegar onde deseja.

– E por que me diz isso agora, quando estou hospitalizado?

– Foi o melhor, digo, o único momento em que coincidimos de estarmos ambos sozinhos. E porque, Nerlinir, a partir de hoje, quero que você seja uma testemunha do renascer da minha dinastia.

Oh-oh.

– Como… assim… ? – Markreej continuava a cultivar o maldito hábito de falar em enigmas.

Ele sorriu para mim, seu olho negro brilhando.

– Quero que se torne o vice-comandante da Armada, Nerlinir.

A proposta era tentadora e surpreendente, mas, embora ainda com pensamento um pouco disperso, tive firmeza no que disse.

– Desculpe, Vahlam, mas… não.


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