Os Dezessete escrita por Supremacia Verde


Capítulo 7
Capítulo VII - Diana Vam Dame


Notas iniciais do capítulo

Capítulo escrito por Emily de Farias, revisado por Gabriel Dacoregio de Souza e Simone Hoffmann.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/521451/chapter/7

Aqui estamos nós então. Eu, Darlene e minha mãe, que eu ainda não sei o nome, juntas na sala de jantar. A comida ainda não havia sido servida quando cheguei. As duas me encaravam, sentadas cada uma em extremidades opostas de uma mesa retangular de madeira.

Tudo bem, antes de contar a confusão que se seguiu, preciso que fiquem sabendo as principais circunstâncias daquela situação toda e a desordem que estava minha vida. Boa sorte para vocês.

Desolação resumia muito bem meus últimos dias. Desde recém-nascida eu morava com Raphael Gennevers Vam Dame em um casebre de três cômodos na zona mais inabitada do glorioso, ilustre e magnífico e etc etc feudo Forster; ele era o muito-amado nobre e recém-pobretão meu pai e jamais gostou de conversar sobre minha mãe. Meu pai nunca foi um exemplo de caráter a se seguir, mas era tudo que eu tinha desde sempre. E ele morreu.

Engraçado, não é? Prefiro ver a situação toda desta forma do que pensar no fato de que tudo que tenho para me sustentar pelo resto da minha vida é um par de braceletes, moldados em bronze, com uma gema cor de sangue incrustada. Ganhei-os da minha mãe, sendo o único motivo pelo qual meu pai não os perdeu nas dívidas. Eu os usava sempre.

Minha mãe abandonou o há pouco tempo falecido Senhor Vam Dame e a mim quando já estava forte o suficiente para sair correndo de nossa antiga mansão. Pai perdeu a casa para as dívidas poucos dias depois. Eles eram casados há anos, e logo que nasci ela sumiu. Por sorte minha e azar dele, Raphael não me abandonou na floresta quando eu ainda era bebê.

Raphael estava morto e isto era um fato terrível e irrevogável. Eu tivera dificuldade de imaginar como minha vida seria até quando recebi uma carta, quatro dias depois da morte dele. Fiquei surpresa por ver que não seria outra dívida de apostas da taberna que meu pai frequentava, o papel usado era caro demais e estava selado a vela sem marca de brasão.

A carta era da minha avó materna.

Lembro de ter passado por um desarranjo de emoções, que variavam de raiva – por ela nunca ter dado sinal de existência – até felicidade – eu não estaria sozinha afinal. A carta dizia que eu deveria fazer minhas malas e esperar, como a boa moça que era, mais duas semanas na casa de minha vizinha, uma viúva de 92 anos, até que ela chegasse com serviçais que me levariam até a casa da minha família materna.

Foi muito doloroso para mim, pensar em como tudo na minha vida ia mudar. Morar em um lugar que eu não conhecia com pessoas que eu não sabia se iria gostar, isso sem falar do luto por meu pai. Eram grandes as chances de que eu nunca mais visse os poucos amigos que fizera na Escola de Guerra. Eu nunca me sentiria pronta para ter que passar não sei quanto tempo tendo o traseiro surrado por uma sela de cavalo rumo a não sei onde.

Dando um salto no tempo, ignorando o tédio sem tamanho que passei enquanto esperava por minha avó e seus criados, vou partir direto para a viagem.

Minha avó parecia um fantasma, tirando o fato dela ter os cabelos acobreados como os meus. Ela cheirava a lavanda, trajava apenas branco, tinha a pele infinitamente enrugada e me odiava. Ela deixou bem claro seu desgosto por minha pessoa tanto na carta quanto pessoalmente, por falar sem rodeios que eu deveria esperar por ela na casa da vizinha e também por ignorar a chuva de perguntas que fiz a ela quando nos encontramos pela primeira vez. Ela atendia pelo nome de Darlene Gennevers Alguma-coisa-que-eu-não-sei. Depois de inafetuosamente se apresentar, não cogitei mais tentar conversar com ela na viagem, perguntar como seria minha vida dali em diante ou algo assim. Ela também não fizera muita questão de me informar qualquer coisa.

Muito bem, já ouviu a expressão “molhada até os ossos”? Eu tinha ficado assim. Foram quatro dias de viagem a cavalo com revezamento de chuva incansável e garoa irritante, sem um momento de trégua. Além da chuva, a viagem pôde ser resumida em: minha bunda doía. Eu até poderia dizer que sabia cavalgar bem, porém saber isso não foi de muita utilidade graças à “trilha para cavalos” que era a estrada. Seguimos para o norte, e as colinas gramadas foram substituídas por pinheiros gigantescos, com galhos e mais galhos, que formavam um muro verde em ambos os lados da estrada.

Em algum momento eu desisti de manter expectativa sobre quando chegaríamos. Estava anoitecendo quando, sem o menor sinal, entramos em uma grande campina. Naquele exato momento parou de chover. No centro da campina havia um cedro gigantesco e, em vez de verdes, suas folhas eram de um azul petróleo. Um caminho de pedras brancas de rio cercava a árvore formando um círculo branco perfeito, com uma ramificação que guiava até a entrada da casa. A casa era um mini-castelo, com direito até a uma torre.

No exato momento em que entramos na trilha de pedras brancas que cercavam o cedro, os pelos de minha nuca se arrepiaram. Uma mistura de felicidade e adrenalina me atingiu. Vi uma mulher alta e esguia parada perto do cedro, e ela acenou. Assim que a alcançamos, vi como de perto ela era uma copia sem rugas de minha avó, até as roupas brancas.

Seguimos para a entrada daquele mini-castelo. Assim mesmo, sem boas-vindas, sem apresentações, sem sentimentalismo.

Eu não aguentava mais estar molhada. A meu ver, Darlene também, pois mal tínhamos atravessado a soleira da porta e ela gritou por criadas, mandando duas delas me levarem até meus aposentos. Nenhuma luz habitava o lugar, exceto a que irradiava do castiçal que uma das criadas carregava, dificultando que eu visse qualquer característica da parte interna da casa. Enquanto tentava identificar quaisquer objetos ou móveis, a criada com o castiçal e uma outra me guiaram, subindo por uma escada em espiral de madeira cor de caramelo para um quarto simples, com uma cama e uma penteadeira de mogno. Quando eu já estava seca e aquecida, as criadas insistiram que eu deveria ir até a sala de jantar.

Aqui estamos nós de novo então. Eu, Darlene e minha mãe, que eu ainda não sei o nome, juntas na sala de jantar. A comida ainda não havia sido servida quando cheguei. As duas me encaravam, sentadas cada uma em extremidades opostas de uma mesa retangular de madeira.

– EU SABIA! VOCÊ NUNCA DEVERIA TER FEITO COISA ALGUMA! – ela vociferou, apontando um dedo magro para Darlene, sentada na outra ponta da mesa.

Os berros dela ecoavam pela casa. Não sei por que, mas eu comecei a achar graça daquela situação. Mamãe era louca.

– É direito dela e obrigação sua. – respondeu Darlene secamente, sem elevar o tom de voz.

Eu tinha a sensação que elas discutiam sobre mim, mas eu estava ocupada em demasia achando graça para pensar muito no assunto. Eu tivera que abandonar tudo que tivera, todas minhas certezas morreram com Raphael para simplesmente ser trazida para morar nesse outro fim de mundo. Tudo que me restava era achar graça.

– É direito meu de continuar segura! Continuar viva! - minha mãe ainda gritava a plenos pulmões.

– O erro foi seu, Luciana. – rebateu Darlene, sem desviar os olhos de mim. Acho que vovó também era louca.

Luciana deu de ombros e começou a resmungar palavras que não consegui entender.

– Você não tem o direito de falar assim. – disse Luciana, elevando o volume da voz. – Eu salvei a vida dela uma vez para não ter que vê-la nunca mais, enquanto a senhora sonha que Diana pode morar aqui. A senhora não faz idéia do que vai acontecer, mãe.

– Nem você, Luciana, nem você! – respondeu Darlene, finalmente perdendo a compostura. – Basta disso.

– Mas essa criatura – Luciana agora apontava para mim. – Não sabe coisa alguma sobre ninguém, nem sobre o maldito pai dela!

– Como pode falar de meu pai assim? – explodi finalmente, estava cansada de ambas falando de coisas que eu não entendia. – Ele foi o único que fez qualquer coisa por mim, diferente de você que fugiu, abandonando seu próprio marido e a mim. – eu já estava com vontade de esmurrar Luciana. Ela engoliu em seco.

Pois bem, tudo que aconteceu em seguida foi mais rápido do que eu julgaria possível.

Começou a chover, mas não parecia uma chuva. Parecia que um gigante estava derrubando um balde de água, também gigante, na casa toda. Já era noite e o breu dominava. Trovoadas começaram a roncar lá fora. Vi relâmpagos rasgando o céu, iluminando o interior da casa através da janela. Um raio caiu na campina. Então me aproximei correndo para a janela e vi o carvalho. Lembra dele? Aquele gigante e azul? Bem, ele estava em chamas. Um raio caiu nele, era incrível que ainda estivesse de pé.

Olhei para a sala. Luciana olhava atônita por uma das outras janelas. Darlene descia as escadas a esmo carregando uma bolsa de mão.

– O que a senhora está a fazer? – minha mãe não mais olhava a tempestade, indagou encarando a velha com uma descrença absurda.

– Você sabe muito bem o quê. O carvalho está destruído e é bom você vir junto antes que tudo aqui vá pelos ares. – respondeu Darlene.

– Você está pensando que eu vou deixar esta casa? – retrucou Luciana. – É o único lugar realmente seguro para...

– Já ordenei ao cavalariço para trazer nossas montarias mais bem descansadas para estrada, – interrompeu minha avó. – temos sair deste lugar o mais rápido possível.

– Pode alguém me dizer que tumulto é isso tudo? – a irritação fez com que minha voz saísse estrangulada. O mundo estava acabando lá fora e eu precisava de algumas gotas de lógica, uma vez que elas realmente pareciam cogitar cavalgar naquela tempestade sem motivo nenhum.

Ambas ficaram caladas. Então Darlene correu em minha direção, me pegou pelo pulso e me arrastou para a porta. Luciana não moveu nenhum músculo enquanto nos observava sair.

O cavalariço tentava controlar três cavalos assustados em frente ao caminho pelo qual havíamos chegado na clareira mais cedo. Era daquela forma que iríamos fugir seja lá para onde e por um motivo que eu desconhecia.

– Mas por que tudo isso? E a Luciana? – perguntei enquanto Darlene ainda me puxava, agora correndo na chuva em direção aos cavalos.

– Ela vai ficar bem, ao menos rogo por isso.

– Vai ficar bem? Que raios está acontecendo?

– Agora não é hora. - respondeu ofegante, posto que ainda corríamos o mais rápido que podíamos pela campina da casa.

Continuava a chover e eu estava totalmente ensopada outra vez. Já havíamos percorrido metade do caminho quando um estrondo ecoou no ar, fazendo o chão sob meus pés tremer. Por menos de um segundo a campina ficou iluminada como se fosse dia.

Ao me virar notei que um raio caíra na casa, a transformando em um monte inescrupulosamente grande de entulho. Darlene ainda olhava para casa que pegava fogo. Seus olhos enrugados estavam marejados, e já que estávamos ambas naquela chuva eu não saberia dizer se ela estava chorando. Algo em sua expressão me disse que sim. Luciana ainda devia estar lá dentro.

– Suba no cavalo. – a voz de Darlene estava embargada pelo choro.

– Como queira. – respondi. É obvio que ela não ouviu, minha avó corria para a casa em chamas. Eu, que não enxergava praticamente nada graças à luminosidade repentina, montei no cavalo. Galopei apressadamente para qualquer direção, embrenhando-me na floresta, enquanto a casa onde minha mãe devia estar ainda pegava fogo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Os Dezessete" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.