Os Dezessete escrita por Supremacia Verde


Capítulo 13
Capítulo XIII - Paul Forster


Notas iniciais do capítulo

Capítulo escrito por Leonel Goulart, com breve participação de Emily de Farias.
Revisado por Emily de Farias.



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– Mostre sua face, não pretendo negociar com um anônimo! – bradou Terry. Arrumei o chapéu que cobria meu rosto. Eu tinha nojo daquele homem, e me segurava para não atacá-lo e levar sua cabeça para casa como troféu. – Você vai render sua vila ao feudo ou teremos de tomá-la?

– Peço que aceite minhas sinceras desculpas, senhor, mas sou apenas um diplomata, não pretendo construir um acordo algum nesta “reunião”, preciso conversar com o líder da vila. – falei. Eu juraria que o homem estava rosnando, mas não podia rir dos hábitos grosseiros do senhor feudal, já que eu me encontrava de joelhos sobre o tapete vermelho que levava da cadeira da sala de reuniões até a entrada. Eram cinco os metros que nos separavam do senhor feudal de barba densa e negra, e outros dez me separavam dos soldados.

– Não tenho mais tempo. Ou você se rende e eu levo dez guerreiros para lhe tomar a vila ou vire-se e vá embora, ciente que receberá ataque de meus homens. – Eu sabia que o homem me encarava com seus olhos castanho escuros, mesmo que não pudesse ver, o olhar dele pesava sobre meus ombros. Aquele era um desafio covarde e injusto.

– Muito obrigado, foi um prazer conversar com Vossa Senhoria. Como mensageiro, tenho certeza de que meu líder ficará contente com o andamento da reunião.

Logo eu estava andando do lado de fora da casa principal. Olhei as planícies, casas e plantações. Tudo parecia diferente de quando eu deixara este lugar correndo em desespero. Desci as escadas de pedra, que davam acesso da casa do senhor feudal, centralizada no feudo de Forster.

Caminhei pelas ruas principais, reconhecendo uma dúzia de pessoas da escola de guerra, nenhuma delas parecia feliz, nenhum dos moradores que vi exibia sequer um sorriso, apesar de todos estarem no princípio de seu dia.

Cheguei ao estábulo senhorial e fui até os fundos. Ele ficava segundos a esquerda da porta da casa de Terry, mas eu não estava autorizado a entrar ali, por isso decidi entrar furtivamente, não sem antes me despir de minha capa branca, que revelou um conjunto de roupas negras e confortáveis. Manti minha espada na bainha. Uma portinhola por trás do estábulo me deu acesso à baia dos três cavalos principais. Um cavalo negro e de idade avançada, sua força desperdiçada em uma aposentadoria precoce, ele era fiel ao meu pai e nunca se permitira ser subjugado pelo novo dono do feudo. Outro dos dois restantes tinha pelos da mesma cor, era forte e saudável, mas estava preso junto com o primeiro. O terceiro era branco e esguio, como um cavalo resistente e veloz deve ser, mas eu e todos aqueles que conheciam os cavalos sabiam que ele não chegaria nem na metade do poder dos outros dois.

– Eu o mantive forte e saudável para o senhor, mas eles serão sacrificados em breve. – uma voz com o peso de décadas de idade ecoou atrás de mim. Virei-me e vi um vulto cinza encapuzado, que revelou seu rosto em seguida, o antigo mestre de guerra. – Sabe como é ser fiel a uma família sendo servo de quem tentou matá-la, Sr. Forster?

– Mestre...! – me agachei em um joelho e um pé, em reverência a quem me ensinara a lutar e a viver. – Sim, eu imagino, é por isto que era e és o homem com maior confiança por parte de minha família.

– Veja só, um rei não se ajoelha a ninguém. – ele me ergueu segurando meus ombros, me olhando com um ar de sábio de conto de fadas. Eu já o alcançava de altura, me fazendo lembrar de como era mais baixo antes.

– Não sou rei, sequer tenho terras. Estou vivendo em uma vila próxima daqui, nas fronteiras do feudo, uma vez que minha mãe trabalhou até sua morte para o Líder de lá e em seus últimos suspiros contou a ele nossa verdadeira história. Por algum motivo, o Líder também mantém inimizade com Terry. – sorri tristemente e vi meu antigo mentor fazer o mesmo. – Qual sua função aqui, agora?

– Sou conselheiro do chefe de guerra. – ele sorriu. – Só sei que Terry não está tão bem quanto ouvem falar. Duvido que, se sua vila for bem organizada, perderá para estes trastes que aquele maldito treina.

– Claro que somos organizados, mas precisamos de uma boa estratégia para vencê-los caso nos ataquem. Só consigo pensar em uma pessoa para a função. – tirei minha espada da bainha e cortei com ela as cordas que amarravam os dois cavalos negros. O velho homem estava prestes a me contrariar, mas calou-se quando ergui a mão. – Não vou embora sem Shadow e a única chance que tenho de achar uma saída sem errar caminho algum é você, então não me faça desfeitas.

O homem se calou e subiu no cavalo. O animal parecia velho, mas quando suas cordas aliviaram, ele tomou postura. A pele ficou novamente firme e pude ver que ele não estava tão fraco assim.

Montei em Shadow, haviam passado anos desde a ultima vez. O cavalo relinchou de felicidade, só então me reconhecendo. Ele era um potro e eu uma criança, agora éramos guerreiros. Porém o relincho não foi de nenhuma ajuda. Impeli o cavalo para frente, passando pela passagem aos fundos do estábulo, meu mentor seguiu-me de perto, e quase um minuto depois surgiram guardas berrando e buscando suas montarias. Daqueles ali já estávamos livres.

Estávamos cruzando o centro do feudo quando quatro cavaleiros nos fecharam. Dois de cada um de nossos lados. Avancei o mais rápido que pude, com os soldados em nosso encalço. Desviei de um golpe de espada no meu flanco esquerdo, fechei o punho entorno do pulso daquele homem e puxei, fazendo um homem de Terry cair no chão e seu cavalo parar em meio à perseguição. O outro homem não hesitou em me atacar pela direita, mas minha espada se chocou cinco vezes contra a dele, impedindo seu avanço. Na sexta, quando ele avançou contra minha lamina, eu a tirei da frente num arco amplo. A arma do homem atravessou o ar sem sequer me tocar, abrindo toda a sua guarda. O homem bateu as costas no chão quando o cabo de minha espada atingiu seu elmo, o fazendo perder o equilíbrio e estatelar-se no chão.

Olhei para trás, temeroso pelo fiel homem que me seguia, mas ele já estava livre de oponentes antes que eu finalizasse o primeiro. Quando o antigo cavalo de meu pai pegou o ritmo novamente, deixei que passasse pela minha direita, meu mentor o guiaria para fora do feudo e eu os seguiria.

E assim foi, estávamos do lado de fora por uma passagem a metros do portão central, com um grupo de guardas cavalgando desesperadamente em nossa perseguição.

– Vamos, prossiga, eu os detenho. – disse meu mentor, com a voz vibrando na perspectiva de uma boa luta.

– Ora, deixe de tolice e corra pra o Leste, agora! – gritei, levemente irritado. – Perdi mãe e pai por causa de Terry, não deixarei que você se vá também!

As coisas nunca saem como planejamos. E por mais belas e verdadeiras que as palavras tenham sido, a cavalgada de Dark, cavalo guiado pelo homem, desacelerou. Em pouco tempo 10 guerreiros estavam a menos de dez metros de nós, se aproximando cada vez mais. Não tive outra opção se não ver o homem que eu mais admirava em uma luta se virar e correr para a morte para me salvar. Shadow acelerou o passo medonhamente. Aqueles homens, responsáveis pelo cadáver de um cavalo e seu falecido e muito sábio cavaleiro, nunca me alcançariam e nunca veriam as lágrimas que meu rosto sentia correr por ele.

* * *

– Claro. – disse o líder da vila, assentindo e exibindo um sorriso maldoso ao fim do relatório. – Terry não perde por esperar.

– O que quer dizer com isto, senhor? Ele tem um feudo inteiro pronto para lhe atacar. – talvez eu tenha parecido racional demais, se isso aconteceu, eu acertei no tom de voz.

– Oh, nobre Forster. Você crê mesmo ser o único que cansou da tirania de Terry? – Ele se levanta, olhando para mim e caminhando em minha direção. Ele era cinco anos mais velho que eu e alguns centímetros mais baixo. Seus olhos eram claros e seu cabelo loiro. Ele não tinha barba nem outro tipo de pelo facial. Seus olhos verdes brilhavam buscando fazer contato com os meus. – Todos desta vila são pessoa que fugiram de lá. Os fazendeiros daqui são aqueles que nunca se deixaram enganar pelo que disseram ser “A Morte do Herói Forster”. Os guerreiros são os fiéis a seu pai. Eu era um dos seus colegas na escola de guerra e agora estamos todos nós aqui para tomar de volta o seu feudo, arrancado de sua família pela ganancia de um homem medroso. Eu não tenho medo de perder esta batalha, pois sei que ganharei e morrer seria só parte do sucesso. Não temos nada a perder.

– Ainda assim é perda de tempo! – gritei. – Não devemos atacar tão cedo. Vamos esperar que ele se irrite e venha até nós de pouco em pouco como pretende. Quando ele se cansar de perder soldados sem nenhum resultado, não vai mobilizar um exército e sim desistir, deixar de lado. E neste hora que nós vamos acabar vamos acabar com ele!

* * *

– O de sempre, por favor. – falei, o capuz sobre minha cabeça impedia o balconista da taverna de ver meu rosto, mas meus dedos tamborilaram na mesa em um ritmo que o fez me reconhecer e sorrir.

– Alguma novidade desta vez? – perguntou ele, enchendo um copinho de vidro com aguardente. – Alguma novidade boa, desta vez? – enfatizou ele.

– Quem sabe… – falei, bebendo o líquido e sentindo o gosto horrível incendiar minha garganta. – Acredito que ele nos atacará em breve. Neste momento estaremos preparando tudo para contra-atacar. Guarde minhas palavras. Em breve ou esta vila ou o feudo será submetido ao poder do vencedor. Eu apostaria na família Forster, se fosse você.

O homem se calou com um sorriso e foi para outro lado da mesa enquanto um vulto encapuzado se aproximou de mim, sentando nervosamente na banqueta ao meu lado.

Uma mão pálida e delicada estendeu para mim um pedaço de pergaminho úmido. Aquela mão me era tremendamente familiar. Senti cheiro de grama, chuva e lodo: o cheiro de dias e dias de cavalgada. Por impulso estendi a mão e peguei o pergaminho, e por um impulso ainda maior meus olhos percorreram a caligrafia delicada escrita ali, com tinta borrada das chuvas dos últimos dias.

“E meu peito todo se preencheu de um sentimento das coisas que faltavam.
Segurança para dormir à noite. Um riso. Um pai. Um lar. Um objetivo. Um “boa noite”.
Se houvesse ainda mais chuva ela ocuparia nossas mentes, nos fazendo buscar por um abrigo. Se houvesse estrelas eu brincaria de dar-lhes nomes e talvez pegasse no sono tentando contá-las. Se houvesse o farfalhar de folhas nossos ouvidos ficariam ocupados, em parte a espera de um animal silvestre para garantir o almoço do dia seguinte, outra parte instigando o medo em nossos corações que agora são fugitivos juntos.

Porém não havia nada disso.

Faltava brilho no céu noturno, que era coberto por nuvens espeças. Faltava o vento beijando a relva da clareira e brigando com as poças das árvores, mas o vento soprava tanto quanto quanto bate o coração de um morto. Talvez o próprio vento tivesse morrido, junto com Madalen Forster, mãe de Paul Forster. A última ausência era fácil de notar, qualquer um que presenciasse conseguiria pegá-la com a faca e espalhar no pão. Era profunda e ampla como o fim do outono, infinita como o mar. Essa falta era o “boa noite” de Paul.”

Fechei os meus olhos para que a dor não saísse de meu corpo mais uma vez. Nas lágrimas, como chamam as amargas gotas que meus olhos deixavam fugir a cada sentimento que queria transbordar por eles. A carta em minha frente era a parte única de herança que eu tivera recebido até então, a única coisa que recebera por ter amizades. Ao menos, sabendo que qualquer outro laço fora quebrado com a morte, este pedaço de papel me confortou, mesmo fazendo me lembrar dos últimos e enfermos momentos de minha mãe. O gosto de morte instalou-se outra vez em minha boca, sem motivo algum que não fosse minha memória.

Aquela mesma mão surgiu em meu campo de visão, secando com um dedo magro e firme uma lágrima que fugiu de meu controle. A figura encapuzada pousou a outra mão em um de meus ombros em uma espécie tímida e desengonçada de abraço. Lembranças sempre vão, mas desta vez vieram e chocaram-se contra minha mente com violência, fazendo a realidade se tornar mais nítida e menos horripilante. Quando aquietei meu coração, me permiti sorrir calmamente após algum tempo de dor.

– É bom ter você aqui. – e se o céu estivera negro e sem brilho durante muito tempo de minha vida, marcado por três luas tristes, uma outra Lua vi surgir e suas estrelas sorrirem.

Coisas boas precisavam acontecer as vezes. Diana se tornou para mim a Lua sorridente que reverteria um pouco este banho de sangue de minha existência.

* * *

– Um acordo de paz?! – gritei, indignado.

– É o que parece. Ele acredita que devemos nos colocar sob os cuidados dele e em troca ele nos sustentaria e devolveria o corpo de seu mentor. – foi com puro sarcasmo que as palavras saíram da boca de Peter, o líder da vila.

Diana ficara no canto da sala, observando, como uma presa encurralada. Diana, depois de me encontrar muitíssimo suja e sem uma muda sobressalente de roupa, me acompanhou até a vila, e como uma amiga e uma colega da escola de guerra, passei a arrastá-la para o conflito político da vila.

– Isto é um absurdo! Sinto vontade de ir lá e arrancar o que resta do apodrecido coração deste homem. – falei entredentes. Eu já não tinha forças para sentir irritação.

– Melhor seria se atacássemos de uma vez por todas. – disse Peter com um olhar ambicioso pela possibilidade de afogarmos Terry em seu próprio sangue.

– Não posso negar que anseio por isso, mas ainda é cedo. Prepare alguns homens. Acampando pelo mundo eu conheci diversos guerreiros fugitivos a espera de uma oportunidade. Vamos aguardar mais vinte dias e tentar organizar as tropas. Enrole Terry até lá que eu e Diana cuidamos do resto. – olhei para a garota com um olhar de súplica e ao mesmo tempo encorajador. Talvez esta também quisesse conquistar um lar.


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Notas finais do capítulo

Todos os dezessete autores agradecem sua leitura.



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