Murder House escrita por Thaisa Souza, Sue Araujo


Capítulo 4
Capítulo 4




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– Como eu posso ir à sua casa sem o endereço? - perguntei para Damon, enquanto saíamos da aula de inglês.
– Você já tem. Está naquela sua agenda rosinha. - ele zombou, dando uma risadinha em seguida.
Rolei os olhos. Desde o começo da aula, Damon ficou de implicância com a minha agenda só porque ela era rosa, cheia de corações, figurinhas e escrita com canetas de várias cores diferentes. Ele disse que era por isso que eu não me lembrava de nada, muitas cores tiram a atenção, e então ele prometeu que me daria uma agenda nova. Vai entender.

Eu era tão lenta guardando meu material, que o corredor já estava ficando vazio. Guardei tudo, deixando só minha agenda na mochila, pois a próxima aula seria de Educação Física. Assim que fechei o armário, ouvi uma voz monstruosa gritar:
– NATALIE!
– AH! - gritei na mesma hora, virando ao mesmo tempo e batendo com as costas no armário.
Matthew começou a rir escandalosamente.
– Seu idiota, imbecil! - corri até ele, o estapeando. Ele ria e tentava desviar. - Isso não tem graça Matthew Andrews! Eu poderia infartar! - eu estava pouco me lixando se estava aos berros ou não.
– Calma geninha, calma! - Matt segurou meus braços, forçando-me a parar, em vão.
– O que é isso, gente? - Em apareceu, rindo da situação.
– Esse maluco do Matthew me deu o maior susto! - respondi um pouco alto.
– Ah, Matthew... Não acredito que você fez isso com a Nat. - ela pegou uma das minhas mãos, puxando-me para si e abraçando-me de lado.
– Pode acreditar. Ele é ruim! - apontei para ele, como se estivesse condenando o garoto à minha frente.
– Ah, você que se assusta à toa! - se defendeu rapidamente.
– Eu? Você vem gritando e não quer que eu me assuste? - falei indignada. Fomos discutindo sobre isso até o ginásio, onde eu teria aula de basquete. Emma entrou na nossa "briga" e no final, acabamos rindo de toda a situação.

Eu fiquei completamente animada pelo fato do meu uniforme já estar pronto no dia da aula, como previsto. Como hoje seria o primeiro treino feminino, apenas nos aquecemos, fizemos uns exercícios com a bola, essas coisas. Mas foi o suficiente para me fazer suar.
– Onde os meninos treinam? - perguntei à Melanie.
– Depende. Hoje eles estão na quadra lá de fora.
– Tem quadra de basquete ao ar livre?
– Sim. Quer ir lá quando terminarmos aqui?
– Quero. - sorri, animada com a notícia. Queria ver os meninos jogando.
Ao fim do nosso treino, Mel, Em e eu bebemos água, e depois nos dirigimos até a quadra do lado de fora. Os meninos estavam lá jogando, ao contrário da gente. Sentei com elas na arquibancada. Melanie acenou para um dos meninos, eu o conhecia de algum lugar, mas como estava longe e eu não estava de lente, não tinha como eu enxergar perfeitamente o rosto. Depois de um tempo, o treinador deu um intervalo de 15 minutos para eles. Desci a arquibancada junto com Em, correndo até Ethan, que estava de costas para nós bebendo água em uma garrafinha.
– Há! - apertei sua cintura. Ele levou um susto, fazendo com que a água que bebia caísse em cima dele. Em e eu começamos a rir.
– Porra, o que... - virou para trás, de cara fechada, mas aliviou ao ver quem era a causadora do seu susto. - Ah, Hey.
Sorri para ele, o abraçando e lhe dando um beijo rápido na bochecha.
– Oi, Em. - cumprimentou.
– Olá. - ela sorriu meio sem jeito, fazendo Eeth abrir um sorriso.
Sério, eles são umas gracinhas. O jeito que sorriem um para o outro, os olhinhos de Emma que ficam mais brilhantes.
– O que vieram fazer aqui? - perguntou Ethan.
– Não nos quer aqui? - Em perguntou, confusa e visivelmente chateada.
– Muito pelo contrário! É que vocês não costumam vir aqui. Digo, nunca a vi aqui antes. - explicou-se rapidamente. A menina pareceu aliviar.
– Eu só queria te ver. - ela deu de ombros. Arregalei os olhos assim como Eeth. Quando ela percebeu a 'besteira' que tinha dito, logo tratou de consertar. - Quer dizer, Nat e eu queríamos ver você e os outros meninos jogando. - olhou para mim como se pedisse ajuda.
– Isso. Mas especialmente a Em queria te ver, ela precisa de uma ajudinha no basquete. - segurei o riso. Emma me olhou, visivelmente irritada e super envergonhada.
– Eu não... - começou a falar entre dentes, mas Eeth a interrompeu.
– Eu te ajudo, se quiser, com o maior prazer. - deu de ombros, sorrindo.
Eu sou demais, não sou? Podem falar. Gente, acho que nasci para ser cupido ou eu fui cupido em outra vida.
Saí dali, deixando os dois conversarem e voltei para a arquibancada. Estreitei os olhos, quando vi alguém muito conhecido no meio da quadra, brincando com a bola. Essa pessoa olhou pra mim, e eu nem precisei de visão perfeita para saber quem era. Era o Gramham. Acenei timidamente para ele, que fez o mesmo. Quer dizer, não tenho certeza, só sei que ele levantou uma das mãos, então vou considerar como um sim.

– Vamos fazer alguma coisa hoje? - Matt perguntou, enquanto tomava seu sorvete.
Praticamente todos os dias depois da aula, eu, Matthew e Ethan íamos na sorveteria, mas apenas Matt e eu comprávamos sorvete, Ethan não gostava muito de doce, vê se pode!
– Cara, hoje é quinta, só para constar. - disse Ethan.
– E daí?
– Eu não vou poder ir. - falei.
– Por que, geninha? - Matt quis saber.
– Eu tenho que fazer o trabalho de inglês hoje.
– Faz depois, ué. – falou, como se aquilo fosse a coisa mais óbvia do mundo.
– Não dá. Eu já marquei com o Damon de fazermos hoje. - lamentei. Eu realmente queria sair com eles. Seria ótimo. Sair com os amigos e conhecer a cidade. - Que tal sairmos na sexta à noite? - sugeri.
– Por mim tudo bem. - Ethan deu de ombros.
– Por mim também.
– Aliás, Matt, tenho uma surpresinha para você na sexta.
– Qual? - ficou curioso na hora.
– Qual a parte de "na sexta" você não entendeu? - ri quando ele me mandou língua.

Eu estou perdida, tenho quase certeza disso. Eu já tinha passado por esse lugar antes. Que vergonha, me perdendo em uma cidade tão pequena. Já fazia 30 minutos que eu tinha saído de casa para ir para a casa de Damon. Peguei novamente o endereço e digitei no GPS. Por que eu não fiz isso antes? Porque minha mãe ficava enchendo, falando que eu tinha que me acostumar a andar sem GPS, e olha só no que deu. Me perdi!
Depois de dez minutos, consegui encontrar a rua da casa de Damon. Procurei por sua casa, que era uma das últimas, estacionei o carro e sai andando até a porta e tocando a campainha. Toquei várias vezes, mas ninguém atendia. A música dentro da casa estava muito alta. Desisti de tocar e procurei pelo número de Damon na agenda de meu celular. Ao encontrar, disquei os números.
– Alô, Damon?
– Sim. Quem é?
– Sou eu. Será que você poderia abrir a porta, por favor?
– "Eu" quem?
– Natalie! Abre a porta, por favor?
– Claro. - ele riu do outro lado da linha e desligou. Segundos depois a porta foi aberta. Demorei um tempo para me localizar no tempo e espaço. Como ele conseguia ficar cada vez mais lindo? Damon vestia uma calça de moletom preta e um blusa branca com os dizeres "War is over!", e seu cabelo estava mais bagunçado do que o normal. Prendi um suspiro maravilhado.
– Desculpa. Entra. - abriu mais a porta, abrindo caminho para mim.
– Nossa, como você consegue ficar com o som assim? - falei um pouco alto, devido ao barulho.
– Já me acostumei. - deu de ombros, indo até o grande rádio com amplificadores grandes no lugar de caixas de som, que ficava na sala, e desligando. - Vamos subir.
Subi as escadas, logo atrás dele. Passamos por um corredor grande até chegar ao seu quarto. A porta era branca e cheia de adesivos de bandas - algumas eu não fazia ideia de que existiam. A mesma foi aberta, revelando um quarto escuro, cheio de pôsteres pela parede e teto, um violão preto e uma guitarra azul, ambos pendurados na parede, uma cama de casal enorme, cheia de papéis e revistas em cima, e uma bateria perto da janela.
– Wow! - exclamei, admirando o quarto.
Gramham entrou na frente e abriu as janelas, iluminando o quarto.
– Assim está melhor. Por onde começamos? – perguntou, enquanto catava os papéis em cima de sua cama. Caminhei até a mesa, sentando na beirada.
– Pelo começo. Biografia. - abri minha mochila, tirando o notebook de lá.
– Pode vir mais para o meio. - ele disse, já sentado na cama, com as costas encostadas na cabeceira.
Tirei meu tênis e fiz o que ele disse.
– Victor Hugo é de 1802? - ele arqueou uma das sobrancelhas depois de ler.
– Sim. Surpreso?
Ele riu e eu não entendi o motivo da risada.
– Para ser franco, a princípio eu achei que Victor Hugo fosse aquele cara. - continuou rindo.
– É, ele era um cara, Gramham. - eu continuava sem entender.
– Aquele que é dono de uma marca. Não sei bem. Minha mãe vivia comprando bolsas e tal.
Quando entendi do que se tratava, comecei a rir junto com ele.
– Sério que você pensou isso? - eu ainda ria.
– Infelizmente.
Depois disso, começamos com o trabalho. Toda hora ele fazia alguma pergunta, parecia estar realmente interessado no trabalho e em aprender.
– A vida é um campo de urtigas onde a única rosa é o amor. - ele leu uma citação de Victor Hugo. Parecia estar distante quando leu, e seus olhos antes alegres, agora eram tristes. Antes que eu pudesse perguntar, ele falou. - Minha mãe costumava me dizer isso quase sempre... - suspirou pesadamente, fechando os olhos.
– Ela não diz mais?
– Não, e nunca mais poderá dizer. - respirou fundo mais uma vez, levantando o olhar em minha direção, seus olhos estavam vermelhos.
– Damon, está tudo bem? - perguntei preocupada, colocando uma das mãos em seu ombro.
– Tudo, eu só... Deixa pra lá. - passou as mãos no rosto, puxando o cabelo para trás em seguida. - Vamos continuar.
Eu não disse nada, apenas assenti. Algo mexeu com os sentimentos dele, não só a citação, mas também algo envolvendo sua mãe. Eu estava com a maior vontade de perguntar, mas claro, não faria isso. Seria uma invasão, não é? Eu não o conheço direito. Acho que não tenho o direito de ficar perguntando sobre a sua vida.
Conseguimos fazer o nosso próprio resumo sobre a vida de Victor Hugo em uma hora, e na minha opinião, estava muito bom.
– Finalmente! - levantei os braços, como se dissesse "amém."
Damon se jogou para trás na cama.
– Está com fome? - ele perguntou.
– Muita. - respondi meio sem graça. Eu poderia ser mais discreta e responder apenas "um pouco" ou "sim", mas não, eu tinha que parecer uma esfomeada.
– Então vamos comer. - ele esticou uma das mãos para mim, me ajudando a levantar. Então descemos até a cozinha.
Sentei-me à mesa de madeira clara enquanto ele procurava por alguma coisa na grande geladeira prateada.
– Natalie. – ele me chamou.
– Hm.
– Preciso da sua ajuda. - virou em minha direção com um caixa de pizza em mãos.
– Sério, Gramham? - ri.
– Vai me ajudar ou não?
– Claro que vou. Liga o forno. – falei, enquanto pegava o papel de origami que deixei cair no chão. Esse foi o tempo em que Damon sentou-se à mesa, e começou a comer uma maçã que estava na fruteira à nossa frente. - Damon!
– Oi? - olhou para mim com a maçã na boca.
– Eu disse que iria te ajudar e não fazer pra você. Vem, liga o forno que eu vou te ensinar.
– Você parece a minha avó. - ele levantou da cadeira, resmungando.
– Sabe ligar o forno, certo?
Lançou-me um olhar tedioso e ligou o forno.
– O que eu faço agora?
– Espera. - voltei a me sentar na cadeira.
– Por que não coloca a pizza agora? - franziu o cenho, não entendendo porque deveria esperar.
– Porque tem que aquecer, né. Você não sabe de nada mesmo, hein.
Assim que o forno aqueceu devidamente, ensinei Damon a fazer a pizza. A coisa mais simples do mundo: colocar uma pizza dentro de um forno quente e esperar ficar pronta. Quer dizer, não era tão simples assim, pelo menos pra ele, que achava que a pizza deveria ficar pronta em cinco minutos. Quando pronta, Damon nos serviu, e então ele finalmente pôde comer a sua tão desejada pizza.
– Damon? - uma voz que parecia ser de alguém bem mais velho que nós, o chamou.
– Aqui na cozinha! - ele respondeu.
Uma senhora que parecia estar na faixa dos 60 anos, entrou na cozinha carregando uma sacola de compras. Damon levantou na mesma hora, pegando a sacola das mãos da senhora.
– Vó, essa é a Natalie, de quem eu te falei. - ele apontou para mim. - Nat, essa é minha avó, Jane.
– Oh, olá querida. - ela se aproximou de mim, dando-me um beijo na bochecha.
– Muito prazer em conhecer a senhora. - sorri gentil e ela retribuiu.
– Querem comer alguma coisa? - ela perguntou, indo até a sacola de compras tirando algumas coisas de lá.
– Nós acabamos de comer. Deixamos dois pedaços de pizza para a senhora. - Damon respondeu. - Aposto que foi sua amiga que fez. - Jane sorriu para o neto, que forçou um sorriso engraçado pra ela, ganhando um beijo na bochecha que o deixou levemente corado.
– Bom, nós vamos subir para terminar o trabalho.
– Está bem, querido. Qualquer coisa, eu estou aqui embaixo.
– Beleza.
Então, Damon e eu voltamos para o quarto e para o trabalho. Meia hora depois, estávamos na metade do trabalho sobre a vida literária de Victor Hugo. Decidimos parar por aí, por hoje.
– Ainda falta muito? - um Damon visivelmente cansado perguntou, jogando-se na cama de novo.
– Falta.
Ele bufou, colocando um travesseiro no rosto.
– Você já está assim? Nós mal começamos. - ele tirou o travesseiro do rosto, arregalando os olhos verdes, me fazendo rir. - Farei o possível para terminarmos isso o mais rápido possível.
Ficamos conversando sobre coisas aleatórias. Jane apareceu no quarto, levando uma fatia de torta de chocolate para cada. Eu não gostava de torta de chocolate, até provar a de Jane. Com certeza, a melhor que já comi na vida. Fiquei me perguntando como aquela senhora tinha disposição para tanto. Digo, minha avó deve ter mais ou menos a idade de Jane e não quer fazer nada além de tomar chá e jogar cartas. Jane era uma mulher ativa, cuidava de um adolescente e ainda tinha disposição para fazer uma torta maravilhosa de chocolate. Pensar nisso, só me fez ter mais curiosidade de saber sobre uma coisa.
– Hm... Damon? - chamei.
– Diga.
– Você mora com a sua avó? Digo, só com ela, sem seus pais?
Damon pareceu incomodado com a pergunta. Condenei-me por tê-la feito. Eu tenho o dom... De estragar tudo.
– Sim. Eu morava com meus pais até o ano retrasado. - sorriu sem um pingo de humor.
– O que aconteceu com eles? - minha língua não cabe na minha boca.
– Eles... - sua voz falhou e seus olhos começaram a ficar vermelhos novamente. Ele os fechou fortemente e depois abriu. - Eu tinha saído de casa sem a permissão dos meus pais naquela noite. Eles me ligavam o tempo todo, mas eu não atendia as ligações, não queria saber deles, não queria ouvir a voz deles, eu estava irritado, de saco cheio deles pegarem no meu pé o tempo todo. - ele segurava as lágrimas o máximo que podia, pude perceber. Aquela cena fazia com que eu tivesse a sensação de coração apertado. - E então... Eles foram atrás de mim e me encontraram em uma festa, drogado. Meu pai ficou furioso e então eu fugi de lá. Fugi, como um fraco ao invés de enfrentá-los. Eles foram atrás de mim, mais uma vez, estava chovendo muito e... Aconteceu. - uma lágrima solitária escorreu, mas não ficou sozinha por muito tempo, logo algumas outras vieram, porém não tardaram a sumir, uma vez que Damon as secou rapidamente. Meus olhos começaram a esquentar, eu não poderia chorar, não agora. E então, do nada ele começou a rir de uma forma irônica. - Eu não deveria ter te contado isso.
– Não. Está tudo bem, você... - fui interrompida.
– Isso não é da sua conta. Quer dizer, isso é um problema meu. Mas você foi a primeira pessoa a me perguntar sobre isso. - ele percebeu o meu olhar confuso e continuou. - As pessoas se importam com os outros, então nunca contei nada. - sua voz ficou embargada. E ele levantou a cabeça, "engolindo o choro".
– Hey... - me aproximei dele. - Não tem que ter vergonha de chorar... - toquei seu rosto ainda úmido pelas lágrimas, o acariciando de leve. - Saudade é um sentimento que quando não cabe no coração, escorre pelos olhos.


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