Todas as manhãs ela acordava com uma visita. O homem sentava-se à beira da cama, e observava a garota dormir feito um anjo. Ela, por sua vez, já não se surpreendia mais, era algo tão monótomo. Ela não questionava, não se incomodava, apenas ignorava. Sabia que ela teria que suportar a presença dele por mais que ela detestasse.

Anabell despertou-se, e logo viu o homem esperando seus olhos se abrirem. Ignorou a presença dele como se ele nem ao menos existisse.

– Não recebo nem ao menos um bom dia? - Ele perguntou debochado.

– Vai mesmo fazer isso todos os dias? Não tem outras vidas para estragar? - Ela retrucou.

– Sim, tenho. Mas você é a minha favorita, é a mais interessante. - Ele sorriu aproximando-se dela. - Falando nisso, gostou da minha surpresa?

– Surpresa? - Ela perguntou desentendida.

– Digamos que ajudei Eric a descobrir aquilo que você tentou esconder.

– Eu já deveria saber que tinha dedo seu nessa história. Primeiro você atropelou Eric, o deixou de coma, poderia tê-lo matado. Depois, fez com que Richard capotasse o carro, causando assim sua morte, e isso fez com que eu me tornasse uma das principais suspeitas. E pra completar, fez com que o Eric descobrisse sobre o incêndio. Porque está fazendo isso? O que pretende fazer comigo?

– Estou facilitando as coisas para o Eric. Eu avisei pra você não tentar bancar a espertinha, porque você mesma iria pagar o preço.

– E desde quando estou bancando a espertinha?

– A partir do momento em que resolveu voltar à essa cidade. Você poderia estar longe daqui, poderia levar uma vida de luxuria, com a grana que herdou poderia ter servos levando os talheres até sua boca, beijando seus pés, poderia ter tudo o que quiser em um estalo de dedos, mas resolveu voltar à terra que tanto lhe trouxe sofrimento.

– Aquele não poderia ser o fim, não depois de tudo que eu passei, de tudo que enfrentei, da pessoa que me tornei. Eu não poderia deixar as coisas acabarem daquele jeito, e não vai ser você quem vai impedir que eu continue, não importa o que faça, vou continuar aqui.

– Que comovente. A história da sofredora Anabell, a garotinha que não desiste daquilo que quer. Mas quer saber? Eu não ligo, sabe que não ligo. A escolha é toda sua. Mas é melhor ir se preparando para as consequências, e desta vez não vou pegar leve como fiz das outras vezes. - Ele afirmou.

Seus olhos se encheram de lágrimas em uma fração de segundos. Sentiu um aperto em seu coração, sabia do que ele estava falando, sabia o que estava por vir. Ouviu alguém bater na porta.

– Senhorita? - Sebastian perguntou através do outro lado da porta. Abriu-a devagar, até conseguir ter à sua vista a garota ruiva. - Eric está esperando por você. - Avisou.

– Diga à ele que desço em um instante. - Ela respondeu. Secou as lágrimas que escorreram sobre seu rosto antes que seu mordomo pudesse nota-las.

– Estranho. - Ele falou. - Tenho certeza de que fechei a porta da varanda e carreguei comigo as chaves.

– Ah, não se preocupe quanto à isso, fui eu quem abriu. Precisava tomar um ar. - Mentiu ela.

Sebastian balançou a cabeça negativamente, conhecia ela perfeitamente, o suficiente para saber quando ela falava a verdade, e também mentiras. Ela não queria preocupa-lo, mas carregar todo aquele fardo só à deixaria pior. Escondeu a melancolia com uma máscara de sorrisos e alegrias, preparando-se para mais um dia.

Aquele não seria um dia qualquer, era o dia da tão esperada formatura. O casal finalmente se formaria, e estaria livre do colégio. Anabell vestiu-se com o vestido que selecionou com cautela, e por cima, a beca. Desceu as escadarias já pronta, e no último degrau encontrou Eric também de beca.

– Finalmente livres dessa tortura. - Eric disse.

– Agora vem a parte mais difícil, a vida. A vida de verdade.

– Ah, droga, estava tão feliz com a formatura, que tinha esquecido dessa parte. Ainda bem que tenho você pra enfrentar essa parte comigo.

– Ainda bem que temos um ao outro, Eric. Ainda bem. - Ela sorriu fraco e se jogou nos braços de Eric. Seus olhos novamente se enxeram de lágrimas, e sem que ela pudesse controla-las, elas escaparam e escorreram por seu rosto pálido.

– O que aconteceu? Porque está chorando? - Eric perguntou preocupado. O mordomo assistia a cena desconfiado.

– Não é nada. Só estou um pouco sensível hoje. - Ela explicou. Eric secou as lágrimas que escorriam do rosto da garota, e confortou-a novamente em seus braços. Não falou nada, apenas abraçou-a.

Anabell afastou seu corpo do de Eric, convidando-o para juntar-se a ela à mesa. O menino aceitou sem delongas.

– .. Mas antes vou ao banheiro. - Ele riu fraco seguindo caminho.

Sebastian aproximou-se de Anabell, encarando-a sério.

– Você pode ter enganado ele, mas sei que aquelas lágrimas não saíram de seus olhos sem motivo. Anabell, me conte o que houve no quarto mais cedo, sabe que pode contar comigo. - Falou o mordomo afável.

– Todas as manhãs, sem exceção, ele me procura e faz ameaças. E acho que as coisas estão começando a ficarem sérias. Foi ele quem fez com que Eric descobrisse a verdade sobre o incêndio, e isso é apenas um começo para ele. Sabe do que ele é capaz, Sebastian. - Ela desabafou. - E o pior é que não tem jeito de me livrar dele, enquanto ele não conseguir o que quer ele vai me atormentar. Está me deixando louca, Sebastian. Ele quer me ver em meu pior dos estados, senão morta. - As lágrimas novamente voltaram a escorrer. A garota jogou-se desta vez nos braços de seu mordomo, e desabou de uma vez.

Eric conseguiu ouvir parte da conversa, o suficiente para saber que Anabell escondia algo tão perigoso que colocava em risco sua própria vida. E ele sabia também que não importa o quanto ele insistisse a verdade, ele seria privado dela. Se sentia mal por ela, mas ao mesmo tempo sabia que não poderia fazer nada que pudesse ajuda-la. Aproximou-se dos dois, e puxou Anabell para perto de si, colocando a cabeça da garota contra seu peito.

– Sabe que pode contar comigo também, não sabe? Sabe que estou disposto a ficar do seu lado não importa a situação, não sabe? E sabe que pra mim, você é tão importante quanto o nascer do sol, não sabe?

– E você sabe que essas palavras foram as mais confortantes que eu pude um dia ouvir, não sabe? - Ela sorriu, desta vez com vontade. Secou suas lágrimas, respirou fundo e voltou a atuar tão bem que até mesmo os deuses duvidavam. - Vamos, temos uma formatura e uma vida pela frente. - Ela disse. - Não temos tempo a perder.

–-XX--

Pra alguns, aquele era o dia mais feliz e glorioso de suas vidas. Para Eric, aquele era o começo de uma nova vida. E pra Anabell, era o inicio de uma nova tormenta, ela sabia o que estava por vir.

Todos os adolescentes que se formariam aquele ano vestiam becas. Todos sorriam de orelha a orelha enquanto assistiam juntos de seus familiares e amigos à cerimônia ansiosos para o amanhã. Sophia chamava um por um para que pudessem pegar o diploma, e os mesmos eram aplaudidos logo em seguida.

Anabell fora uma das primeiras por conta de sua inicial. Respirou fundo ainda nervosa, e caminhou até o palco onde Sophia à chamava. Lamentou-se sozinha por não ter seus pais para vê-la finalmente se formando. No palco, fingiu um de seus melhores sorrisos, abraçou a diretora e segurou em suas mãos o tão lutado diploma. Sorria meio torto para Sebastian, que naquele momento deixava de ser seu mordomo, e à assistia orgulhoso por vê-la formada. Piscou lento, avistou no meio de toda aquela multidão o homem que a atormentava todos os dias. Ele á assistia debochado, sabendo o efeito que ele causava nela. Anabell sentiu-se tonta ao vê-lo, deixou que uma lágrima escorresse de seu olho esquerdo, e de repente sua visão ficou turva. Desmaiou ali mesmo.

Uma multidão se formou ao redor do corpo desmaiado da recém-formada. Eric correu de pressa até sua namorada, preocupado. Passou por cima de praticamente todos até que pudesse alcança-la. Agachou-se ao lado do corpo colocando sua mão na bochecha da menina.

– Ela está ficando gelada. Chamem uma ambulância. - Gritou desesperado.

– Anabell, por favor, fala comigo. - Ele conversava com a menina. - Me responde, por favor. - Ele insistia. Apoiou a cabeça da menina em sua coxa, e dava leves tapas em seu rosto, esperando que ela reagisse. Mas ela não respondia, ou ao menos reagia.

Uma ambulância rapidamente chegou ao local, causando uma tumultua naquele local que fora programado para uma data especial. Um enfermeiro carregou o corpo frágil de garota e o colocou em uma maca, levando-a rapidamente até o transporte que à levaria para o hospital mais próximo. Sebastian entrou junto, também preocupado com a menina.

Luíza não deixou que Eric fosse ao hospital, por mais que achasse a coisa certa a se fazer. O menino porém, ficou inquieto durante o resto da cerimônia. As coisas não seguiram normal após o ocorrido, os alunos já não estavam mais animados como deveriam estar.

Eric mal conseguia concentra-se nas palavras de agradecimento da diretora. Estava inquieto, e tudo que desejava era que aquilo terminasse logo para que ele pudesse ver sua namorada de novo.

–-XX--

No hospital, Anabell descansava em uma cama, enquanto Sebastian conversava com o médico.

– Não se preocupe quanto á isso. Tudo indica que o desmaio repentino foi causado pelo nervosismo. Creio que não vai acontecer novamente. - O médico disse.

– Tem certeza de que não é nada grave? - Sebastian perguntou preocupado.

– Absoluta. Ela só precisa ficar de repouso pelo resto do dia. - Ele indicou.

O médico deixou a sala. Acordada, porém fraca, Anabell juntou sua forças e perguntou desentendida: - O que aconteceu?

– A senhorita desmaiou. - Sebastian respondeu.

– Droga. - Respondeu fraca. - Eu nem ao menos joguei esse maldito capelo pro ar. - Brincou ela.

– Pode joga-lo no ar quantas vezes quiser, mas só depois de descansar. Você está fraca, não pode ficar assim logo agora.

– Não mesmo. - Ela respondeu com a voz falhada. - Ele está atrás de mim. - Completou com dificuldade.

– Não vou deixar que nada te aconteça.

– Sebastian, acho que isso não é possível. - Ela respondeu decepcionada. - Meus olhos estão pesando, acho que preciso dormir. - Falou fechando os olhos, adormecendo aos poucos.

Eric, junto de Luíza chegou ao hospital logo em seguida. Aflito e desesperado por respostas. Entrou na sala depressa, e assustou-se ainda mais quando viu a garota ainda de olhos fechados.

– Ela ainda não acordou? - Perguntou aproximando-se.

– Acordou. Mas está muito fraca, e acabou adormecendo novamente. - Sebastian respondeu.

– E o que aconteceu pra ela ter desmaiado tão repentinamente? - Luíza perguntou tocando na mão da menina.

– O nervosismo causou o desmaio. Mas não foi nada sério. Daqui a pouco ela recebe alta e já pode voltar para casa.

– Mas.. ela estava tão gelada que por um momento achei que ela estivesse.. - Não ousou terminar a frase.

Os três permaneceram em silêncio enquanto observavam a garota em seus mais profundos sonhos.

Horas depois a menina acordou. Eric nunca pudera ficar tão feliz em ver novamente a cor de seus belos olhos.

– Graças a Deus você acordou! - Ele disse alegre. - Está se sentindo melhor? Quer comer algo? Droga, tia Luíza e Sebastian acabaram de sair pra comer algo. Vou ligar pra trazerem algo pra você. - Aproximou-se rapidamente do celular.

– Eric.. - Ela o chamou ainda fraca. - O capelo. Precisamos joga-lo para o ar. - Ela disse e sorriu fraco. O menino sorriu de volta, e atendendo ao pedido da garota, recolheu os dois capelos sustentados à mesa, e aproximou-se dela novamente. Ajudou-a a sentar-se, e juntos puderam finalmente finalizar uma etapa de suas vidas. Jogaram o capelo para o ar. Riram felizes. Olharam um nos olhos do outro, e aquele momento foi encerrado com um beijo.

–-XX--

Os dias passaram-se normalmente após aquele trágico incidente de Anabell, porém, a mesma passou a frequentar constantemente um médico, já que indicaram que a garota estava com anemia, e que fora o nervosismo, a falta de ferro em seu sangue também poderia estar causando desmaios.

Naquele dia, Anabell havia acabado de voltar de uma de suas consultas, e fora direto para a casa de Eric. Foi recebida gentilmente por Luíza. Convidou a menina para entrar.

– Boa tarde querida. - Luíza desejou.

– Boa tarde, como vai a senhora? - Ela retribuiu.

– Estou ótima querida. Um pouco preocupada na verdade.

– Aconteceu algo com Caroline e o bebê? - Anabell perguntou preocupada.

– Não. Na verdade quem me preocupa é o Eric. Ele está um pouco fora de si por conta de uma cicatriz que apareceu e..

– Espera, uma cicatriz? Onde? - Questionou desesperada.

– No lado esquerdo de seu peito, exatamente onde é o coração.

– Não acredito. - Ela sussurrou para si. - Aonde ele está?

– No quarto. Mas acho que já está dormindo, querida.

– Posso ir vê-lo? - Anabell perguntou gentilmente. Não havia como Luíza negar seu pedido.

– Claro. - Ela respondeu.

Anabell correu até o quarto de Eric, e por entre as brechas da porta pode ver Eric agonizando em sua cama, estava roxo, sufocando, implorando por ar enquanto dormia. Ela correu até o corpo desesperada, e gritou por Luíza logo em seguida. Não sabia como reagir, ou como ajuda-lo. Tentava acorda-lo sacudindo-o, mas ele continuava implorando pelo ar que não encontrava.