Fragmentos de Lembranças escrita por Yume Celestia


Capítulo 1
A perda




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Acordei assustado. Sabe aquelas cenas de filme que o personagem tem um terrível pesadelo e acorda assutado e desesperado rapidamente quando está prestes a acontecer algo terrível no pesadelo? Foi exatamente assim. Só que acordei suando frio, com a respiração acelerada e minha cabeça doía, doía muito. Estava me sentindo fraco de mais pra me levantar, e pra completar, estava com vontade de vomitar. Com os olhos ainda cerrados, tentei o máximo que pude tentar localizar um celular, telefone ou qualquer coisa que eu pudesse usar pra me comunicar com alguém sem ter que me levantar da cama. E por sorte, meu celular estava no criado mudo que ficava bem ao lado da cama. Disquei o número salvador, o número da minha Tia Luíza. Chamou três vezes até que ela atendesse. Disse que estava muito mal e que queria um remédio, e ela, sem nem ao menos deixar eu terminar, desligou o celular. Eu sabia que ela iria trazer um remédio, e com toda a certeza do mundo, iria trazer um chá. Ela ama chá, e acha que chá é a solução para tudo. O que é uma pena, pois eu detesto chá, eu apenas tomava em ocasiões extremas, aquele caso seria uma delas. Enquanto eu esperava por tia Luíza, acabei reparando no meu quarto, como ele estava empoeirado e cheirava a mofo, tia Luíza nunca foi de deixar as coisas assim.

– Eric, querido. Estou aqui, desculpe a demora. - A voz ecoava do corredor e entrava em meu quarto, a voz estava abafada, mas de longe eu a reconhecia. Era tia Luíza. A porta se abriu, e lá estava ela, tia Luíza com sua face de preocupada, segurando em uma de suas mãos uma enorme xícara de chá, e em sua outra mão, um comprimido. Ela se aproximou rapidamente de meu corpo acabado em cima de uma cama. Mediu com suas próprias mãos minha temperatura, e deduziu assim, que eu estava com febre.

– Tome, Eric. Vai te ajudar a melhorar. - Ela entregou a xícara em minhas mãos. Me esforcei para me sentar, tomar chá deitado era quase que impossível. Apenas aquele cheiro do chá me dava ânsia. Mas eu também sabia que enquanto eu não tomasse aquele chá, tia Luíza não iria sossegar.

– Nossa, que quarto empoeirado. Como eu pude deixa-lo assim? - Tia Luíza falava consigo mesma enquanto observava o que antes eu já observei. Tia Luíza era o tipo de pessoa que não aceitava sujeira, passava seu tempo livre limpando a casa.

Demorei para encarar o sabor do chá, mas não tive outra opção, tive que engolir o comprimido com a ajuda do chá. Tia Luíza ficou no quarto até que eu tomasse todo o chá. Em seguida esperou que eu voltasse a deitar minha cabeça sobre o travesseiro, e saiu. Pediu para que eu descansasse, e jurou que quando eu acordasse eu estaria me sentindo melhor. Ela me tratava como se eu fosse filho dela desde aquele dia, desde aquele trágico dia.

[flashback]

Me lembro de voltar do colégio feliz, sorrindo. O colégio nunca foi longe de casa, eu não necessitava de carro ou ônibus para ir ou voltar. Lembro que gostava de cortar caminho por uma rua onde havia uma praça com cheiro de natureza. O dia estava frio, não estava nublado, garoando ou chovendo, apenas estava frio. Eu voltava para casa cortando caminho acompanhado de alguém, mas por mais que eu tente, eu não me recordo quem era. Ao chegar na rua de casa, a única coisa que eu via era um tumulto, várias ambulâncias e alguns carros de bombeiros. Eu não estava entendendo nada. Havia fumaça localizada em apenas um lugar. Parte daquele céu pálido foi coberto pela cor preta . Eu estava começando a juntar as peças. Algum lugar foi incendiado, eu não imaginava que aquilo me afetaria tanto assim. Fui me aproximando cada vez mais, até que quando percebi, estava no meio do tumulto, e quando vi, não consegui acreditar. Era minha casa, minha casa foi incendiada, e tudo que restava dela era cinzas, estava completamente destruída. O meu coração começou a acelerar, eu estava nervoso. Eu não ligava para a casa ou para o que o fogo destruiu, eu apenas queria saber como meus pais estavam. Fazia preces mentais para que eles tivessem saído da casa antes que o incêndio se iniciasse. De repente todos a minha volta ficaram em câmera lenta, e viraram apenas vultos manchados, eu ouvia muitas vozes, mas nenhuma era a que eu queria ouvir. Me aproximei de um dos carros de bombeiros, os policias tentavam me afastar, mas alguém gritou “ele morava na casa”, o que fez com que o policial me desse atenção.

– Cadê meus pais? - Eu perguntei a um dos polícias que bloqueava a ultrapassagem de qualquer um daquela faixa amarela cercava os restos daquilo que um dia foi uma bela casa, que agora, diante de meus olhos, eram apenas cinzas.

– Você é Eric Portinatt? - O policial perguntava enquanto me encarava.

– Sou, caramba. Agora me diz aonde estão meus pais. - Eu gritava agoniado. Um nó irritantemente incomodante tomou conta de minha garganta. Eu precisava saber se eles estavam bem.

– Jack. - O policial gritou para um dos enfermeiros que estava perto do carro de ambulância. O enfermeiro assim que ouviu o chamado do policial, se aproximou.

– Esse aqui é o Eric. Ele morava na casa também. - Ele explicou ao enfermeiro. Ambos me encaravam sem dizer nada, apenas me olhavam como se eu fosse um cachorrinho ferido e sem dono.

– SERÁ QUE ALGUÉM PODE ME FALAR AONDE ESTÃO MEUS PAIS? MAS QUE SACO. - Gritei enfurecido. Não sei se eles sabiam, mas me encarar não era uma resposta.

– Garoto, sinto muito. Vem comigo. - O enfermeiro Jack disse e tomou a frente. O que me fez seguir ele. Me deu um aperto no coração ouvir aquele “sinto muito”. O que aquele sinto muito queria dizer? Eu o seguia e a cada passo que eu dava eu sentia mais dor ainda. Engolia seco, aquela pequena caminhada parecia demorar séculos. Até que chegamos a um dos carros de ambulância, onde estavam duas macas cobertas por panos brancos, e debaixo dos panos brancos, haviam corpos. Corpos mortos.

– Não, não pode ser. Diz pra mim que isso é mentira? Que é um pesadelo, um terrível pesadelo. - Eu dizia já com os olhos cheios de lágrimas, que de repente começaram a escorrer como se todas as lágrimas existentes em mim tivessem resolvido sair de uma só vez. Elas não paravam.

– Sinto muito, Eric. Eles não conseguiram sair a tempo da casa, e infelizmente vieram a falecer com queimaduras graves. - O enfermeiro explicava. Aquelas palavras me doeram mais do que qualquer coisa. Foram as palavras que acabaram de vez com minha vida. Eu me ajoelhei no chão, chorando feito uma criança de dois anos. Eu olhava para o céu pálido daquela tarde, e pedia para Deus para traze-los de volta e me levar no lugar deles. Eu não aguentaria viver em um mundo sem eles.

O enorme grupo de pessoas que cercavam a casa incendiada, pouco a pouco passou a me cercar. Lamentavam, sentiam pena. Eu havia acabado de perder minha família, as duas pessoas mais importantes da minha vida. “Pobrezinho” eu as ouvia cochicharem umas com as outras. E em meio aquela multidão, lá estava ela, aquela mulher de cabelos loiros e curtos. alta e magra, acompanhada de sua filha da mesma idade que a minha. Era tia Luíza, ela se aproximou de mim, e ao me ver naquele estado, passou a chorar também. Ela me abraçou forte, me impedindo de desabar mais ainda, e assim como eu, não conseguiu dizer nada, apenas chorar. Foi uma perda pra mim, e também para ela. Eu perdi minha mãe, e ela sua irmã.

[flashbackoff]

O relógio ao meu lado marcava 15h34m. Acho que eu havia tido outro pesadelo com o incêndio que matou meus pais. Desde então eu nunca consegui ter uma noite tranquila, acabei me afogando em uma depressão e adquirindo estresse pós-traumático, por conta disso, fui obrigado a frequentar um psicólogo duas vezes por semana durante meses. Mas vendo pelo lado bom, eu acabei me apegando mais a minha prima Caroline, que hoje é minha melhor amiga, alias, unica amiga. Acabei ganhando uma irmã, e considero Tia Luíza como uma segunda mãe, claro que, ela nunca irá substituir minha mãe, mas eu a amo muito. Minha fama no colégio deixou de ser “o garoto esquisito” e passou a ser “o garoto depressão”. Nunca fui popular no colégio, e nunca vou ser. Caroline é considerada uma das garotas mais bonitas do colégio, é popular e anda comigo, mas nem por isso fez com que eu subisse um grau na escala de popularidade . Continuo na mesma.

Tia Luíza tinha razão, eu acordei me sentindo muito melhor. Já não sentia mais dor, mas ainda me sentia fraco. Sai debaixo das cobertas, coloquei um par de chinelos e desci as escadas. Caroline e Tia Luíza estavam na cozinha preparando algo.

– Eric, querido. Já está se sentindo melhor? - Tia Luíza disse ao me ver.

– Caramba, Eric. Você emagreceu, está tão pálido. Você está horrível. - Caroline disse. E vou ter que concordar, eu me sentia mais leve. Eu já não era o do tipo físico atlético, agora então…

– Caroline! - Tia Luíza exclamou brava.

– Ué, mas é verdade mãe. Ele está muito mais magro.

– Realmente, estou me achando mais magro. - Eu disse ao me sentar á mesa.

– Isso não é problema, Eric querido. Vou fazer você ganhar o que perdeu. Estou quase acabando o seu bolo favorito.

– Bolo do morango? - Perguntei curioso e entusiasmado.

– Exatamente. - Confesso que dei pulos de alegria por dentro, já que por fora eu não estava muito a disposição. Bolo de morango, torta de morango, sorvete de morango, morangos. Morango era meu sabor preferido.

– Fui à frutaria e comprei os morangos mais frescos que tinham. Tenho certeza de que o bolo está ótimo. E mais, Caroline ajudou a preparar. - Tia Luíza dizia enquanto retirava o bolo do forno.

– Então vou abaixar minhas expectativas. Se Caroline ajudou a fazer, algo deu errado. - Eu dizia enquanto observava o bolo quentinho que foi posto na mesa. A fumaça saia do bolo, o que deixava ele ainda mais atraente. Tia Luíza foi até a geladeira e retirou de lá duas caixas de morangos. Em seguida pegou uma bacia aonde estava o chantilly já pronto.

– Quer ajudar a decorar, Eric? - Ela perguntou colocando em minhas mãos uma faca e a caixa de morangos. Ela queria que eu cortasse os morangos ao meio para decorar o bolo. Enquanto isso, ela e Caroline cobriam o bolo com o chantilly.

O bolo estava realmente delicioso. Foi o melhor bolo de morango que Tia Luíza já fez, e olha que ela é uma ótima confeiteira. Com fome, cheguei a comer quase quatro pedaços, e para acompanhar: café. Eu sei, café e bolo doce não são a melhor combinação de todas, mas para mim, café combina com tudo. Bolo de morango e o cheiro de café exalando em minhas narinas, era uma sensação ótima.

– Viu só, Eric? Eu ajudei a fazer e ficou incrível. Sua cara não nega que você adorou. - Caroline dizia com o garfo com bolo em sua mão.

– É, Caroline. Tenho que admitir, ficou realmente bom. - Assumi. A minha relação com Caroline era típica de primos: um nunca ser legal com o outro, mas de forma que mostrasse que ambos se gostam. Caroline sempre me apoiou em tudo, e esteve ao meu lado nos meus dias mais difíceis. Ela se esforçava ao máximo para me alegrar, sabia que eu não estava feliz. De certa forma, ela preenchia o meu vazio, mesmo que fosse com suas bobagens.

A casa nunca foi muito grande. Três quartos, uma cozinha, sala, dois banheiros, e uma pequena varanda. Eram dois andares, os quartos e banheiros ficavam no andar de cima, e o resto dos cômodos no de baixo. Tia Luíza trabalha como professora de jardim de infância, e fora isso, adora limpar a casa. É divorciada pois descobriu uma traição, isso tudo antes de Caroline completar seus três anos. Por conta disso, ela nunca quis saber muito sobre seu pai. Eu e Caroline ficamos encarregados de cuidar da casa enquanto ela trabalha, ou seja: mantê-la organizada. O salário de Luíza é divido entre o necessário: comida e contas. E o resto para necessidades não tão necessárias: roupas e diversão. Durante muito tempo tentei convence-la de usar o dinheiro que herdei para os gastos, mas ela se recusa, disse que quer que o use em uma boa faculdade. Confesso, não me considero um adolescente feliz, não jogo basebol, ou futebol, não tenho uma namorada, a única amiga que tenho é minha prima. Meus pais faleceram e sou o “garoto depressão”. Tudo isso e eu tenho apenas dezessete anos. Ainda sou obrigado a aguentar mais um ano de vida escolar, isto é, fora os da faculdade. A vida aqui é tranquila apesar de tudo, a cidade não é movimentada, nem se quer conhecida, poucos turistas visitam e praticamente todos se conhecem, exceto eu, que apenas conheço a dona de um café local chamada Maria, que tem cinquenta e um anos nas costas, e é uma amiga antiga da família Portinatt.

O fim de semana iria ser longo. Tia Luíza prometeu muitas refeições e besteiras agradáveis já que ela disse que eu iria “ganhar o que perdi”, enquanto Caroline prometeu passar o sábado e o domingo fazendo “sessões de cinema”. Costumávamos fazer essas sessões todo fim de semana quando passei a morar com elas. Era a forma de Caroline de me animar, e aquilo era o queeu mais estava precisando de um pouco de animo, nem que fosse do jeito Caroline.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. xoxo



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