O primeiro de todos os meus sonhos escrita por Aphrodite Laclair


Capítulo 1
(imóveis sob a mágica)


Notas iniciais do capítulo

eu escrevi essa fic em uma hora e pouco, então não tenham grandes esperanças nela??? era para ser uma fic pra um challege de clichês ua, mas decidi postar essa e fazer outras depois hahaha enfim. saudades de escrever throbb ♥
(aliás, poema do e. e. cummings!!!!!!!)



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O primeiro de todos os meus sonhos

(imóveis sob a mágica)

.

para sempre caindo neve.
e então este sonhador chorou: e então
ela rapidamente sonhou um sonho de primavera
—onde tu e eu estamos a florescer

— e. e. cummings —

.

para a boneca, que é som e fúria.

.

Três anos e sete meses, o juiz foi magnâmico. Não existe negociação, seu advogado avisou, apelar mais uma instância seria só burrice, capaz até de a sua pena aumentar mais. E ainda, ele completou, quatro anos passa rápido, você vai ver. Quando menos esperar vai estar fora da prisão.

Quando menos esperar.

Quando Theon Greyjoy era uma reclusa e observadora criança ele percebeu que quando você menos esperar era a carta zap do vocabulário dos adultos. Todos os problemas das pessoas a volta deles, os adultos, eram consolados assim: quando você menos esperar. O tempo então se tornava uma difusa mancha cor de café, onde o futuro era algo que deveria acontecer antes do esmagador, mirabolante quando você não estava esperando. O passado e o presente, por tabela, se tornavam algo como o antes. O momento descrito era, para Theon, uma passagem. Era, finalmente, a felicidade.

Theon Greyjoy agora tem vinte e quatro longos anos e odeia a maldita frase.

— Greyjoy. Detento, preste atenção.

É o seu primeiro dia no maravilhoso mundo novo da Prisão Estadual de New York. Motivo: roubo armado, formação de quadrilha. Pena razoavelmente reduzida pelo namorado advogado irritante de sua irmãzinha, Asha.

Ele está positivamente parado, imóvel sob o sol, como uma planta fazendo fotossíntese. Ao seu lado, um guarda aguarda, mal encarado, que ele se mova. É seu primeiro momento no pátio enorme. Até onde seus olhos se atrevem a contemplar, presos se estendem em pequenos grupos, conversando em voz baixa. Numa rápida varredura, Theon decide de quem é melhor ficar longe. Ele acaba, minutos depois, ao lado de um homem da sua idade, provavelmente, com cabelos ruivos, barba rala e tristes olhos azuis. Eles não falam nada por longos momentos.

— Você é novo? — o desconhecido quebra o silêncio com uma voz surpreendentemente suave.

— Sou.

— Eu imaginei. Nunca tinha te visto antes. E você olhou cautelosamente antes de se apoiar nessa parede aqui perto de mim.

— Meu nome é Theon. — ele estende a mão, que paira no ar, o desconhecido a olhando quase inexpressivo. Doze segundos se arrastam até que ele pegue na mão de Theon e aperte, quase sem tocar.

— Eu sou Robb.

— Robb. — Theon deixa o nome pairar em sua língua. Por algum motivo, há algo de triste no jeito como as consoantes se formam.

— Eu acho que você vai estar comigo consertando aquelas máquinas da lavanderia hoje. — Robb diz, subitamente. — Você tem jeito de quem eles colocariam naquele inferno escaldante. Não tem uma janela.

— Ar-condicionado?

— Estamos na prisão.

— Que degradante. — Robb sorri, embora seja mais um curvar de lábios do que um sorriso. Mesmo assim, faz os seus olhos brilharem, e Theon curva seus lábios de volta.

Vinte minutos de imóvel silêncio pairando em meio aos seus braços e pernas e então guarda os chama para dentro. A hora de sol das madames acabou, chega de fofoca, ele diz, e Theon lentamente se move até entrar na fila. Robb se perde dele — se bem que talvez se perde não seja o termo certo — nos primeiros passos. Theon não olha para trás. Robb, distante, percebe que há algo de duro no seu caminhar.

A segunda vez que eles se encontram é, como Robb previu, na lavanderia. Está realmente quente pra caralho, Theon pensa, e talvez Robb seja algo como um profeta ou Sherlock Holmes? Até o momento em que ele encontra Robb, com seus quietos olhos de lobo, Theon não chegou a nenhuma conclusão.

— Ei, Theon, não é?

— É.

— Eles disseram arrume essa máquina. Deram zero manuais. Tenho zero experiência e estou aqui há quatro dias, nessa caldeira. Eu espero que você tenha mais sorte? — as palavras tem algo de ameaça, mas sua voz é baixa e macia. Theon não se sente intimidado por ele — ele sempre soa preguiçoso, lânguido e distante, como um gato —, então acena levemente e se aproxima da secadora.

(demora quinze minutos para que ele resolva o problema. sua mãe era algo como uma mecânica ou uma faz tudo. ele acaba descobrindo que a coisa toda era ridiculamente simples, mas não fala para robb. faz uma pose solene e aceita os agradecimentos com um inclinar de cabeça.

ele ainda não sabe se robb sabia que ele o estava enrolando)

Quatorze dias depois, o companheiro de cela de Robb — um cara chamado Tyrion? — é liberado. Bom comportamento, mas dizem que ele pagou pra sair. A família é rica e as coisas são assim, Robb se limitou a comentar. O fato é: quatorze dias depois Theon foi orientado a levar seus trapos para a cela que havia ficado com um único ocupante (contra as regras), já que ele ainda não estava realmente instalado. E ele foi. Não é como se tivesse escolha.

A merda da prisão, Theon pensa, é que toda a sua liberdade individual, consciência pessoal e dignidade é ceifada no momento que você entra. Ali dentro, todo mundo é meio bicho. O meio fazendo seu trabalho e fazendo todos curvarem-se perante sua vontade.

Quando ele entra na cela, para por um momento em algo parecido com um batente. Robb está dormindo, ressoando suavemente na cama de cima. Tudo nele tem algo de suave, os ângulos de seu corpo e a forma de suas sobrancelhas, enquanto Theon tem os traços bruscos e desconfiados.

Ele ocupa a cama debaixo e coloca papéis e cartas e anotações rabiscadas na mesinha de cabeceira de madeira podre que está quase totalmente ocupada por livros e canetas. No seu travesseiro, tem uma pequena mensagem num papelzinho vagabundo, branco, escrito em caneta esferográfica azul seja bem vindo, eu acho.

Por algum motivo, isso aquece o coração de Theon.

Quando Robb acorda, esfregando seu rosto com as mãos em punhos, a pele pálida cheia de pequeninas cicatrizes, Theon está olhando para uma foto que ele pregou na parede (como isso aconteceu?): um menininho de cabelos pretos e uma séria menina parecida com ele, embora ela tenha algo de raivoso, superprotetor que ele não tem.

— Quem é ela?

— O nome dela é Asha.

— É sua filha?

— Minha irmã. O menino sou eu.

— Vocês foram crianças bonitas. — e desconfiadas, irritáveis, ele aposta. Robb suspeita que Theon não seja muito diferente disso atualmente.

— O que você fez para estar aqui, Robb?

— Matei alguém. — ele é direto. — Peguei doze anos. Tive sorte. Já cumpri oito.

— Quantos anos você tem?

— Vinte e oito. — um sorriso preguiçoso se espalha pelo rosto de Robb.

Theon assente, e volta a olhar a jovem, pequena, estressada Asha. Se a foto fosse melhor, daria para ver o colar de contas que ela sempre usava no pescoço durante a infância. Cada conta tinha uma letra e no final formava família.

— O que você fez?

— Roubei.

— Quantos anos você pegou?

— Algo perto de quatro. Três anos e sete meses.

(passam o resto da tarde habitando pensamentos com o gosto amargo do passado)

Theon tinha sonhos agitados. As cobertas iam parar em seus pés e suas mãos se enrolavam em punhos. Robb, ao contrário, dormia como uma pedra — não acordava nem quando Theon, em seus pesadelos, quase o derrubava da cama.

Existe algo de quente e mágico na convivência. Um ano depois Robb e Theon tinham uma leve, flutuante intimidade, algo com o gosto perdido do algodão doce amarelo vendido no parque de diversões de suas infâncias, algo que ultrapassava barreiras de personalidades solitárias e conflituosas.

Existem traumas que a gente enterra sob camadas e mais camadas de memórias felizes, traumas que nos oprimem e sufocam — Robb estourou com o trauma, literalmente. Pôs uma bala na cabeça dele. Veio pagar seus atos na prisão, e não se arrepende. Eu agora consigo dormir a noite, ele disse baixo, uma noite, e eu prefiro conseguir dormir na prisão a viver com tristeza e medo em liberdade.

O silêncio que fica no ouvido depois de ser exposto a um barulho muito forte permeava as conversas sussurradas, quebradas, interrompidas e depois continuadas, que eles tiveram ao longo do tempo. O silêncio sujava as mãos e falava, gritava.

O silêncio se repetia em momentos surpreendentes, como sob o sol quente, imóveis, indiferentes.

Theon decidiu numa noite (no segundo ano?) que o amava. Amava Robb. Como de praxe com a sua personalidade, decidiu resolver aquilo naquele momento mesmo: acordou Robb que ressoava na cama de cima e disse eu amo você, sem mais nenhuma palavra. Voltou a dormir e no dia seguinte eles eram algo parecido com um casal.

(robb até hoje pensa

murmura entre os fios escuros de theon

que a praticidade sempre foi a principal e mais feliz marca dos dois)

Existe algo em namorar na prisão que é horrível e apavorante, a perspectiva de esconder seu relacionamento, colocá-lo no armário com o bicho-papão. Quase três, dois anos disso — Theon estava farto, Robb ainda mais. Eles saíram da prisão mais ou menos na mesma época.

A primeira coisa que fizeram foi ir numa lanchonete comer comida decente. A segunda foi irem ao cinema, onde fizeram questão de ficar de mãos dadas, sorrir e dar rápidos ou demorados beijos quando ninguém estava olhando. A restrita liberdade. A singela felicidade.

A quente alegria que permeia o espaço entre a mão de Theon e os dedos de Robb.

.

mas essa mera fúria cedo se tornou
silêncio: em mais vasto sempre quem
dois pequeninos seres dormem (bonecas lado a lado)
imóveis sob a mágica


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