Seus passos se arrastavam, como se presos estivessem a correntes. E tão pesadas estas eram, que faziam esfarelar o chão de pedra. E tão amarradas estavam a sua alma, que o fizeram voltar para lá, mesmo depois de passados anos suficientes para que o mundo se tornasse o dobro do que já fora há muitas vidas.

Mas ali ele estava, no primeiro de seus castelos.

E ali ele estava, o mais secreto dos seus segredos.

Os dois últimos passos que separam Niklaus Mikaelson do seu mais precioso objeto são silenciosos como o tempo. Suas mãos antecipam-se aos pés, tremulas. Seu coração silencia-se por um instante, como em um solene respeito ao outro, quando aquelas finalmente agarram a caixa em apenso.

Talvez o tempo fosse silencioso com seus passos, e talvez assim tivesse também o sido com aquele coração. Ainda vermelho, escorrendo sangue e pulsante. O primeiro que colhera. E o único que verdadeiramente desejara tomar para si.

Antes mesmo de se tornar imortal, antes mesmo de ser qualquer coisa além de humano, aquele coração lhe pertencera.

O mundo não era mundo quando tivera aquele coração nas suas mãos.

O mundo já não lhe interessa ser mundo desde que o perdera para uma caixa.

Mas antes do coração, vieram os olhos. Azuis, brilhantes e imensos como o céu. Emoldurados por uma longa e espessa cortina de fios dourados, que só poderiam ter sido roubados do Sol. E que ganhavam voz através de uma boca de lábios cheios e vermelhos, que virara risada quando aqueles olhos de céu de verão encontraram pela primeira vez aqueloutros escuros como uma noite de inverno.

E então o inverno desmantelara-se em verão. E por ele tornara-se governado. E depois obcecado.

A-p-a-i-x-o-n-a-d-o.

Aquela foi a primeira noite que passei acordado. A ultima que passaria ao seu lado.

Seus olhos estavam fechados e só então aceitei que mais um dia havia terminado.

Fiquei desesperado. Desnorteado. Afinal, como pode ser um homem de seu céu exonerado?

Eu já não tinha a graça de seus olhos sobre mim, mas mesmo assim continuava a olhar para ela. Não conseguia parar de olhar para ela. Jamais quereria eu tirar meus olhos dela.

Eu a olhava olhava admirava. E na mesma força ela me tragava e tragava e tragava.

E eu me deixava e deixava.

Eu a amava.

Ela me amava.

Mas não bastava.

Seus olhos deveriam ser o único céu sobre mim. Ela era o meu anjo e daquele paraíso eu jamais seria expulso. Todo o seu azul me pertencia.

Seu riso me aquecia. De todo o resto eu esquecia.

Apenas ela me pertencia.

Ela era tudo o que eu queria e que ainda assim não possuía.

Sete infernos são esta vida!

Ela ainda não é minha.

E de repente minhas mãos criam vida.

Ah, agora sua alma será minha.

Eternamente minha.

Apenas minha.

Por isso então o vermelho é a cor da paixão.

Em minha mão havia um coração.

E em minha alma, uma imortal maldição.

L-u-b-r-i-d-i-a-d-o.

Conviver com um anjo lhe fez querer ter asas e Niklaus Mikaelson sabia que não podia voar.

O inverno nunca esteve longe do inferno, afinal.

Agora obliterado. Desumanizado. Ajoelhado, com seu precioso e sigiloso coração nas mãos. E dizendo seu nome em uma eterna canção.

Aquele coração ainda pulsa em suas mãos. Ele adora tal sensação. Ter o destino de uma vida em suas mãos...

Não haverá para ele chance de absolvição.

Ele não está em busca de redenção.