Viver em Negrito escrita por anna kurara


Capítulo 3
Capítulo 3




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Quatro e cinqüenta e nove, ela ainda estava no taxi que pegara assim que saíra do hospital, se tivesse mesmo que chegar lá ás cinco em ponto teria estragado tudo, começou a lembrar parte da conversa:


-Mas, ele não quer a presença de um médico, como vou examiná-lo?


-Não vá de médico. E saiu.


Larsi pediu para sair mais cedo, no trabalho hoje tamanho a curiosidade que a movia.


   “Por mim, eu nem viria aqui, mas, estou falando em nome de uma nação”.


Que nação seria aquela? Uma nação desconhecida, uma mini-nação?  Riu de seu pensamento supérfluo.


O taxi parou em frente a uma casa antiga de dois andares as paredes rosadas estavam descascadas, plantas ao redor pareciam adentrar na casa, duas janelas que ficavam ao lado da porta principal estavam quebradas e o baixo portão de ferro que cercava a casa estava enferrujado:


-É aqui mesmo?  Taxista balançou a cabeça.


-Vinte e três e sessenta. Disse colocando braço para trás onde Larsi estava sentada.


-Claro. Disse com certo sarcasmo ao tirar as notas da carteira, só porque era médica não significava ter tanto dinheiro, um roubo são vinte e três e sessenta, um roubo! Pensou Larsi ao sair do taxi que sem demora deixou-a sozinha em frente á casa.


Ajeitou a roupa, blusinha rosa de manga comprida e calça jeans azul, passou as mãos pelos curtos cabelos loiros e pegando a sua valise do chão, caminhou até a casa. Olhou no relógio de pulso, acabara de completar cinco horas e dois minutos. Tentou achar uma campainha, mas, como não achou bateu palmas mesmo. Esperou certo tempo, ninguém, bateu palmas de novo. Nada. Estariam enganando-a? A porta se abriu com um leve gemido, um par de olhos castanhos e curiosos surgiu da escuridão, uma mão fez sinal para que ela entrasse, ela entrou, abriu a porta com cuidado e de repente ela pareceu ser sugada por algo.


A escuridão.


Suas nádegas doíam, pois, foi à primeira coisa que amorteceu a queda, ela tentou se levantar, mas, tudo ao seu redor estava girando e girando, não agüentou, o que era escuro ficou ainda mais.


Cinco dez minutos por quanto tempo ela teria desmaiado? Abriu os olhos deixando suavemente que a claridade penetrasse neles:


-O que...? Fechou os olhos com força e voltou a abri-los.


-Digamos que você não teve uma queda muito suave. A voz era grossa dando novamente a sensação dos ossos se remexendo dentro dos músculos, ela conhecia aquela voz.


-Jamapilão?


-Aqui não, aqui meu nome é Rei. Larsi olhou para quem ela estava conversando e era um macaco (!). Coçou a cabeça, pôs-se de cócoras e olhou ao seu redor, onde estava era uma sala ampla e bem iluminada, o chão era xadrez, porém fugia do tradicional preto e branco, conservava o branco, porém o preto substituía-se pelo verde-claro, havia na sala apenas um móvel escuro e um alto criado-mudo com um espelho em formato oval, ao lado do criado haviam sete quadro pendurados nas paredes cor-de-rosa.


-O que aconteceu?


-Você está na casa de Dethus, o amigo de quem te falei.


-Explique melhor. Larsi estava com um pouco de dificuldade para raciocinar e ainda não havia se acostumado com a idéia de estar conversando com um macaco. 


-O velho de quem eu te falei, que está muito doente. - Disse essas palavras sussurrando.


Recuperando os sentidos perguntou:


-Você quer dizer quanto á nação? Macaco uniu os dedos indicadores.


-Você precisava estar aqui...


Então ele mentiu. Concluiu Larsi.


E lágrimas saíram dos olhos de Macaco, Larsi estava atônita, primeiro vinha para um lugar onde só Deus sabe que existe depois um macaco chamado Rei falava e por último ele estava chorando? Que confusão!


Por mais fria que ela fosse intitulada, ela abraçou Macaco, somente por um instante, um ínfimo segundo:


- Vamos lá me leve até ele e no caminho me conte a história. Ela se levantou e ambos começaram a caminhar por aquela longa sala.


-Pelo que me contaram Dethus, de uns tempos para cá, não se sentia bem...


-Explique melhor a frase “Não se sentia bem”.


-Ele não quis contar muito sobre isso para mim, mas, certa vez quando fui ao seu quarto, local onde é estritamente proibida a entrada de qualquer ser, encontrei fotos dele com outras humanas mulheres, assim como você. Porém em todas elas Dethus não sorria... Nunca o vi sorrir em todos estes meus milênios de vida.


-Como sabe o que é sorrir se nunca saiu de seu mundo?


-Não disse isto. Saí daqui várias vezes para visitar seu mundo, porém na forma do velho Jamapilão, eu sabia que em seu mundo minha espécie não fala então não me assustei com seus olhos enormes quando me viu em minha forma original, pois já havia adivinhado que estava assustada. Rei abriu os grossos lábios num sorriso. Aquilo era até simpático.


-Continue a história.


-Bem quando meu mestre me flagrou dentro do quarto dele com as fotos nas mãos ele ficou tão nervoso, tão perturbado que nunca o havia visto assim! –Agora, após atravessar a enorme sala, Rei abriu uma porta da qual antes a vista de Larsi não havia conseguido enxergar e nela entraram para o próximo cômodo. Uma sala, porém menor e com mais móveis, havia uma enorme janela que clareava todos os cantos, ao lado da janela duas poltronas viradas uma de frente a outra, ao lado oposto, um tapete persa na cor vermelho que se estendia por todo o chão, no meio da sala existia uma escada digna de um castelo e por fim no canto menos iluminado outra porta:


-Aquela é a biblioteca. Disse Rei observando que Larsi estava no mínimo encantada com o recinto. Esta andou até a janela e pode ver um bonito bosque também extenso, devia ter muitos kilometros, pois, se perdia de vista. 


Como numa cidade tão grande como São Paulo existe um casebre que tem o tamanho de um castelo, e por fora parece um casebre qualquer, oh céus!-Pensava Larsi confusa e de boca aberta.


-Vamos, subamos a escada.


Após subirem, havia somente um longo corredor e nas paredes várias portas.


-São os quartos das vistas... E aquela porta ali é o quarto de Dethus. Larsi olhou para Rei.


-Você disse que seu Dethus não quer ser examinado, como darei o diagnóstico? 


O macaco sorriu.


-Você saberá.


-Além de falar, ser simpático ele ainda é enigmático?! Ótimo. Resmungou Larsi sem muito entusiasmo. - E onde está Dethus?


-Ele não tardará, é triste ele nunca sai, fica o dia inteiro na biblioteca.


-Você mora aqui?


-Não, só venho de vez em quando.


De repente soou um barulho igual ao de um sino tocando que fez Rei se encher de entusiasmo:


-É ele desçamos a escada e esperemos!


Eles desceram mais rápido do que subiram e sentaram-se nas poltronas.


-Quem é você? Disse uma voz suave, porém, que tinha dentro de si um forte magnetismo.


-Bem, boa tarde. Começou Larsi se levantando, Dethus arqueou uma das sobrancelhas.


- E-eu... Larsi quase caiu pra trás quando viu com quem estava falando, Dethus era o deus grego da perfeição que vira no Parmeddia!


Concentre-se Larsi! O que posso falar sem revelar a minha profissão e quem sou?


-E-eu me perdi. Foi a primeira e única coisa que Larsi pensou no momento.


-Se perdeu? Debochou, parecia entediado com a “visita”, - Clara doutora diga logo o que quer. Larsi se assustou.


 Dethus ergueu sua mão e apontou majestosamente para a pequena valise que estava na mão esquerda de Larsi. Rei deu uma tapa em sua testa, desaprovando sua falta de atenção e sussurrando algo para si mesmo. Levantou-se da poltrona de onde estava e pegando na mão direita de Larsi saiu arrastando-a:


-Vamos.


-Espere, eu não quero ir! O macaco a ignorou e quando menos se esperou ela já estava lá fora.


-Me deixem entrar! Dizia ao bater desesperadamente na porta.


Não sabia por que estava fazendo aquilo, porém era como se algo lá dentro daquele corpo se agitasse para voltar á aquele mundo, bateu mais algumas unidades de vezes, mas a porta não se abriu como outrora. Olhou no relógio, oito horas.


O quê?! Aqueles dez minutos que passei ali foram três horas aqui? Pensou Larsi horrorizada.        


Um vento frio atingiu seu rosto, só então Larsi começou a pensar e se agachando um pouco disse no buraco da fechadura:


-Dethus, não adianta fugir, eu sei que você foi ao Parmeddia ontem na hora do almoço e que estava acompanhado de uma mulher. Afastou-se um pouco, nada foi o resultado. Tentou novamente, porém acrescentando outra coisa:


-Então acho que seria muito justo se Rei soubesse também ou quem sabe será divertido que ele saiba você cursou medicina há dois anos a trás, Doutor.


A porta se abriu, e ela foi mais uma vez sugada por algo. O lugar antes iluminado agora estava escuro, pouco se enxergava algo segurava o braço de Larsi firmemente:


-Não ousaria a fazer algo aquém a sua estirpe humana. Larsi reconheceu logo a voz.


-Dethus?!


-Venha. Disse ele puxando o braço dela.


-Onde estamos? Ouviu-se um estalo e as luzes se acenderam o local onde estavam não era pequeno, mas, também não se encaixava no grande e muito menos no médio, algo:


-Irreal. Sussurrou Larsi. As paredes amareladas e com desenhos de plantas nascendo, em cada um dos cantos havia um abajur, o lugar era repleto de móveis escuros feitos de alguma madeira muito resistente, pelo que Larsi pôde notar, e em cima de um dos móveis havia vários frascos coloridos e no centro uma enorme cama.


-Onde estamos não é prioridade, você disse algo á Rei?


Larsi sabia se dissesse a verdade, assim como rápido entrou rápido sairia.


-Solte-me! Ele o fez delicadamente.


-Então onde estamos?


-Não vai mesmo me responder não é?


-Quero... Ficar aqui.


-Todas querem.


-Todas...? Dethus andou em direção á cama e sentou-se.


-Você disse ter me visto com uma mulher num restaurante. Ela é só mais uma que nada sabe, assim como você, por isso vá embora.


- Não vou, Rei veio me pedir ajuda e vou ajudá-lo!


-Eu não preciso de ajuda! Vociferou. Larsi começou a relembrar tudo que o macaco havia falado para ela, começou a juntar os fatos e a relacioná-los com a própria vida.


Solidão sabia ao fundo o que era aquilo, pois, mesmo agora adulta sentia-se ainda só, então esse era o mal estar de Dethus, “a doença”, como Rei explicou. Porém aquilo não poderia ser somente solidão, tinha algo mais, algo que o impedia de viver daquele jeito, não era somente solidão. Dethus conseguira emplacar somente parte disso com a rara presença de Rei, tinha algo mais! A razão pela qual ele sempre levava mulheres diferentes para “casa”, a razão de nunca estar em casa.


-O diagnóstico é bem fácil, - disse ela andando pelo o que parecia ser um quarto - sabe você precisa de uma presença estável em sua vida. Alguém que possa contar e não apenas satisfazer seus desejos sexuais, alguém... Após esta palavra acabou olhando para si mesma, morando sozinha desde os dezoito anos, amigos eram poucos, que caminhos escolheram?


Onde estava a liberdade que pensava em ganhar com a maioridade, onde estava o desejo de não ter que dever ninguém, trabalhava tanto que não existia mais tempo para si mesma... Será que escolhera o caminho certo na encruzilhada da vida?  


  -Então doutora, mate esta sede que tenho em meus lábios, esta sede de viver!


-O que posso fazer com o seu problema se o meu próprio não consigo resolver? Sussurrou mais para si mesma. Ele se levantou bruscamente:


-Então você não pode me curar...                   


-Esta doença, não há médico que cure! Porém se o médico abandonar sua carreira e tornar-se somente humano...


-Humano! Já nem sei o significado dessa palavra!


-Palavra que se faz vida. Sussurrou Larsi. –Pense Dethus, humano este é o seu remédio, pois por mais que Macaco venha visitá-lo ele não o privará de sentir certos desejos!


-Aonde quer chegar doutora?


-Quero chegar ao ponto de poder dizer á você que sei o que está sentindo, sei o que se passa, se pensa se faz!


- Se sabe como se chega por que não sabe como se sai?! Será isto que o sinto, um labirinto tortuoso que em cada virada se encontra mais um corredor interminável! É assim também a vida de vocês humanos comuns?! Larsi abaixou a cabeça:


-Um pouco pior, pelo menos você tem Rei ao seu lado, porém, parece que ele foi o brinquedo que você trancou num quarto e esqueceu-se de brincar!


- Rei, Rei, Rei não existe! Os olhos de Larsi se abriram.


-Então o que foi aquilo, o que aconteceu? Ela já não estava mais raciocinando-Estou confusa, Jamapilão, Rei eram todos você?


-S-sim. Eu criei Jamapilão e o macaco Rei para conduzirem você até aqui, eu... Desde quando te vi, naquele restaurante eu não sei, eu... Ele voltou a sentar, colocou as mãos na cabeça, soltou um suspiro:


-Olha é melhor você ir, dês que eu vi a sua valise e conclui que você queria mesmo era me examinar como condiz nossa profissão...


-Agora que estamos chegando perto de uma solução, jamais?!


-Solução! Pois não vejo alguma!


-Seu remédio é algo perto de uma família, entende o que é isso? Algo que você possa dizer que é seu e tenha garantia disso, algo que você ame e seja capaz de esperar por séculos e séculos, algo...


-Como você.


-E-eu? Os olhos dela se arregalaram mais uma vez. - A não-romântica, rude e fria Larsi Degas?!


-Por que não?!


-Por que sim? Dethus abaixou a cabeça.


-Desculpe você deve ter essa tal de família...


-Sim eu tenho, mas, - O que ela estava fazendo? Dispensando um deus daquele?!-Eu...


Agora foi a vez de Larsi sentar-se na cama ao lado de Dethus, este que ajoelhou e disse:


-Venha, fique comigo e acabe com esta solidão!


-Mas...


-Está certo combinemos assim, prometa que passará em frente á essa casa todos os dias e quando você estiver pronta a porta se abrirá.


Não tinha como dizer não, era simples, direto e confortável, mas...


-Ficará sozinho por todo este tempo?


-Só dependerá de você humana.


17 de Outubro – Dois anos depois


As folhas das árvores caiam, os pés doíam de tanto andar, já estava cansada de pessoas como aquela, que a traíam sem pensar duas vezes, já estava cansada dela mesma. Descobriu-se mais uma vez sozinha, por que aquilo sempre terminava daquele jeito?


Não teria mais saída, queria viver, porém o que é viver?


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