Olho Grego escrita por Lucena


Capítulo 1
Capítulo 1




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“Alice, não sei como te dizer... Bem, eu não posso continuar com isso. Na verdade eu conheci outra pessoa, e ham...eu vou ficar com ela. Acho melhor não mantermos contato. Boa sorte!”.

Foi assim que Alice finalmente acreditou no que o pai falava de seu namorado, André. “Ele é um oportunista!” Como ela não pôde ver isso antes? Mas não seria possível, como dizem: o amor é cego. E ela o amava. Ou pelo menos achava isso.

Eles haviam se conhecido na faculdade. André era estudante de direito. Sua família não era rica, como a de Alice, mas ele conseguiu uma bolsa na mesma universidade que ela, e se esforçava muito para mantê-la. Eles foram apresentados por uma amiga em comum, e assim se aproximaram. Duas semanas depois ele a pediu em namoro. No começo tudo eram flores, mas depois começaram os comentários maldosos. De início eram coisas do tipo “não entendo como a Alice namora esse pobretão”, mas depois os comentários ficaram mais perigosos como “ela não vê que ele a trai?” e ainda “coitada, ele só quer o dinheiro dela”. Pra Alice, era muito desconfortável saber que as pessoas pensavam isso. Era como se todos achassem que ela não merecia a felicidade. Até mesmo seu pai não aceitava o namoro. Mas ela seguiu em frente mesmo assim. Tentava não dar atenção às fofocas, e quando isso era impossível, fingia não se importar.

Mas agora ela sabia que todos estavam certos sobre André. Qual seria a explicação para ele terminar justamente quando descobriu que a família dela estava falida? Não havia mais dúvidas. E mesmo se houvesse ela não iria esclarecê-las, não agora. Não no momento em que estava de luto pelo pai que havia se suicidado.

Nada importava agora. Nem mesmo perder o namorado que tanto amava se comparava a dor que ela e a mãe estavam sentindo. Sua vida estava sendo destruída em velocidade-luz, e não havia o que fazer. Era sentar e rezar para que tudo aquilo passasse.

Sentada no chão da varanda do seu quarto, ela olhava o céu, e se perguntava “Por quê? Por quê tinha que ser assim?” Era uma provação muito árdua. E são em momentos assim que se chega a duvidar da existência de Deus...

...

O dia começava como se o Sol não tivesse nascido. Tudo o que se podia ver era um céu nublado, tão cinza quanto a alma de Alice naquele dia. Ela havia passado a noite toda ouvindo a mãe chorar de seu quarto, e quando ela parou, já quase ao amanhecer, foi a vez de Alice. Seu rosto estava inchado e seus olhos vermelhos, mas ela não se importava com a aparência. Não havia nada mais pelo que se importar. Ela só queria ficar enrolada no cobertor e dormir, e se fosse possível nunca mais acordar!

A campainha tocou uma, duas vezes, três, quatro... Alice sabia que receber visitas seria a sua rotina nos próximos dias. O pai tinha muitos conhecidos, e como o funeral foi organizado às pressas, nem metade deles pôde comparecer. Agora ela teria que dar atenção às pessoas que fossem visitá-las, ouvi-las dizer que sentem muito pela morte de seu pai. “Será mesmo que sentem?”, pensava Alice. As pessoas costumam querer animar a família em situações assim, dizendo frases otimistas como “Tudo vai passar, vocês vão ficar bem” ou ainda “Vocês tem que seguir em frente, continuar vivendo”. Será que eles sabem o valor dessas palavras? Quando perdemos alguém tão próximo, tão amado, é difícil acreditar que tudo vai ficar bem. Pensar em seguir adiante, em viver sem aquela pessoa, é algo muito doloroso.

Ela deixou que a campainha tocasse e fechou os olhos, numa tentativa frustrante de dormir. Resolveu descer, ir até a cozinha a fazer um chá. Ao passar pela sala, encontrou sua prima Amanda conversando com Ana, a empregada.

̶ Alice!

Alice não queria discutir tão cedo, mas parecia que isso ia acontecer mesmo contra a sua vontade.

̶ Ana, você pode, por favor, fazer um chá pra mim?

̶ Claro, com licença.

Quando a empregada saiu ela questionou a prima.

̶ O que você quer Amanda?

A prima pareceu surpresa, e um pouco confusa quanto a pergunta dela.

̶ Ah, eu queria saber como vocês estão Alice. Sei que é cedo...

̶ Não. Na verdade é tarde, tarde demais!

̶ Eu não estou entendendo Alice.

̶ O velório do meu pai foi ontem. Ninguém da sua família apareceu. Nem a sua mãe, nem você, muito menos seu pai. Foi uma falta de respeito. Agora eu sei que vocês nunca se importaram com a gente.

̶ Alice, eu sinto muito. Eu acabei de chegar de viajem. Estava na França terminando meu curso, você sabe disso. Vim assim que pude.

Alice ia continuar com seu discurso de que a tia, mãe de Amanda, faltou ao velório do próprio irmão. Eles não se falavam há muito tempo, por causa de uma desavença que o pai de Amanda fez entre eles, mas isso não justificava.

̶ Amanda, eu agradeço a sua visita.

̶ Você está me mandando embora?

̶ Não, eu estou me retirando.

Alice virou-se e começou a subir as escadas. Encontrou a mãe descendo e disse:

̶ Ela é toda sua!

Ao chegar no quarto, ela bateu a porta com a maior força que conseguiu reunir, e desejou que o som da batida forte chegasse até a sala, para que sua prima percebesse a sua revolta. “Como eles puderam ser tão insensíveis assim?, pensava. Não havia perdão para eles. Não havia mais espaço para eles na vida de Alice. Eles não estiveram com ela no momento em que deveriam, então não havia mais razão para estarem presentes em sua vida a partir de agora.

Ela começou a gritar. Sentia que algo a estava sufocando. Não sabia se era a revolta com a família, o desespero por saber que tinha perdido seu pai, ou a decepção com o namorado. Talvez fosse por tudo. Talvez fosse por descobrir, do jeito mais doloroso, que a gente pode perder alguém que ama a qualquer momento. Talvez, só agora, ela tenha compreendido que apesar de suas escolhas, de suas ações, nem sempre as coisas acontecem como se deseja. A vida é incontrolável, mesmo que acreditemos no contrário.

Depois dos gritos, vieram as lágrimas. “Por quê? Por quê? Por quê?!”, ela questionava.O que seria dela agora? E sua mãe? Como elas viveriam sem o pai e o marido amoroso?

Ela não entendia o que levara o pai a cometer suicídio. Sabia que tinha a ver com o golpe que seu sócio havia lhe aplicado. Ele roubou o que pôde da empresa de seu pai. Depois da descoberta, foram dias tensos para todos. Alice não sabia até que ponto aquilo iria influenciar sua vida, mas sabia que muitas coisas iriam mudar, principalmente no âmbito financeiro. Seu pai tivera que vender várias propriedades, carros, e a própria empresa para pagar as dívidas, só restara a casa em que eles viviam, que estava em nome de Alice e seu carro, que havia ganhado há um ano. Eles estavam sem dinheiro, sem rumo, mas Alice e sua mãe tinham esperança de que tudo iria se resolver. Entretanto, parece que seu pai não tinha.

Quando Alice pensava sobre isso, vinha-lhe logo o sentimento de raiva. Como seu pai pôde deixá-las em tal situação? Mas depois, ela repreendia a si mesma. Seu pai sempre fora um homem íntegro, carinhoso, cuidadoso, e honesto. Ele tinha orgulho de tudo que conquistara através de seu esforço e honestidade. Todos tinham muito orgulho. Talvez tenha sido este o motivo que o levara a suicidar-se. Orgulho! Existe uma linha tênue entre sentir-se satisfeito e realizado de/por algo/alguém, e ser controlado por um sentimento de superioridade, auto suficiência e arrogância. No ápice do orgulho, as pessoas são levadas a cometer insanidades, falar infâmias, deixar sua real personalidade pra trás. Elas perdem a si mesmas!

O peso em seu peito começou a diminuir, e Alice já não sentia tanto desespero. Seu coração se acalmou. Naquele momento, ela percebeu que chorar era o único jeito de colocar sua dor pra fora. Quando a dor está na alma, o caminho que ela encontra pra sair é através das lágrimas. Ela levantou-se do chão, onde estava deitada, e subiu em sua cama. E adormeceu...


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