O Regresso do Desespero escrita por Duchess Of Hearts


Capítulo 16
Searching for Forgiveness


Notas iniciais do capítulo

I'm back, bitches! c:
Tudo bem gente? Peço imensa desculpa pela demora! Vou estar mais ativa agora (leia-se: não demorarei 3 meses para postar um capítulo de verdade) mas não prometo voltar aos posts de semana em semana. De qualquer forma, aqui está!
Fiz esse capítulo grandão só para vos compensar. Espero que não tenha ficado muito chato, eu sinceramente fiquei orgulhosa com ele. A primeira parte é dedicada a Luana, que fez anos recentemente



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O silêncio que tomava conta do quarto era gélido. Não era de admirar, tendo em conta que aquele quarto era o de alguém que já não estava mais nesse mundo. Kyoishi Satoru inspirou fundo antes de dar um passo em frente e fechar a porta atrás de si, observando o local onde antes dormira Eikichi Koji. O dono nunca mais regressaria àquele quarto, isso era uma certeza, o que só tornava todo aquele ambiente ainda mais melancólico e pesaroso para o ilusionista. Mas não interessava. Hiroko Ai havia lhe entregue a chave sorrateiramente após o julgamento por alguma razão. Ponderou um pouco sobre como ela havia obtido tal objeto – talvez tinha retirado o mesmo do bolso do próprio paparazzo sem que ninguém notasse? De qualquer forma, era óbvio que a ideia de Monokuma não era que os alunos pudessem entrar no quarto dos já falecidos após o respetivo julgamento, pelo que o sigilo era valioso. Mas o urso notaria em breve que algo estava errado, por isso era melhor que não se demorasse muito na sua pequena visita.

Deu uma volta pelo quarto. Porque é que a ativista queria que o garoto estivesse ali? Certamente não haveria muito motivo. Talvez fosse para fazê-lo sentir-se melhor. Mas isso só aumentava o vazio no seu coração. Era pensando nisso que Kyoishi avistou um pequeno bloco de notas no topo da mesa-de-cabeceira. Hesitante, pegou no mesmo e abriu-o. Poderia ter se surpreendido mais ao ver que o seu nome era a primeira coisa naquela página. Era uma lista de descobertas sobre o mesmo.

KYOISHI SATORU

Informações:

– Acho que ele tem a minha idade?

– Sexo masculino. Ao menos dessa merda eu tenho a certeza.

– Ele teve um tutor? Quem era ele?

– Desapareceu por 3 anos, os familiares não sabem de nada

– Ele tem hábitos estranhos, alguma lógica por trás disso?

– Traumas de infância? É possível?

– NÃO SEI NADA SOBRE ESSE FILHO DA PUTA

O ilusionista não conseguiu conter um sorriso ao ver a escrita apressada do loiro sobre o papel, obviamente feita de uma forma um tanto enfurecida, os riscos demonstrando a incapacidade do paparazzo de encontrar informações sobre ele. As páginas continuavam cheias de teorias, dúvidas, resultados de investigações inúteis, entre outros. Aparentemente, aquele bloco de notas era exclusivo para o ilusionista. Sentiu-se um tanto honrado, um sorriso surgindo nos seus lábios. No final, o bloco tinha páginas em branco – coisas que certamente em breve seriam preenchidas. Suspirou ao ver que acabara. Ia pousar o bloco quando subitamente notou alguma coisa saindo do final. Da última página. Uma fotografia.

A pequena folha caiu ao chão, com a imagem virada para cima. Era uma fotografia que Kyoishi e Eikichi haviam tirado uma vez antes de entrarem em Hope’s Peak, após um espetáculo de magia. O espetáculo no qual ambos haviam se conhecido, na verdade. Na altura, o ilusionista roubara a câmara do outro e tirara uma foto de ambos contra a vontade do loiro – que na fotografia demonstrava raiva, agarrado por Kyoishi e numa óbvia tentativa de escapar. O ilusionista achava que o outro nunca revelara aquela fotografia – na verdade, tinha quase a certeza que Eikichi a apagara logo após a foto ser tirada.

Sentiu-se um pouco desconcertado com a foto, um enorme pesar ao vê-la tomando conta de si mesmo. Ia coloca-la no lugar onde estava, não tendo mais vontade de estar ali, até que notou que o bloco de notas ainda tinha mais coisas escritas na última página.

– Ele adora Pockys de chocolate.

– Literatura antiga é a sua escolha predileta para leitura. Kyoishi adora ler.

– Ele desenha. E é uma bosta desenhando, mas eu gosto de ver. Mostra o quão louco ele é.

– Ele é uma pessoa solitária. Eu sei disso. Ele não tem realmente nenhum amigo de verdade -> NUNCA DEIXAR KYOISHI SOZINHO. Dica: Jogar cartas muitas vezes o anima. O chato é que eu perco sempre.

– O seu maior medo é deixar de poder ser ele mesmo. Evitar isso a todo o custo.

– Ele é um filho da puta, maldito, irritante, burro, estranho, imbecil. Ele precisa de ALGUÉM a olhar por ele -> Eu. Nunca abandoná-lo.

Porque é que não consigo tirá-lo da minha cabeça?

Apertou com força o pequeno bloco de notas e a fotografia em suas mãos enquanto lia as últimas coisas escritas por Eikichi. Lágrimas começaram a cair sem aviso prévio do rosto do ilusionista. O aperto no coração tirou-lhe as forças, fazendo cair sobre os joelhos ali mesmo. Ele não queria aceitar que nunca mais ouviria os gritos de raiva de Eikichi, as suas reclamações constantes sobre tudo e todos, o seu sorriso ao ver que estava perto de conseguir alguma informação importante e a sua frustração por deixá-la escapar. A sua companhia que sempre alegrava o seu dia. Kyoishi não queria viver num mundo sem ele.

– H-Hmm… – Fez-se ouvir uma pessoa atrás de si, num tom assustado. O ilusionista nem se virou para vê-la. Não queria saber dela, queria mandá-la embora, mas não conseguia arranjar a voz para dizer isso. Uma mão magra e feminina afagou-lhe o ombro enquanto que Ai se ajoelhava ao lado dele. – E-Eu… Desculpe. Eu só queria verificar se estava tudo bem.

Ela falava num tom de voz assustado e baixinho, mas preocupado. Parecia ter intenções de o abraçar mas recuava perante essa ideia. Não que Kyoishi notasse. A albina olhou para a fotografia e o bloco de notas, esboçando um sorriso ténue. Era isso que ela queria que ele encontrasse.

– E-eu… – Ela pegou nas mãos de Kyoishi, agarrando-as com força. – Eu tenho a certeza que… Ele gostaria que você soubesse… O quanto ele se preocupava com você… E-Então eu fiz isso.

O ilusionista não reagiu. Continuou olhando para a fotografia, que agora estava entre as mãos dele e de Ai, soluçando levemente com as lágrimas molhando toda a sua cara. A garota continuou falando.

– S-Satoru… Eu também tenho a certeza q-que Koji não gostaria de te ver assim! Com certeza ele quereria que você continuasse em frente. Que continuasse vivendo! N-não pode desistir, não mesmo! Não deixe que isso te destrua!

A garotinha abraçou-o subitamente, apertando-o com força.

– E-Eu sei que é difícil… Mas temos de manter a esperança. E todos nós precisamos de você, Satoru. Nós precisamos uns dos outros, tal como eles são. E esse é… Sem dúvida… O desejo de Koji.

O ilusionista ponderou um pouco naquelas palavras. O desejo de Eikichi seria que ele continuasse em frente? Que ele continuasse vivendo como Kyoishi Satoru? Era uma hipótese.

Não, não era apenas uma hipótese. Se ele mudasse, se ele sucumbisse ao desespero, deixaria de ser Kyoishi Satoru. Isso seria a última coisa que Eikichi quereria. E era isso que Ai estava mostrando para ele. Ainda há razões por viver. Abraçou-a de volta, sorrindo. Não era um sorriso alegre, mas também não era triste. Era de gratidão.

– Obrigado, Ai.

– E-Eu não fiz nada! Apenas te mostrei… O que Koji quereria que você visse…

Kyoishi continuaria lutando. Em memória de Eikichi.

– X –

O dia começou de uma forma um tanto pacífica. Ao sair do meu quarto, logo encontrei Satoru, que estava sentado num dos sofás, encarando uma colher com a máxima concentração. Ao aproximar-me dele, apercebi-me de que a colher estava lentamente dobrando sozinha. Era um truque mais ou menos conhecido… Pelo menos era, até que subitamente ele jogou a colher ao alto e o que caiu foi um ramo de flores.

– Hmm… – Comecei, decidindo mostrar a minha presença após algum tempo a observá-lo. – Oi, Satoru.

– Bom dia, Kimoto. – Dizia ele sem desviar o olhar das flores. – Como vai?

– Err, bem… E você? – Eu falei um pouco desconsertado com a aparente falta de interesse do ilusionista, que se levantou e foi até à porta de Koji. Posou lá o ramo e se virou para mim.

– Bem. – Respondeu com simplicidade. Mordi o lábio inferior, preocupado.

– H-Hey, se você quiser conversar sobre…

– Gato mia, coca-cola light. – Interrompeu, encarando-me com um olhar curioso. Ao ver a minha expressão confusa, suspirou, um pouco desiludido. – Algumas pessoas riem quando falo isso. Ainda não entendi porquê.

Após algum tempo de mais silêncio, ele me esticou um baralho de cartas.

– Elefantes não pulam. É uma vida triste, a deles… Mas se dermos um pouco de sol à menina indefesa, com certeza que os Estados Unidos vão parar com a inquisição. Hey, Kimoto. Escolha uma carta. – Disse ele. De certa forma, me senti um pouco aliviado com aquela atitude bizarra do ilusionista. Significava que os meus medos não se tinham realizado, ele realmente continuava o mesmo Satoru de sempre. Acenei afirmativamente, indo pegar numa das cartas até que subitamente fomos interrompidos.

– O andar de baixo está aberto. – Quem falava era Kurama, no seu habitual tom gélido e cortante, que tinha aparecido subitamente na entrada da sala comum. Não esperou muito tempo antes de voltar as costas e sair, sem esperar por uma resposta nossa. Olhei para Satoru, esperando uma reação dele, que encolheu os ombros e explodiu numa fumaça vermelha. Tossi um pouco antes de perceber que ele tinha sumido.

– H-Hey, Satoru! – Chamei para as paredes na esperança de que ele ainda estivesse ali perto, mas não obtive resposta. Suspirando, fui andando sozinho até às escadas da ala oeste. Como já imaginava, as escadas que antes tinham umas enormes grades impedindo a passagem estavam agora completamente acessíveis. Monokuma parecia estar nos dando uma “recompensa” sempre que alguém morria: um pouco mais de liberdade. Isso me enjoava profundamente.

Descendo as escadas, decidi pegar no meu ID de estudante e verificar o mapa, a fim de ter alguma ideia do que me esperava lá em baixo. O andar estava marcado como “Complexo Desportivo”. Após uma olhada rápida, vi que tinha um ginásio gigantesco, uma piscina e até mesmo uma “sala de tiro”. Queriam eles dizer tiro ao alvo? Assim que cheguei ao fim das escadas, encontrei Reiko saindo da porta logo à frente das escadas.

– Hey! Kimoto! – Disse ele num tom alegre – Já viu essa piscina? É GIGANTESCA! Perfeita para pescar, se quer saber!

– Uh, eu acho que não se pode pescar em uma piscina… Nem que haja peixes nela? – Inquiri, um pouco incrédulo. Reiko bufou, batendo com o pé num tom impaciente.

– Eu sei, cara. Poxa, você é sempre assim tão chato? Estava brincando. Não sou TÃO burro assim. – Após alguns momentos de silêncio, ele deu uma risada – Bem, talvez eu seja burro sim, mas não dessa forma!

Não cheguei a perceber se ele tinha orgulho do que dizia ou não. Talvez simplesmente não se importasse.

– De qualquer forma, não temos acesso à piscina em si por essa porta. Essa aqui só leva até às bancadas, que estão separadas do resto da piscina por uma parede de vidro.

– Oh, e como faz para entrar na piscina em si?

– Ainda não verifiquei, mas suponho que seja do outro lado. Deve ter acesso através dos balneários… Isso deve ter balneários, não? – Ponderou Reiko, pensativo – Ou talvez seja preciso se vestir na piscina em si, num cantinho! Hehe, certamente não me importava de ver a Tsubomi mudando de roupa…

– Ahem. Com certeza é através dos balneários, eu dei uma olhada rápida no mapa enquanto descia e acho que realmente tem algo do tipo. – Interrompi, antes que Reiko começasse a se babar enquanto imaginava coisas não muito decentes e pior, me fizesse pensar nelas também. Ele grunhiu qualquer coisa sobre o quão chato eu era e começou a andar. Decidi segui-lo até aos balneários. A entrada tinha duas portas, cada uma delas com um símbolo para, respetivamente, homem e mulher.

– Temos de mostrar o nosso ID de estudante para entrar, como com na arrecadação no andar de cima. – Disse Reiko calmamente após ver os mostradores. – Aposto que não podemos entrar no das mulheres.

Dito isto, ele tentou abrir o balneário das mulheres com o seu ID de estudante. Um som de negação fez-se ouvir e a porta não se abriu, confirmando as suspeitas do pescador. Ele suspirou antes ir até ao masculino e abrir a porta. Entrou e, logo depois, também eu entrei. O balneário era normal, com bancos para se sentar e chuveiros do outro lado de uma parede que dividia o local em dois. Havia também duas cabines que serviam de banheiro. Do outro lado da entrada, estava uma porta que dava para a piscina. Não nos demorámos muito, indo seguidamente para lá.

Era um lugar enorme. A piscina continha água cristalina, tão calma que parecia vidro. No lado direito, estavam as bancadas que, como Reiko havia dito, eram separadas da piscina em si por uma parede de vidro. Ao fundo havia ainda armários com provavelmente equipamento para limpeza e acessórios para utilizar na piscina e, num dos cantos, estava uma pequena sala naquele local enorme.

Fui até lá, olhando pela pequena janela que tinha na parede. Contudo, esta continha cortinas a cobrindo e não dava para ver o seu interior. Dirigi-me à porta e tentei abri-la. Não tive sucesso. Olhando por uma outra janela presente na própria porta, contudo, consegui perceber que se tratava de um pequeno quarto com computadores.

– Que estranho. O que é que um quarto desses faria numa piscina escolar? – Perguntei, franzindo o sobrolho com confusão. Reiko encolheu os ombros igualmente.

– Não sei. É que nem desconfio.

De certa forma, eu esperava que Monokuma pulasse do nada entre nós os dois para nos dar alguma explicação. Contudo, tal não aconteceu. Ficámos apenas ali tentando perceber o que poderia ser até que eventualmente desistimos. Saí da piscina, mas Reiko decidiu ficar para um mergulho.

Entrei na sala que ficava logo à frente dos balneários. Era uma sala cheia de cacifos, que preenchiam praticamente todas as paredes. Um pequeno balcão estava situado num canto ao lado da porta, como se fosse uma pequena receção, mas não estava ninguém lá. No centro da sala estavam uns sofás, onde se sentava Chiyeko com a sua habitual expressão de irritada. Quando me viu, suspirou.

– Se você pretende ir à sala de tiro – Começou, antes de eu sequer falar alguma coisa – Saiba que aquela sádica maldita está lá dentro. E que tem um monte de arma de fogo lá dentro.

– Sala de tiro…? – Inquiri, um pouco confuso. A justiceira acenou afirmativamente.

– Sim, nunca viu naqueles filmes de policiais algo do tipo? Aquelas salas onde se pratica a mira com armas de fogo. Certamente, também existem outro tipo de coisas lá dentro, como arcos, mas… É, coisas extremamente perigosas.

Ela levantou-se e dirigiu-se até ao balcão. Em cima dele estava uma campainha que fez questão de tocar, mas, obviamente, ninguém apareceu.

– Parece que era suposto estar alguém aqui controlando quem entra e quem sai. Mas, obviamente, NÃO TEM NINGUÉM. Porque estamos sozinhos nessa porra de escola.

– Upupu. Shizue Chiyeko tem razão, para variar. – Falou Monokuma, que estava atrás de nós. Demos ambos um pulo de susto ouvi-lo subitamente. Acho que ele fazia propositadamente para assustar todo o mundo sempre que aparecia. Qualquer dia alguém ainda tinha um ataque cardíaco com essas brincadeiras. – É de facto uma sala perigosa, e tudo o que me interessa é a segurança dos meus queridos estudantes! Eu sou um bom diretor!

– Tá, estou sem saco para suas tretas, urso de merda. – Cortou Chiyeko imediatamente – O que você quer?

– Aii! Quanto ódio acumulado nesse seu doce coração… Pensando bem, deixa para lá a parte do doce. – Ele levou as mãos à boca, abafando o riso antes de continuar – Bom, visto que a sala é perigosa, suponho que seja melhor deixá-la entregue aos cuidados de alguém. Eu diria que o representante de turma deveria cuidar disso, mas…

– Noooosssa, continue dando a chave para coisas perigosas para aquela empresária ridícula! Ela realmente precisa de mais motivos para ser uma assassina, né? – Resmungou a justiceira. Parecia que ela era impossível de agradar, especialmente desde o último julgamento. Supus que tivesse ficado particularmente chocada com a revelação de Kobayashi, tendo em conta que elas eram bastante próximas.

– Ahem. Como eu estava dizendo, a representante de turma já tem muito trabalho. Então eu dou a responsabilidade dessa sala a você, Isao-kun! – Ele rapidamente pegou numa chave e botou no meu bolso antes que eu pudesse contestar – Faça o que quiser para gerir as coisas aqui! ~

E dito isso, sumiu. Fiquei estático, pensando o quão em má posição eu ficara só por aquilo. Chiyeko me encarava, os olhos flamejantes, como se dissesse “eu não confio em você”, o que me fez engolir em seco.

– Hmm… A-Acho que vou… Trancar essa sala. É, não temos necessidade de usá-la mesmo. E guardar essa chave no meu quarto, onde ninguém poderá pegá-la…

– Então vai lá. Tranca. Pode deixar a KT ali dentro, ninguém se importa mesmo. – Resmungou Chiyeko. Olhei-a com reprovação e ela resmungou alguma coisa antes de se sentar no sofá de novo e cruzar os braços, amuada. Entrei na sala de tiro.

Era, realmente, igual ao que se via em séries de policiais e afins. Ao entrarmos na sala, tínhamos uma parede espessa de vidro entre nós e a outra metade da sala, com a finalidade de proteger o som dos tiros que nos podiam ferir a audição. Lá dentro, encontrava-se Kobayashi atirando em um alvo com alegria. Não acertava absolutamente nada, mas certamente estava gostando. Após algum tempo, as balas acabaram e ela teve de parar. Foi nesse momento que aproveitei para entrar e chamá-la.

– Hey, Kobayashi. Eu vou trancar a sala, temos que sair.

– O quêêê!? Mas Takane está se divertindo! Essa é a experiência mais próxima de matar alguém que ela teve em muito tempo! Apesar de queimar pessoas ainda ser mais legal, Takane também acha que armas como essas são muito, muito kawaiis!

Apenas esperei que ela parasse de falar aquelas atrocidades, não ligando realmente ao que ela dizia para o bem da minha própria sanidade. A loira eventualmente se apercebeu que eu não estava ouvindo e me deu o revólver que estava utilizando, indo embora.

Dirigi-me até ao outro lado da sala – aquele onde se chega primeiro ao entrar na sala, onde não se pode efetuar disparos e apercebi-me que as paredes de cada lado estavam repletas de armas. Não só de fogo, como Chiyeko tinha dito, mas também arcos com flechas. Era um autêntico arsenal, e um extremamente perigoso. Lá estava um local para pousar o revólver, no meio de outras pistolas e coisas semelhantes – nunca fora muito bom em distinguir aquele tipo de coisa.

– Hey, Kimoto! O que está fazendo? Não ia trancar essa sala logo? – Resmungou Chiyeko indo até mim e retirando o revólver das minhas mãos, pousando-o no respetivo suporte na parede – Vamos logo!

Verifiquei rapidamente se alguma das armas estava faltando e comecei a andar. Chiyeko, impaciente, me empurrou para a porta para me apressar, o que me fez cair de cara no chão.

– K-Kimoto!? – Chamou a garota, subitamente preocupada. Ela se aproximou de mim após um tempo, tentando ver se eu estava bem. Levantei-me um pouco zonzo. – Er… Desculpe. Não era suposto fazer isso. É que essa sala me dá enjoos. Você está bem?

O tom de preocupação dela me surpreendeu. Quando a encarei, ela estava corada, como que envergonhada pelo que me fizera. Acenei afirmativamente, tentando sorrir para fazê-la se sentir um pouco melhor.

– Não tem problema. Já percebi que você não gosta de armas. Vamos sair daqui logo e fingir que esse quarto nunca existiu.

A justiceira me encarou por uns momentos até que acenou afirmativamente, torcendo a ponta da sua blusa com um certo nervosismo. Após alguns segundos, murmurou algo tão baixo que eu mal percebia se tinha escutado direito.

– Obrigada.

Sorri e acenei afirmativamente, e saímos da sala. Tranquei a porta e guardei a chave bem fundo no meu bolso. Mais tarde esconderia a mesma algures no meu quarto.

Queria perguntar porque é que ela tinha tantos problemas com aquele tipo de coisas, mas após sairmos, Chiyeko e Kobayashi começaram a conversar – ou algo semelhante, porque parecia mais uma espécie de briga. Chiyeko xingava a fashion designer e mandava-a deixá-la em paz e coisas do tipo, enquanto que a outra apenas ria e continuava comentando como a justiceira era “kawaii”. Ainda tentei separá-las, mas não consegui, pelo que decidi sair dali. De qualquer forma, a sala com as armas já tinha sido trancada, por isso elas não podiam fazer nada com isso.

Após ter saído, encontrei Connor andando desesperado pelos corredores, uma expressão confusa no seu rosto enquanto ele mexia distraidamente numa das orelhas do seu gorro de pikachu.

– Ohh! Kimoto-kun! – Chamou ele animadamente após me ver. – Que bom, que bom! Eu estava achando que estava sozinho por aqui. Não vi ninguém desde que acordei… Se bem que eu acordei bem tarde hoje.

– É… Os dias depois dos julgamentos são sempre os mais estranhos. – Concordei – Nunca ninguém se reúne na sala comum como fazemos todas as manhãs porque estamos sempre todos demasiado em choque para isso.

– É… E esse ultimo caso foi a coisa mais chocante de sempre! Quero dizer, pensar que dois colegas nossos eram na verdade a mesma pessoa… Certamente já vi animes em que isso aconteceu mas nunca imaginei que pudesse existir esse tipo de coisas na vida real.

– Uh… Bom, agora temos esse novo andar. Parece que tem coisas para fazer desporto por aqui, principalmente. – Respondi, tentando mudar de assunto. Falar sobre aquilo me perturbava um pouco. – Estava agora mesmo indo visitar o ginásio. Quer vir?

– Oh, claro! – A alegria dele por ter sido convidado parecia ser palpável. Me senti até um pouco incomodado com a forma como ele começou saltitando como uma criança pelo corredor… na direção errada.

– Er, Connor. Segundo o mapa, o ginásio fica para o outro lado…

– Ah, é? Eu sabia! – Disse, rindo de uma forma nervosa enquanto passava a mão no cabelo. Pareceu decidir que não devia de mostrar tanto o seu entusiasmo, então só me seguiu em vez de ir em frente. Contudo, não calou a boca durante o caminho todo até ao ginásio – o que foi extremamente incómodo apesar de ter sido uma caminhada de apenas 2 minutos.

Quando chegámos ao ginásio, ficámos impressionados com a imensidão daquele lugar. Para começar, era um campo desportivo enorme, completamente equipado para qualquer desporto. Algumas bolas e afins tinham sido deixados ao longo do mesmo, como se as pessoas o tivessem abandonado a meio de um jogo. Depois, de cada lado do campo, estavam as bancadas. Eram muito altas – sendo necessário umas escadas para ir até lá – e em baixo delas haviam umas portas. Ao abri-las, percebi que eram armazéns para todos os utensílios para quase qualquer desporto que se pudesse imaginar.

– Que coisa… Gigante. – Murmurou Connor, completamente espantado – O da minha escola anterior não tinha nem metade desse tamanho.

– É… Obviamente quem construiu isso tinha muito, MUITO dinheiro. – Respondi enquanto analisava ainda mais o campo. No teto, lá em cima (tão alto que provavelmente chegava à altura do andar superior) estavam várias luzes que desciam, iluminando todo o recinto. Ao fundo, na parede, estava o símbolo de Hope’s Peak pintado por cima de um placar gigantesco que serviria para contar os pontos, equipado também com um relógio.

– Certamente. – Fez-se ouvir uma voz feminina atrás de nós. Eufrat Tsubomi e Hiroko Ai estavam ali, a primeira nos sorrindo com elegância enquanto a outra encarava os pés nervosamente. – A pessoa que fez isso precisaria de muito, MUITO dinheiro. O que só me faz pensar… Que isso deve ser a verdadeira Hope’s Peak.

– O quêê? – Falou Connor com uma expressão surpresa – M-Mas é impossível que eles estejam fazendo isso sem ninguém notar! Quero dizer, não tem mais gente trabalhando nessa academia? Professores e afins? E mais alunos, nós mesmos já ouvimos falar deles!

– Certamente. Mas, pense um pouco no assunto. A pessoa que fez isso tem obviamente muita disponibilidade financeira. E pessoas desse tipo não são propriamente desconhecidas. Quem tem dinheiro nesse mundo é conhecido e tem todos os seus movimentos sempre analisados por todos.

– De certa forma, eu entendo a onde Eufrat quer chegar. – Comentei, pensativo – Para alguém mandar construir uma coisa dessas… Bom, isso certamente iria chamar a atenção.

– Obrigada, Isao. – Disse ela, com um sorriso – E não é só isso. Imaginem a quantidade de mão-de-obra necessária para fazer algo desse tipo. É impossível fazer algo em segredo com tanta gente necessária… Simplesmente impossível. Acho que nem o próprio governo conseguiria fazer algo nessa escala sem chamar atenção…

– A não ser que eles tenham um estratega genial para fazer isso, não. – Comentou Connor, unindo as sobrancelhas enquanto cruzava os braços de uma forma pensativa. Nem ele pareceu se aperceber da sua própria insinuação pelo que subitamente abriu muito os olhos e nos encarou de uma forma surpresa. Fez-se um silêncio um pouco desagradável entre nós, que Eufrat logo quebrou.

– Oh, Ai desapareceu de novo. – Disse, num tom desagradado – Preciso de achá-la. Hoje de manhã encontrei-a inconsciente no refeitório. Ela não me quis contar porquê e recusou a minha ajuda depois de acordar, mas não posso deixar de me preocupar com ela…

E, dito isto, a empresária mordeu os lábios e se despediu de leve, saindo. Também eu e Connor saímos dali a pouco, após dar uma pequena volta ao ginásio (e encontrar uma sala semelhante à que eu e Reiko vimos na piscina, também esta trancada e sem quaisquer explicações perante o que aquilo seria).

Fomos para o último lugar que tínhamos a visitar: uma pequena sala de aula ao lado de um dos balneários do ginásio. Lá dentro encontrámos Teemu e Akatsuki… Conversando animadoramente. Não imaginei que a estratega podia alguma vez ser assim até tê-lo visto pelos meus próprios olhos.

– Sério? Você NUNCA foi a uma festa? – Perguntou Teemu, franzindo o sobrolho. A outra acenou negativamente. – Bom… Eu já fui a várias. De vários estilos, incluindo coisas de povos indígenas que eu não tenho a certeza se são realmente festas ou não. De qualquer forma, me diverti em maior parte delas.

– Nunca tiv’a chance. – Disse a outra, no seu tom natural grosseiro. Contudo, dessa vez soava ligeiramente mais amigável. – Mas adoraria participar d’uma.

– OPA! OPA! FESTA? ALGUÉM FALOU EM ~FESTA~? – Aquela voz… Não bastava apenas uma vez naquele dia. Tinha que ser outra.

Monokuma aparecera na sala.

Ele corava com entusiasmo, abanando a anca de um lado para o outro de uma forma grotesca, como se fosse um desenho animado.

– Eu ADORO festas! São tão excitantes… E depois os alunos fazem coisas perversas que… Uff! Até fico com calores! Mais calores do que quando como mel quente pela manhã! Meu coração de urso palpita por essa festa! Está decidido! – Ele esticou a mão ao alto – EU DECLARO A OBRIGAÇÃO DA REALIZAÇÃO DE UMA FESTA NOS PRÓXIMOS DIAS!

– Você quer c’a gente faça… uma festa? – Inquiriu Akatsuki, num tom desconfiado. – Cê tá planeando alguma coisa, né?

– Eu!? Nada disso! Eu só quero que vocês desfrutem a ocasião de estarem aqui presos sem chance de escapatória e completamente condenados a matar ou ser mortos em pleno! Upupu! Será tão divertido que mal posso esperar! Então, está dada a ordem! Têm uma semana para planeá-la e mais outra para executá-la! Até!

E ele deu um pulo, sumindo num alçapão, como sempre.

– Nossa, mas que forma legal de arruinar o ambiente. – Comentou Teemu, torcendo o nariz em desagrado. Akatsuki acenou afirmativamente, concordando. Só aí é que eles se aperceberam da nossa presença.

– Oh. Olá, Kimoto, Connor! – Cumprimentou o loiro, com um sorriso amigável e calmo. – Não vos vi entrando, desculpem.

– Ah, não tem problema. – Falei, encolhendo os ombros. – O que acabou de acontecer aqui…

– Foi o que cê viu. Temos d’organizar uma festa. A gente depois fala cos outros.

Suspirei, dando finalmente uma olhada à sala em si. Parecia uma sala de aula comum. Algumas folhas estavam num dos armários. Quando olhei para elas, vi que eram papéis de táticas de jogos e afins.

– Como pode ver, isso parece uma sala mais para estabelecer táticas e afins para jogos competitivos do que propriamente uma sala de aula comum. – Comentou Teemu, observando-me a pegar nos papéis. – Não tem grande coisa de especial por aqui. Como sempre, nem uma única dica de como sair daqui.

– Val’a pena pra nós ir com os outros falar do qu’encontrámos, sequer? – Inquiriu Akatsuki – Essas coisas são mó desnecessárias. Nunca encontramos nada.

Seriam mesmo? Será que não podíamos encontrar nada de importante nas nossas buscas? Monokuma realmente parecia ter tudo aquilo cuidadosamente analisado antes de nos liberar mais algum espaço para passearmos dentro da academia. Mas não custava nada tentar, né?

Ponderei um pouco sobre o assunto e decidi sair do quarto enquanto os outros ficavam conversando. Haviam muitas coisas que tinha dito que me haviam feito pensar. Estava andando distraidamente quando alguém me chamou.

– Kimoto. – Era Kurama. Ela me encarava com uma expressão apática e indecifrável, como sempre. Contudo, uma coisa eu tinha a certeza: Ela estava sempre muito atenta a tudo o que se passava. – Algum problema?

– Ah… Nada. Estava só pensando na nossa situação…

Kurama se encostou a uma parede do corredor, nunca desviando o olhar atento de mim.

– Hm. E em que você está pensando?

Não respondi, porque a minha mente não conseguia se concentrar em apenas um detalhe. Me lembrava de várias coisas ao mesmo tempo. Das várias vezes em que pessoas que considerávamos nossos amigos – Evan, Kayo/Suzuki, Kobayashi – nos enganavam, da impossibilidade de estarmos em Hope’s Peak e, ao mesmo tempo, da impossibilidade de NÃO estarmos na academia, de quem poderia estar controlando Monokuma, do porquê dessa situação, do que acontecera com minha família… Todas essas dúvidas e muito mais surgiam na minha mente com uma frequência cada vez maior. Seria isso o tal “desespero” que o urso queria cravar nas nossas mentes? Kurama não pareceu precisar, contudo, das minhas palavras para compreender o que me atormentava.

– Você sabe… Às vezes o melhor é não pensar muito. Eu também sofro desse mesmo problema, de pensar demais. – Comentou ela, encarando as unhas com uma aparentemente calma. Só que o seu olhar demonstrava uma profunda mágoa, coisa que eu nunca notara até então. – Nesse momento, essa situação é algo que não vamos conseguir compreender. Por muito que tentemos, não vamos. Foi a essa a conclusão que eu cheguei e acredite, eu odeio não compreender as coisas.

Calou-se. Kurama não era uma pessoa muito sociável, disso eu sabia. Por isso pude apenas imaginar quantas voltas ela deve ter dado no seu cérebro para escolher como proferir aquelas palavras.

– Você já ponderou… A hipótese de termos um espião dentro de nós? – Perguntou Kurama num tom muito baixo, quase inaudível, como se tivesse medo que alguém além de mim a escutasse. Encarei-a numa expressão incrédula. – De um de nós… Ser um traidor?

Não respondi. Apenas esperei que ela continuasse, o que pareceu deixá-la um pouco mais incomodada. Naquele exato momento as palavras de Connor no ginásio regressaram à minha mente…

A não ser que eles tenham um estratega genial para fazer isso…

Certamente, um bom estrategista conseguiria criar todo aquele ambiente com uma certa facilidade. E nós tínhamos uma estrategista no nosso grupo. Por outro lado, a pessoa mais provável para nos trair seria, de facto, Takane. E a pessoa que conseguiria arranjar fundos para toda essa construção, alimentar-nos diariamente e todo o equipamento presente no edifício era Eufrat. Mas todos os outros eram também Super High School Level Students. Seria tão difícil assim para qualquer um deles criar algo assim? E se, realmente, havia um traidor, mas este já tenha falecido?

– O único problema dessa teoria é… A quantidade de pessoas capazes de ser o nosso suposto “traidor” é demasiado grande. – Comentou Kurama, suspirando – E de certa forma, desconfiar uns dos outros não vai ajudar em nada. Apenas piorar a nossa situação.

– E-Eu… Não quero desconfiar de ninguém. – Concordei. Contudo, aquela dúvida pertinente que Kurama havia brotado no meu coração adicionava-se a todas as outras já previamente criadas.

– Desculpe, Kimoto. Essa conversa foi um erro… Não nos ajudou em nada, pelo contrário. De verdade, desculpe.

E assim sendo, a Génio se afastou. Observei-a a abandonar o corredor por um tempo… E suspirei também. Naquele dia não consegui mais conversar com ninguém, pelo que me isolei, pensando sempre nas coisas que haviam sido comentadas ao longo do dia. No final, decidi que não conseguia desconfiar de ninguém, nem mesmo de Kobayashi. Simplesmente havia algo que não batia certo em qualquer um deles ser o assassino.

–X–

Os dias passaram.

Continuámos vivendo, como tínhamos feito até então, só que com menos três – ou melhor, duas – pessoas do que tínhamos antes. Tal como Monokuma mandara, decidimos preparar uma festa no anfiteatro. Foi, de certa forma, uma coisa para nos distrair da situação em que estávamos e nos conhecer uns aos outros de forma melhor. Cada um ficara com uma parte da preparação: Satoru com a animação, juntamente de Connor que aceitara (ou melhor, exigira) tomar parte como assistente, Ai e Eufrat com a decoração (Eufrat insistira que apenas ela era qualificada o suficiente para decorar uma festa daquele tipo), Reiko cuidara da comida, sobre a supervisão de Chiyeko que dizia que “não confiava em ninguém para fazer comida para ela naquele lugar sem ela ver tudo”, e finalmente eu, Akatsuki e Kobayashi ficámos com a árdua tarefa de limpar tudo e de ajudar em qualquer tarefa que os outros precisassem.

Estávamos a dois dias da festa, todos nós trabalhando arduamente para deixar tudo bonitinho, quando subitamente Monokuma apareceu em todos aqueles monitores espalhados pela escola, avisando que tínhamos de ir até à sala comum. Tremi de medo com aquela notificação, já esperando o pior. Juntamente com outros, saí do anfiteatro silenciosamente e nervosamente, como que caminhando para o meu próprio funeral.

Sentámo-nos todos na sala comum. Quanto mais tempo passávamos em Hope’s Peak, mais eu detestava aquela sala. Um lugar que antes era acolhedor e agradável começava a só trazer más memórias para todos nós.

De como Kayo usou o truque das portas para arranjar um falso álibi.

De como aqui foi o lugar onde Natasha morreu.

E de como, naquele momento, estávamos todos ali sentados à espera que Monokuma nos entregasse um novo motivo para nos matarmos uns aos outros. Ninguém falava. Na verdade, eu tinha dúvidas que alguns de nós sequer respirassem, de tão mórbido que estava o silêncio ali dentro. Subitamente, as luzes se desligaram. Sons de surpresa fizeram-se ouvir de algumas pessoas, mas logo se calaram quando os televisores da sala se ligaram todos ao mesmo tempo.

Inicialmente, era só estática. Depois a imagem foi lentamente se focando até conseguirmos ver o que parecia um corredor, muito semelhante aos corredores de Hope’s Peak – as janelas completamente cobertas por gigantescas placas de metal, as cores das paredes – só que, ao contrário dos que nós passávamos todos os dias, estavam completamente escuros. Na verdade, a câmera em si estava claramente no modo de visão noturna, pelo que se podia notar que a única luz proveniente para quem lá estivesse era de uma pequena luz que se ligava e desligava num ritmo inconstante, indicando mau funcionamento. Parecia que estávamos olhando para um filme de terror na própria academia.

Subitamente, vimos um vulto. Inicialmente, todos se inclinaram para ver melhor quem era. Também eu o fiz. Era uma mulher alta, de seios fartos e loira, de aspeto estrangeiro. Andava de uma forma insegura, olhando para os lados com cautela e de mãos ao peito. A sua expressão era de assustada. Subitamente, um outro vulto saído das sombras se jogou para trás dela e apunhalou-a sem qualquer piedade. Esse vulto era…

– P-PAI!? – A voz de Kurama fez-se ouvir, soando anormalmente preocupada e emotiva. – O QUE ESTÁ ACONTECENDO?

A imagem mudou após vermos o homem deixando o corpo da mulher caído no chão. Dessa vez, uma garotinha escondia-se em baixo de uma mesa, aparentemente de uma sala de aula. A criança chorava e tremia, o som claramente ampliado para que ecoasse na nossa cabeça como uma música fúnebre. Contudo, o ruído atingiu mais a Reiko, que ficou estático enquanto murmurava algumas palavras para si mesmo.

– Akira… O que você…?

Uma mulher ruiva aproximou-se da mesa onde a garotinha estava escondida. Segurava em suas mãos um enorme facão com o símbolo de Hope’s Peak brilhando com a fraca luz presente na sala. Ela estava ouvindo o choro da criança, com certeza. Num movimento rápido e conciso, lançou o braço para baixo da mesa e agarrou a criança, puxando-a para cima pelos cabelos. O choro dela virou gritos desesperados enquanto a mulher aproximava o facão do seu pescoço.

– NÃO! AKIRA! AKIRAAAA!!! – A cor desapareceu completamente do rosto de Reiko quando ele viu a criança se debatendo para escapar, um fio de sangue já correndo do seu pescoço. Após observá-la por mais uns momentos, a mulher ruiva bradou o facão, o sangue jorrando em várias direções e os gritos desaparecendo como se tivessem mutado o vídeo. O corpo da garotinha caiu no chão, sem vida. Reiko também caiu no chão, as lágrimas lhe caindo no rosto sem parar, o maxilar inferior tremendo espontaneamente.

– Q-QUE MERDA É ESSA!? – Soltou Connor. Aparentemente, ele também já tinha chegado à mesma conclusão que eu. Aquelas pessoas no vídeo…

…eram familiares e amigos nossos. Em suma, as pessoas importantes para a nossa vida.

Engoli em seco. Os vídeos continuaram a passar. Uma mulher com trajes ricos era brutalmente assassinada por uma outra com roupas mais simples e casuais, com um símbolo da paz nas costas do casaco. Tentei fazer a conexão das pessoas que eu via no vídeo e os meus colegas… Não, não conseguia fazer isso. Não conseguia me concentrar. Só estava rezando para que não aparecessem ELES. Contudo, minhas preces não foram ouvidas. Logo aparecia Kenta. Ele tremia. À frente dele, estava a minha mãe.

O som estava desligado. Ele mexia os lábios mas não conseguia perceber o que ele dizia. A minha mãe chorava, agarrando a mão livre do meu irmão, como se fizesse um pedido. Certamente, estava pedindo por misericórdia. Só podia ser isso. Tendo em conta tudo o que eu vi, era óbvio que todos estavam se matando uns aos outros. E então, meu irmão ia matar minha mãe. Só podia ser isso. Que desesperante.

O som voltou a tempo de ouvir o grito de Kenta ao cravar um facão com o símbolo de Hope’s Peak no peito da minha mãe. Um grito como que em fúria. Completamente animalesco e grotesco.

Não gritei como os outros. Não me debati, não chorei, não fiz nada. Apenas me limitei a recostar-me no sofá, a cabeça baixa, tentando processar o que estava vendo. Sei que o vídeo continuou. Um a um, quase todas as pessoas ali presentes tiveram uma reação que demonstrava que os seus entes queridos haviam aparecido naquele “filme de terror”. Talvez algum tivesse a sorte de não ter ninguém ali. Talvez KT não tenha sequer se importado com isso. Não me interessava. Eu só sabia que, naquele momento, eu não queria matar ninguém.

Eu queria muito, muito morrer eu mesmo.

Porque é que ele fizera tal coisa? Porque é que Kenta mataria minha própria mãe, com aquele olhar de ódio espelhado no seu rosto? O que é que eu fizera para merecer isso? Kenta sempre fora o meu irmão mais velho, aquele que me guiara. Aquele que tomara o papel de um pai para mim. Contudo, ali estava ele. O que acontecera? Porque é que eles estavam fazendo tudo aquilo? Levantei o olhar ao notar que o silêncio tomara conta do quarto. Quase todos os rostos apresentavam um choque semelhante ao meu. Ai estava escondida entre sofás, tapando os ouvidos e fechando os olhos, lágrimas caindo do seu rosto. Eufrat mantinha a mão sobre os lábios, parecendo que congelara naquela posição. Connor estava numa posição semelhante, só que com uma expressão de pânico mais marcada e arfando como se tivesse corrido uma maratona. Reiko tremia, abraçando-se a si mesmo com as lágrimas caindo sem parar. O som dos soluços de Kurama, que estava num canto escondendo a cara, gemendo míseros “porquê” subitamente fez-se ouvir várias vezes. Teemu enterrara, também, a cara nas mãos, tremendo compulsivamente. Akatsuki estava indecifrável. Andava de um lado para o outro entre dois sofás, com a mão na cabeça, murmurando coisas para si mesma demasiado baixo para eu conseguir ouvir. A expressão parecia um misto de nervosismo, raiva e terror.

Satoru e Chiyeko, contudo, não pareciam tão chocados ou aterrorizados quanto os outros. Pelo contrário, Chiyeko parecia ter aumentado ainda mais a sua inesgotável raiva por Monokuma e o ilusionista encarava o televisor que agora demonstrava um rotativo símbolo de Hope’s Peak com uma expressão sombria e de, também, irritação.

Isso era desespero. Puro desespero que nos foi apresentado da pior forma possível. Tive vontade de vomitar, de me esconder, de me matar. Como era possível a Monokuma mostrar-nos coisas tão horríveis e chamá-las de “motivo”? E quem é que no seu perfeito juízo teria capacidades e a loucura para cometer tais atrocidades?

Inspirei fundo, tremendo. Após algum tempo, Chiyeko berrou o que todos nós queríamos acreditar.

– ESSA MERDA NÃO PODE SER REAL! É FALSA! – Dizia ela, o lábio inferior tremendo compulsivamente enquanto os olhos saltavam de um lado para o outro tão ferozmente que ameaçavam saltar das órbitas, procurando o urso. Este apareceu no meio do quarto, vindo do nada como sempre. Parecia divertido.

– Upupu. Isso é tão real quanto vocês podem imaginar! – Confirmou, dando uma gargalhada desagradável logo depois – Porque é que a reação é sempre de negação? Por alguma razão, vocês sempre preferem fingir que nada aconteceu a aceitar os factos… Sinceramente, serão mesmo a esperança da nação com uma atitude assim?

Ninguém respondeu, nem mesmo Chiyeko. Ficaram todos olhando para o urso enquanto este continuava. O seu “olho” vermelho brilhou e a sua voz ficou mais grave.

– Isso é real. Completamente real. Eu chamaria a esse meu trabalho um filme de terror… Com filmagens reais. Preferem receber uma PROVA? Upupu, algo me diz que não.

Só de imaginar o que poderia ser aquela “prova”, engoli em seco. Era tudo menos o que eu queria. Dei por mim a tremer de nervoso, mas não era o único.

– Yahooo! – Concluiu o urso com um tom alegre, descontextualizado do ambiente que se tinha instalado. Aterrorizante, era tudo o que eu conseguia pensar sobre isso. – Então é isso! Agora que estamos esclarecidos, vou comer o meu mel. Kisses!

E sumiu. Ninguém falou mais nada o resto do tempo, nem mesmo Takane, que tinha ficado calmamente pintando as unhas enquanto tudo acontecia. Eventualmente, fomos todos para o nosso quarto.

A sensação de que um assassinato iria ocorrer estava próxima. De algum jeito, Monokuma sempre conseguia convencer alguém a fazê-lo. Será que dessa vez também…?

Dormir foi difícil, devo ter ficado horas acordado. Eventualmente, o cansaço venceu e eu caí num sono desagradável e repleto de pesadelos.

E, mesmo assim, eu preferia não ter acordado.

????

Porque é que as minhas lágrimas caiem apenas agora que me lembro deles? Afinal, eu desistira de tudo. Incluindo dos meus melhores amigos.

Agora não tenho ninguém aqui perto para me ajudar. Contudo, eles me esticaram a mão para fazê-lo outrora. E eu decidira traí-los. Quão triste é essa sensação que me atormenta o peito agora que, através do televisor velho, observo os alunos desesperando com os novos motivos de Monokuma?

O pior de tudo não foi apenas a traição. Porque tal não acontecera apenas comigo. O pior de tudo é que, definitivamente, no meio dos alunos, está uma pessoa que não deveria existir: Eu. “Eu” desesperava junto deles. “Eu” também chorara e fizera parte dos Julgamentos, como um deles. Contudo, “eu” é apenas uma cópia, um duplo de mim. Quero que eles notem, que notem a falsidade do “eu”… Mas no meio de uma turma inteira de mentiras, como é possível que percebam tal coisa?

Na minha frente, com um sorriso distorcido, estava a figura que controlava nada mais, nada menos que o próprio urso. De certa forma, essa pessoa era aquela que todos chamariam de “puppetmaster”.

Era graças a ela que tudo isso estava acontecendo. Era aquela pessoa que me tinha prendido naquela sala, incapaz de fazer qualquer coisa contra o desespero que afligia os meus colegas. Puppetmaster ria, e, após algum tempo, eu ria também.


Somos todos seres nojentos e repulsivos, afinal.


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo teve de tudo. Teve feels, partes engraçadas, morte, desespero, mistério e... Enfim, de tudo.

Btw, a grade deve ser atualizada com o novo aluno-mistério em breve (se é que isso não aconteceu já). Also, tem um novo pormenor nela - clique nos talentos de cada personagem para saber quem o criou! Uhu!

Até ao próximo! c: