Ilusões escrita por Ryoko_chan


Capítulo 1
One-shot




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Ilusões

 

Os seus olhos mais pareciam vidro, mirando apagados as luzes noturnas da cidade. Se Paris já era considerada normalmente a cidade mais brilhante do mundo, imagine como ela ficava no natal.

Ofuscante.

Criar uma verdadeira maravilha para ser apreciada por turistas: era essa a única função de todas aquelas lâmpadas e enfeites. O que havia acontecido com a religiosidade atrelada ao dia do nascimento do messias?

Havia sido engolida pelo consumismo e pelos quase quatro milhões de ateus daquele maldito país.

Mas antes que Jacques pudesse criar em seu coração qualquer revolta contra aquele bando de infiéis que haviam profanado um dos mais belos festejos cristãos, a lembrança de que sua alma não mais poderia se unir a Jesus conferiu-lhe um grande desânimo.

Sempre sentia-se assim no Natal, pois havia sido em um Natal, há muitos anos, que ele havia decidido dedicar-se a Deus e unir-se ao sacerdócio.

Assim como fora em um Natal, há muitos anos, que ele havia se separado definitivamente de Deus, deixando de ser filho Dele para unir-se a uma profana corja de amaldiçoados.

-Posso saber no que estás pensando, padre? –A voz suave e brincalhona o tirou de seus devaneios.

-Já disse que não sou padre. Não mais... –Jacques respondeu com pesar e aspereza, disfarçando sua surpresa em ver seu senhor diante de si. –Como você entrou?

-Já deverias saber que sou como o espírito natalino. Acabo por entrar nas casas mesmo sem ser convidado... –Disse com seu típico cinismo, caminhando na direção do outro. Suas vestes eram negras, tal qual as luvas de couro que sempre cobriam suas mãos. Os olhos verdes eram o único contraste para a pele morena, esta proveniente de sua descendência de... Algum lugar do Oriente Médio, provavelmente.

Josué nunca falava muito a respeito de si.

-És como um ladrão, Ravnos, sabotador imundo, que vem sempre roubar meu sossego, isso sim.

O moreno riu, e foi então acariciar os finos cabelos loiros de Jacques, o qual imediatamente se esquivou do toque.

-Ainda temes os pecados da carne, padre?

-Não deveria temer?

-Acho que quem vive bebendo o sangue de seus irmãos não tem porque temer um toque...

-Lembre-se que foi você que me transformou... Nisso...

-E eu me orgulho. –Respondeu sorridente, pegando o rosto do loiro entre suas mãos, forçando-o a encarar-lhe.

-Diga logo, o que queres de mim?

-Companhia. Acho que foi para isso que te transformei... Foi há exatamente 100 anos, não foi?

-Não queres passar o natal sozinho? –Provocou, um leve sorriso zombeteiro surgindo em seus lábios pálidos.

 -Não... E quero também comemorar meu aniversário...

-Nasceste no Natal? –Jacques perguntou surpreso.

-Sim e não. Pode-se dizer que sim, embora o dia não fosse exatamente esse.

O loiro olhou desconfiado, mas logo voltou a olhar pela janela, fazendo pouco caso.

-Sabes que não mais me impressiono com as tolices que me falas.

-Por que consideras minhas palavras tolices?

-Porque seria loucura acreditar em um enganador como tu.

-Falas de meus truques e ilusões?

-De que mais seria?

-Bem, deverias rever teu conceito, então... Pensa em como ilusões bem feitas podem impressionar multidões, cativando-as, fazendo com que palavras se espalhem e doutrinas se eternizem.

-Falas de manipulação.

-Não. Falo de fé. Falo de peixes, vinho e passos sobre o mar.

-Cristo? –Jacques exclamou assustado. –Estás insinuando que Jesus era um enganador?

-Faria diferença se ele fosse um? O que mais vale, a divindade ou a vontade de espalhar o bem? –Perguntou com um sorriso bondoso.

O loiro não respondeu, e pôs-se então a olhar atentamente para as luvas de Josué. Desde que haviam se conhecido, jamais o vira sem aquelas luvas – embora que chances não lhe faltaram, uma vez que o moreno vivia lhe convidando para momentos íntimos.

-Então, o que me dizes de usarmos nossos poderes de iludir para algo positivo hoje?

-O que pretendes?

-Tenho um bando de presentes no meu carro... O que você achar de procurarmos algumas crianças e fazê-las voltar a acreditar em Papai-noel?

Jacques baixou a cabeça, dando um pequeno sorriso de consentimento.

E enquanto desciam pelo elevador, o loiro não conteve sua curiosidade:

-Quantos natais tu já viste, Josué?

O moreno apenas sorriu, e então respondeu, cínico:

-Tantos quanto a humanidade, padre.


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Notas finais do capítulo

Notas:
Ravnos são um clã de vampiros de origem cigana, conhecidos e vistos com desconfiança por causa de suas habilidades em criar magníficas ilusões.
Josué seria a pronuncia para Yeshua, o nome aramaico de Jesus.
Enfim, essa foi a fic mais BIZARRA que já escrevi u_u



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