O Dente-De-Leão escrita por Sarah LS Karafiol


Capítulo 1
O Dente-De-Leão


Notas iniciais do capítulo

"O destino não vem do exterior para o homem, ele emerge do próprio homem."
—Rainer Rilke



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Aquela cena até parecia uma bela pintura enfeitando o mundo cinza.

Uma multidão vestida de preto andava por todo o terreno, alguns se ajoelhavam e enfeitavam a grama com flores. Flores para seus entes queridos que partiram, não deixando nem mesmo um bilhete para comunicar que ficariam bem. Contudo, um alguém fora esquecido, sem a presença de uma alma para levar-lhe flores.

O barulho do sino da pequena capela ecoava por todo aquele cemitério. Bem naquele momento estava sendo posto para de baixo da terra mais uma vítima da cruel humanidade. Porém, esse homem, do qual seu futuro era sob o solo seco, não possuía amigos e nem família. Fora alguém muito sozinho e sempre preferiu criticar a acreditar num ser humano, talvez ele tivesse razão, não se sabem, entretanto, suas atitudes tiveram consequências severas.

Ainda não era Dia dos Finados. Mas o céu escuro da noite já trazia as estrelas para consolar aqueles que apareceram na véspera só para poderem passar mais tempo com seus perdidos amigos.

Logo o sol nasceria e a multidão se tornaria maior, mais escura e mais flores para decorar a grama molhada pelos pingos da chuva que cessara há pouco tempo.

E assim ocorreu, a Lua encantadora foi-se embora e deu espaço para aquele Sol de amarelo fraco, mas que seus raios poderiam aquecer o coração das pessoas.

Lágrimas encharcavam o rosto de muitas criancinhas. As pobres coitadas não entendiam que a morte não era tão ruim, elas não queriam permitir que a morte os abraçasse, os aquecesse e mostrasse o quanto era desnecessário chorar por alguém que já se fora.

A tarde não demorou muito para tomar posse do dia, e os raios de sol se tornaram mais quentes, porém, o vento também queria participar daquele cenário. Por esse motivo, os longos casacos escuros que cobriam muita gente, balançavam de um lado para o outro, e os cabelos soltos das mulheres pareciam se misturar com algo impossível de se descrever.

Uma jovem atravessava solitariamente os campos do cemitério. A desconhecida não possuía ninguém para visitar, nem mesmo para pôr a tulipa vermelha que carregava consigo, apenas tentava sentir as dores de outras pessoas, pois era jornalista e queria escrever uma grande reportagem, da qual ficaria marcada na vida de todos. Uma reportagem que conseguisse mexer com os sentimos e ao mesmo tempo alegrar cada cidadão que perdera alguém importante. Mas o que escrever? O que escrever em uma cena assim?

Não parecia justo deixar uma flor a alguém desconhecido, pois não conseguiria escolher para quem entregar a Tulipa. Entretanto, também não parecia justo levar a flor embora para casa e que logo secaria e morreria, sem enfeitar um pedacinho do mundo.

Sem perceber, a jovem já estava perdida em seus próprios pensamentos, até que tropeçou numa senhora não tão velha e, talvez, só desgastada com o sofrimento de uma vida. Ela se encontrava agachada rente uma sepultura, e a jornalista sabia de quem era aquela sepultura; pertencia ao homem da noite anterior, o qual ninguém gostava e pareciam aliviados com sua morte. No entanto, havia alguém chorando por aquele ser.

Dizem que o futuro nos prepara muitas coisas, e que, chegado a hora, ele nos revela o esperado.

Naquele instante, parecia um abuso não entregar a flor vermelha para a senhora, por isso a jornalista se agachou, com muito cuidado e delicadeza, e pousou a Tulipa ao lado da mulher, não estava querendo chamar atenção, e muito menos explicar algo.

Minha cara, por que dar-me uma flor tão bonita?

A jornalista quase conseguira passar despercebida, e agora, que tinha falhado, não poderia ir embora sem dar explicações, o problema era que, de fato, não havia explicação.

Eu... Não sei. - A sinceridade sempre foi a melhor companhia, e a jovem sabia disso e concordava plenamente.

A mulher parecia acabada, carregava no olhar um sentimento de culpa e solidão. Ela não se importou com a resposta da jovem, apenas tomou a Tulipa para si e levantou-se.

Qual é seu nome, minha querida?

Sou Abigail Lane, mas pode me chamar de Abby.

A senhora abriu um sorriso simpático.

Abigail Lane, uma das maiores jornalistas que o mundo já conheceu... Fico contente em poder conhecê-la.

Abby não sabia como reagir, não conhecia aquela mulher, e também não se achava uma grande jornalista, era somente mais uma no meio de tantos. Como poderia ser diferente?

Abby, será que você me acompanharia até aquele velho banco para sentarmos e conversarmos um pouco? – Definitivamente aquela mulher era cheia de perguntas, todas muito estranhas, sem nexo. Porém, não faria mal a ninguém sentar-se um pouco, pois se o mundo inteiro tirasse um tempo para sentar e conversar, logo perceberia que há muitas pessoas precisando de ajuda, inclusive nós.

Abigail não respondeu, não era necessário; fez um leve sinal mostrando concordância, e as duas foram caminhando e se esquivando do forte vento. Quando chegaram ao banco - que era realmente muito velho - fizeram como tinha sido combinado: conversaram por um longo tempo. Abby descobriu que aquela senhora chamava-se Dora Hout, a qual vivera casada escondida com o homem cujo todos não suportavam.

Mas por que ninguém sabia desse casamento?

Ah querida, algumas coisas devem ser mantidas somente nos corações de quem viveu a história. Posso apenas afirmar que nem sempre o amor é aceito por aqueles que estão de fora; as pessoas julgam e te machucam com palavras, e John, meu belo marido, queria evitar tais ofensas.

Abigail ficou pensando naquilo, ainda tinha vinte e três anos, tão jovem como um botão, não sabia direito sobre a arte do amor.

Acho que ainda não sou madura para compreender.

E novamente, a senhora sorriu, esboçando lindos dentes.

Abby, você conhece uma história sobre flores? – Dora falava de um jeito mágico, queria sempre manter o mistério, e, talvez, esse fosse o mistério da vida.

Não, senhora. Não conheço muitas histórias além de noticias sobre esse mundo perturbado. Parece que em um mundo agitado nem sempre há espaço para coisas pequenas, mas bonitas. Como, no caso, as flores.

Dora acenou com a cabeça e concordou.

Deixe-me então lhe contar uma história. – Ela deu uma curta pausa, esperando a permissão de Abby, entretanto, com a jovem ficou silenciosa, acreditou que aquilo era um sim. – Há muito tempo, dois jovens se conheceram por acidente, e, por ironia do destino, se apaixonaram. Eles viviam intensamente um amor tão profundo que causava inveja no coração de muitos, entretanto, o casal não foi aceito pelo seu povo, pode ser antiquado isso, mas mesmo em um mundo moderno, a humanidade ainda insiste em cometer os mesmo erros do passado. Como a união dos dois foi rejeitada, a única saída era fugir, e assim foi feito, eles fugiram para outro lugar bem distante da sociedade.

Dora parou, seus olhos se encheram d’água, e, por um momento, Abby pensou que a história havia terminado.

Então, os dois se casaram. Porém, a história não começa aqui... Todos os dias, durante muitos anos, o homem, o marido, trazia uma flor para sua mulher, não deixava passar um dia sequer, pois mesmo sendo tão fechado, acreditava que uma flor podia dar forças. E a mulher admirava essa atitude de seu amante, sentia-se contente, alegre, e como previsto, retribuía seu amor. Com o tempo ela descobriu que estava grávida e ficou muito animada com a notícia. Acontece que acidentalmente ala abortou, e entrou em uma profunda depressão. O marido tentava a consolar, contudo, parecia impossível botar um sorriso no rosto dela, até mesmo trazendo as mais belas flores. – A senhora suspirou, novamente, e continuou. – Um dia, depois de longos anos de tristeza e solidão entre o casal, ele chegou em casa e entregou a flor que havia trago, era um Dente–De–Leão, aquela flor que se assoprarmos se desfaz. A mulher não suportou aquilo e então o xingou, disse que tal flor poderia ser colida em qualquer quintal, alegou que seu marido fazia pouco caso dela. O homem permaneceu quieto como uma pedra, tão silencioso que chegava a assustar. Essa foi então a ultima briga do casal, porque, durante a noite, o homem teve um infarto, sua alma se esvaziou, e a esposa acreditou que era um castigo de Deus.

Dora parou, esse era o fim trágico de uma bela história.

Mas, Dora, o que aconteceu com a mulher, como ela ficou? – Abby já estava tão possuída pela história que não conseguia pensar em mais nada.

Abby, a mulher, depois de um tempo, recebeu um jornal, e nele havia uma reportagem sobre a flor Dente-De-Leão. E quando leu o que significava, chorou até não conter mais lágrimas para cem vidas.

Abigail permanecia em choque, sentia-se tão triste naquele lugar.

Bem, o que importa é que a mulher viveu mais alguns dias, e logo morreu. Desse modo, talvez, ela tenho o reencontrado.

Dora mal terminou de falar e se levantou, enquanto a jornalista ainda permanecia pasma, olhando para o outro lado.

Dora, por que me contou essa história?

Porém, quando Abby retornou seu olhar para a senhora, não a encontrou, ela tinha simplesmente sumido, e a jovem contornou com os olhos todo o cemitério, era como se Dora tivesse evaporado. No entanto, bem na lateral do banco, quase que sendo carregado pelo sopro do vento, havia um papel dobrado.

Abigail desdobrou o papel e leu o que continha.

“Flor Dente-De-Leão

Em determinada fase, quando a flor é soprada ela se desfaz com facilidade. As sementes são levadas pelo vento, se espalham e, no período certo, florescem novamente.

Devido a essa característica é também conhecida pelo nome "esperança". A frase "abre as janelas e deixa a esperança entrar na tua casa trazida pelo vento da tarde" é uma referência ao Dente-de-leão.

Há quem diga que ao soprar uma pétala da flor deve-se fazer um pedido sobre o amor ambicionado. Se o vento trouxer de volta a pétala é sinal de que o desejo será brevemente realizado.

A flor, quando se desfaz, acreditam que está se desfazendo para espalhar alegria e esperança ao mundo, até porque, que criança ou adulto não gosto de admirar e colher esse bela planta?”

A jornalista não conteve as lágrimas e, sem querer, o papel escapou de sua mão, indo para bem longe. Abby correu, correu para tentar recuperar. Mas, quando o vento cessou de repente, e o papel pousou suavemente numa pedra esculpida, cuja qual havia um pequeno texto, ela empalideceu.

“Dora Hout

1945 a 1995

Uma grande amiga e fiel ao amor.”

Abigail foi tropeçando e, ao lado do túmulo de sua nova amiga, havia a lápide de um homem chamado John. Ele morreu no mesmo ano que ela.

E no pequeno vão entre eles, um lindo Dente-De-Leão enfeitava a grama, e ainda pequeno, o broto de uma tulipa vermelha surgia.


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Notas finais do capítulo

"A criatividade é a supremacia da mente humana."
—Jean Cleber Alves



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