O significado da dor escrita por Alicia


Capítulo 20
Bang bang




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O rádio estava ligado "I was five and he was six. We rode on horses made of sticks. He wore black and I wore white. He would always win the fight" enquanto Nancy cantava a última música que Wendy escutaria, eu a beijei. Um beijo de despedida. Era capaz de sentir a morte em seu beijo. Sentia em cada molécula de sua saliva, cada vez mais estridente, a vontade de saciar a minha sede por carnificina. Peguei uma faca "bang bang. He shot me down. Bang bang. I hit the ground" "Mel, o que vai fazer com essa faca?" ela estava assustada "vou deixar tudo mais divertido" "Para. Eu não gosto disso" ela dizia com a voz firme, como se tivesse algum pingo de autoridade "calma broto, o que os olhos não veem o coração não sente" vendei seus olhos e enquanto ela se debatia, chorava, implorava, negociava, em algum momento perdi a paciência e aumentei o som no volume mais alto que um ouvido podia suportar "Seasons came and changed the time. When I grew up I called him mine. He would always laugh and say ' remember when we used play" a faca entrava e saía, e o sangue jorrava por entre as pernas. Os gritos ásperos conseguiam ultrapassar a voz da Nancy e o clímax dessa tragédia putaresca entrava junto com o refrão "bang bang. I shot you down. Bang bang. You hit the ground. Bang bang. that awful sound. Bang bang. I used to shoot you down" A faca entrava e saía, entrava e saía, entrava e saía. E eu enfiava cada vez mais forte e novamente ela entrava e saía. Mesmo com o rádio no último volume e ela gritando de dor, eu não ouvia nada. Parecia que o mundo havia calado a boca para eu desfrutar daquele momento glorioso. Um zunido agudo surgia e se tornava mais forte até que a música voltava "baby shot me down" a música terminava com aquele ultimo versinho melancólico seguido por um triste arranjo, e o meu braço direito cansado. Ela estava rouca e aliviada por ter acabado. Lembrei de quando o dentista ia arrancar meu primeiro dente de leite e ele dizia "pense em coisas bonitas, o bem afugenta o mal e a dor é o mal da alma" Ela não possuía nenhum pensamento bom o suficiente para aguentar "calma, calma. Já acabou. Vamos pare de tremer meu amor. Acabou." ela tremia, dei um beijinho em sua testa, tirei a venda e fui tomar o meu chá.

"Sua desgraçada, filha da puta. Me tira dessa porra. Vou acabar com você" ela gritava, e seus gritos atrapalhavam o meu chá. Seus gritos tornavam o verde lima-limão daquela sala mais enjoativo e um estorvo a minha concentração. Deixei a xícara de porcelana chinesa detalhadamente e perfeitamente esculpida e pintada, numa mesinha de centro feita de vidro. Ela matava o silencio e eu matava ela. Peguei a faca ainda suja de sangue e ela sussurrava inaudivelmente "por favor, de novo não" encostei minha boca suavemente em seus ouvidos e ela chorava "e se depois de tudo isso eu pegar o seu pescoço e apertar até você parar de respirar totalmente ou se eu pegar essa mesma faca e enfiar desde o seu pescoço e fincar ela no seu crânio? Você ia gostar? Acho que não" ela tremia e não conseguia chorar baixo o suficiente. Apertei seu rosto "vamos Weny, não fique assim" Ela gostava de como eu chamava ela, diria até que gosta de mim. Estava me retirando quando ouvi ela dizer timidamente "Mel, não me deixa sozinha" "não vou deixar" peguei outra xícara e botei chá e levei para lá junto com lenços umedecidos "vamos tome um pouquinho, está docinho e nem botei veneno" "eu sei que não botou, minha morte seria mais cruel que isso, veneno seria bom demais para mim" ela confiava em mim "beba, você deve estar com sede e parece desidratada. Esta doce?" "uhum" ela sugava com o canudinho que tinha a cor favorita dela "talvez isso doa" peguei o lenço e comecei a limpar "por que você faz isso?" "o que?" "me torturar e depois sentir dó e cuidar de mim como se gostasse de mim" "eu não sei, talvez eu goste" pouco a pouco foi ficando limpo e não possuía chance dela pegar alguma doença ou infecção. De algum jeito eu me importava com ela. "Mel, eu te amo" ela disse, mas me lembrou ele, tudo me lembra ele, mas dessa vez não senti nada por ele, senti uma felicidade eufórica por ouvir aquilo, o que seria? Ela falou como ele, de algum jeito ela sabia como ele tinha dito "ta" ela estava machucada, talvez esse eu te amo seja seu último apelo, sua ultima esperança de viver "por que não acredita em mim?" "psicopatas não amam" "e você por acaso amou alguém?" a voz estava cada vez mais fraca e o som era deprimido "não e você também não, sei exatamente o que quer e não é amor" "pois eu amo" "ama quem além de você mesma?" "você. Amo você, amo tanto quanto o Daniel te amou. Ele tentou fugir várias vezes e para quê? Para ir nesse maldito casamente. Em momento algum ele deixou de dizer o quanto te amava, você era a motivação dele continuar vivo, você era tudo, você era a deusa dos olhos negros nos sonhos dele. Ele falava tanto, suplicava tanto que eu me cansei e simplesmente cortei a língua dele. Ele via esperança em mim, acreditava que ia viver só para te ver, eu queria saber como é te conhecer, como é te amar e como foi a dor de ver você beijando outro, mas mesmo assim continuar te amando. Não, ele não sabia do seu beijo com aquele cara magricelo, mas eu sabia. Não estava seguindo ele, estava seguindo você. E me apaixonei. Mel, nunca senti nada por ninguém. Fiz ele engolir aquela foto para você ir atrás de mim, fiz um pequeno teatrinho quando você chegou e olha, você esta aqui e comigo. Fique comigo até meu ultimo segundo" "ta" "Não fica assim comigo por favor, isso dói. Nenhuma das pessoas que matei pensavam em outra pessoa. Todos os seus últimos pedidos eram 'por favor me deixe viver' sempre o mesmo clichê, ja estava cansada de matar pessoas, mas o dele foi que eu entregasse um bilhete escrito por ele. Não é irônico? Vou morrer por amar, justo o sentimento mais puro" lágrimas desciam pelo meu rosto "e o que ele escreveu?" "eu não faço ideia, o bilhete está no freezer junto como que a autópsia sentiu falta nele" eu corri para ler.

"Querida Melissa, se você esta lendo isso é porque você sabe ler, não era isso o que eu ia escrever, mas queria fazer uma piada. Não resisti a tentação da morte e te deixei na igreja, eu juro que tentei, mas eu não aguentei. Nem mesmo a imagem de você usando o vestido afugentou a minha dor, sim, eu te vi no vestido, me desculpe por esse hábito de te espionar pelo buraco da fechadura. Pois saiba que morrerei com você em minha mente e como eu não tenho muito tempo, saiba que eu te amo e jamais quebrei a promessa de continuar com você até o fim

Daniel"

"Você não acha fofo a heterocromia dele?" "era a coisa de que mais gostava nele" "eu sei, foi por isso que arranquei os olhos, mas acho que perdi um. Queria guardar eles para mim" "também achei uma gracinha os seus e acho que vou fazer o mesmo" "para que arrancá-los mel? Para quê? Se você pode vê-los acordar todo dia. Hein? Por quê? Por que você também não me da a chance de te amar e sermos felizes" "Porque você não ama ninguém, sua puta. Você tirou ele de mim, entenda uma coisa, nunca amei ninguém nessa vida medíocre, ele foi o único e o que te faz digna do meu amor? Matar ele não te deixa dona do meu coração, prefiro ele morto do que você viva. A única coisa que você me causa é repugnância, entendeu? Nunca amei ninguém, tive certeza de querer alguém ou de simplesmente gostar por mais do que alguns dias e você não seria exceção. Você não é nada. Amar você é como provar um pêssego podre e tirar o gosto ruim bebendo vinagre. Amar você é como querer morrer, seu amor não satisfaz o que eu fui um dia sendo amada por ele" Peguei o bisturi "desculpe, por favor, prometa que se for me torturar, não faça mais aquilo" "prometo" Anestesiei ela e enquanto estava imersa no sonho eterno de ter a vida por um fio costurei sua vagina e tirei um de seus olhos. Era estranho, pegajoso, parecia doce de halloween. Enquanto estancava o sangramento com o cauterizador, ouvia ela sussurrando coisas inaudíveis. O sonho é o único refúgio de alguém.


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