Quando eu abri meus olhos escrita por Nat Rodrigues


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Oi gente ^-^ Vi o desafio e como to na minha avó, decidi escrever uma fic e participar. Espero que gostem, assim como eu gostei :)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/517059/chapter/1

O ritmo de meu coração estava descompassado. Meus olhos lacrimejavam sem parar. A respiração estava falha. O corpo imóvel.

Em toda minha vida nunca imaginei que presenciaria um cenário tão horrendo como esse. Crianças corriam em desespero a procura de seus pais, idosos tentavam se refugiar nas casas, alguns adultos ajudavam mães e mulheres a fugir, mas eu continuei ali. Incapaz de me mover.

- Moça, o que você tá fazendo?! – um garoto moreno de no máximo treze anos correu até mim. Tentei responder-lhe, mas minha voz não saiu. – Anda! você não pode ficar aqui... – exclamou e puxou-me pelo braço.

Após andarmos por um bom tempo, refugiamo-nos em um galpão aparentemente abandonado. Havia ali no mínimo umas dez pessoas, todas encolhidas e amedrontadas. O garoto foi até uma mulher que parecia ser sua mãe, e eu, ainda em choque agachei ao lado de uma menininha que chorava.

Não era para ser assim. Quando planejei minha viagem para o Rio de Janeiro jamais pensaria que ficaria diante desse tenebroso acontecimento. Eu, mamãe e Júlinha (minha filha de sete anos) viemos a um dos morros para observar a vista da praia daqui de cima, e meia hora depois os tiros começaram. Júlinha se apavorou e saiu correndo. Em disparada fui atrás dela, mas a perdi de vista. No meio do cainho um homem ao meu lado levou um tiro na cabeça, caindo ao chão e me deixando mortificada diante da cena. Deus sabe onde estão Júlinha e mamãe agora!

Dez minutos se passaram e o confronto ainda não tinha chego ao fim. Passos e mais passos, gritos e tiros, ainda eram escutados através das portas do galpão.

Descabelar-me não adiantaria em nada, portanto tratei de acalmar todo o meu corpo. Precisava achar minha filha. Ao meu lado, a menininha se encolhia a cada disparo e seu choro era o mais alto dali. Mesmo sem conhecê-la imaginei que em algum lugar Júlinha poderia estar do mesmo jeito, portanto a abracei. Assim que a menina se acalmou um pouco, fiz menção que iria levantar, afinal, não poderia ficar ali parada enquanto minha filha corria perigo, mas a mãe do garoto que me ajudou a chegar até ali, impediu.

- Onde tu pensa que vai moça? – Indagou espantada.

- E-eu... – comecei com a voz falha. Senti as lágrimas voltarem e respirei fundo para me acalmar. – Preciso achar minha filha... E-ela só tem sete anos... – Falei. - E-eu... Preciso achá-la. – repeti. Um nó se formou em minha garganta. E se algo tivesse acontecido com ela?! Eu nunca me perdoaria. Como pude deixá-la desprotegida?!

- Ah, mas a senhora não pode sair! Ainda está tendo tiros! – exclamou de olhos arregalados. – Não se preocupe com a sua filha, alguém deve ter ajudado a coitada a se esconder. Venha cá, vamos todos rezar um terço para que isso acabe logo. – chamou-me. Religião não era o meu forte. Apesar de ser batizada na igreja católica, nunca fui muito fiel, e tinha lá minhas dúvidas. Mas que escolha eu tinha? E entre me desesperar ou rezar, ainda preferia o rezar.

Junto com a menininha, e as outras pessoas que estavam ali, fiz um círculo. Todos nós demos as mãos e fechamos os olhos.

A cada Pai-Nosso e Ave-Maria que se seguia, uma pessoa ia se acalmando. Como se estivesse ocupada de mais rezando para se desesperar. O nó em meu pescoço foi crescendo e uma sensação ruim se apoderou de meus pensamentos.

Algo tinha acontecido. A certeza da dor havia me atingido.

Ao final do terço, eu estava inquieta. O medo que sentia antes não era nenhum pouco páreo para o pesar de meus pensamentos.

- Demos graças a Deus, pois Ele é uno e misericordioso. – A mãe do garoto proclamou. Fiquei admirada que mesmo em meio a tantas coisas ruins que Deus proporcionava, ela ainda estava tão confiante e esperançosa. Afinal, que tipo de Deus separa a mãe de uma filha em um tiroteio?! Era fé de mais para ela, e esperança de menos para mim.

– E Senhor, eu lhe peço, escuta os corações angustiados. Escuta os pedidos que lhe são feitos, e trás conforto àquelas pessoas que mais necessitam. Que essa guerra acabe logo, e que possamos voltar para nossas casas. Amém. – pediu e com a voz rouca eu também disse amém, mesmo me questionando se na verdade não estávamos falando sozinhas, e dirigindo nossa esperança para um ser inventado.

Cinco minutos depois podíamos ouvir algo estranho para aquele momento: O silêncio.

- Acabou, mãe? – o garoto perguntou.

- Vou ver e já volto. – um homem ofereceu-se e levantou, indo até a velha porta do galpão.

Um minuto de intenso pavor nos atingiu. E se ele saísse lá fora, e por nossa culpa, levasse um tiro?!

- Tudo limpo rapaziada! – Um adolescente veio junto ao homem, e nos avisou.

- Os policiais conseguiram expulsar os traficantes! – O homem disse feliz.

- Graças a Deus! – A mãe exclamou levando os braços ao céu. Mas para mim ainda não estava tudo bem. Eu precisava encontrar minha filha e minha mãe.

Saí em disparada do galpão. Pude ver aos poucos as pessoas deslocando-se da onde estavam para suas casas, e os policiais tentando auxiliar cada uma delas.

- Seu guarda! Minha filha... Ela... Quando começou ela... – comecei a falar em desespero e minha voz saiu totalmente esganiçada.

- Se acalme moça. – pediu segurando gentilmente em meu braço.

- E-eu... Minha filha. Quando tudo começou ela saiu correndo e... Não consegui achá-la. – Consegui falar. O nó agora era quase insuportável.

- Fique tranquila, vamos achá-la. – disse tentando passar-me confiança. Assenti e disse as características de Júlinha. Lhe entreguei a foto de minha carteira e disse que minha mãe também estava no meio da bagunça e eu não sabia como encontrá-la.

- A senhora conhece alguém aqui do morro? – o policial perguntou. Fiz que não com a cabeça, já deixando o desespero me dominar. Como as encontraria sem alguém que me guiasse?!

- Moça, precisa de ajuda? – o mesmo garoto que me arrastara até o galpão perguntou. Sua mãe estava ao lado e tinha um pequeno sorriso. Quase não acreditei. Eles só podiam ser uma miragem. Imaginava que pessoas assim não existissem mais.

- P-preciso. – Assenti com um sorriso trêmulo.

Saímos por todo morro avisando que estávamos atrás de uma senhora já de idade baixinha, morena de óculos, e uma garotinha de sete anos loira e branquinha. Assim como nós, outras pessoas também procuravam seus parentes e conhecidos. Vimos em média dez corpos no chão, e pessoas em volta, chorando a perda. E todas essas dez vezes, eu me rompi em choros e soluços.

Quando a noite caiu, eu já estava completamente desanimada e sem a mínima esperança. Minha mãe e minha filha tinham partido sem mim.

- P-por quê? – bradei aos céus. – P-por que meu Deus... – rompi-me em choro mais uma vez.

- Calma moça... A gente ainda vai encontrar elas. – o garoto disse. Um consolo que não me ajudou muito se quer saber.

- Como é seu nome? – A mãe perguntou.Havia horas que estávamos juntos, e nem ao menos seus nomes eu sabia. Apesar de que isso não me importava agora. Eu só queria minha mãe e minha filha salvas e juntas de mim.

- Marcela. – respondi sendo curta.

- Escute Marcela: Nós vamos achá-las. Confie em Deus, ele as protegeu. – disse. Olhei-a meio cética.

- Deus pode até ter-las protegido, mas e quanto às outras pessoas?! E as que morreram?! Então quer dizer que ele tem preferência em quem fica vivo e quem morre?! Quem sofre e quem fica feliz?! Que tipo de Deus “misericordioso” é esse?! – Debochei. Não era a minha intenção ser grossa da maneira que fui, mas será que ela não conseguia ver meu sofrimento? Apenas dizer que alguém que talvez nem exista as protegeu não iria me acalmar.

Ela se espantou com a minha resposta. Seu filho ficou confuso e olhava de mim para ela esperando uma reação da mãe. Imaginei que depois de tudo que ela fez para me ajudar, e o modo mal agradecido que eu estava agindo, fosse levar um tapa. Ao invés disso, ela me abraçou.

- Aquiete seu coração, Marcela... Sei que não consegue enxergar, mas Deus está com você e todas as pessoas. Porque, Marcela, Deus é realmente misericordioso. Tudo que aconteceu hoje não foi porque Ele quis que fosse assim. O homem nasceu do pecado, e continua pecador durante toda a sua vida. Foi ele que proporcionou todo esse desastre, toda essa miséria. – explicou enquanto me abraçava. Minha respiração acalmou um pouco, mas as lágrimas ainda caiam.

Ela se desvencilhou do abraço, e passou a mão carinhosamente por meu cabelo, provavelmente o ajeitando.

- Deus é misericordioso no sentido que ao morrer, se o homem se arrepender de seus pecados, terá um lugar reservado no céu. Nem tudo é porque Deus quer que seja. Ele nos prepara um caminho, mas cabe a nós escolher se vamos seguir esse caminho ou não. Tudo bem? – questionou. Fiquei meio abestalhada com todas as suas palavras. Fazia sentido. Muito sentido.

- Sim. Obrigada. – agradeci envergonhada. Ela sorriu em resposta.

- Ei! Dona Marcela! – o guarda que eu havia entregado a foto de Júlinha caminhou até nós. Dentro do meu coração um chama de esperança se acendeu.

- S-sim?! – respondi com a voz trêmula.

- Acho que encontramos sua mãe. – falou. Abri um sorriso. – Vou te levar até ela.

Olhei para a mãe, e ela piscou para mim com um sorriso.

Segui o policial, e depois de alguns lances de escada, consegui ver minha mãe sentada em um cadeira com o cabelo todo revirado e a roupa suja.

- Mãe!! – Exclamei feliz indo ao seu encontro.

- Filha! Que bom que você está bem... – Respondeu com lágrimas nos olhos. – E Júlinha, onde está?

- Ela... E-eu não sei. – Desabafei e mais lágrimas vieram.

- Não chora filha, nós vamos encontrá-la... – Consolou-me e apenas assenti.

- Moça... Quer dizer, Marcela, como é mesmo sua filha? – o garoto perguntou.

- Loira, branquinha, e tem sete anos. – Expliquei. Ele pegou em minha mão, e mesmo não entendendo o segui.

Fomos até uma casa cheia de tijolos, como se ainda estivesse em reforma, e o garoto apontou para um guarda-chuva rosa que estava ao lado de algumas telhas.

- Atrás do guarda-chuva. – Ele falou e franzi a testa meio confusa. – Tem uma garotinha lá. – Explicou e senti meu coração disparar.

- Júlinha? Filha, é você? – indaguei me aproximando devagar.

- M-m-mamãe? – Ouvi a doce voz da minha pequena dizer, e levantei o guarda-chuva.

- Filha!! – Exclamei feliz a abraçando. Júlia começou a chorar, e a peguei no colo. – Calma filha, vai ficar tudo bem... Tem um cara lá em cima cuidado da gente. – Disse com um sorriso de orelha a orelha.

Dias depois, quando nossa estadia no Rio de Janeiro já estava no fim, fiz questão de voltar para o morro e dar a mãe e o garoto (que descobri que se chamavam Maria e João) um presente de agradecimento. Não só por me ajudarem naquele momento terrível, mas também por abrirem meus olhos para a fé. Fazia anos que não me sentia tão bem quanto estava naquele exato momento...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E a? Fui aprovada? -espero que sim T-T
Beijos, e obrigada por ler!!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Quando eu abri meus olhos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.