O país secreto. escrita por Apenas eu


Capítulo 57
Revelações


Notas iniciais do capítulo

Quase que não posto hoje kkk mas ta aí :3



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Os olhos escuros de Vindre cintilam com uma mistura genuína de bondade e divertimento, me deixando confusa. Hellena e eu recuamos até o parapeito, que nos limita. Espreito rapidamente por cima dos ombros, avistando ao longe formas obscurecidas no céu limpíssimo, como corvos gigantes e, pouco abaixo e muito mais perto, pontinhos negros que suponho ser morcegos. Um calafrio percorre minha espinha quanto torno a olhar Vindre: ele parece sereno e incapaz de cometer um homicídio. Lança-nos seu melhor sorriso amigável e estende suas duas mãos - palmas voltadas para cima -, uma para mim e a outra para Hellena. Me sinto assustadoramente tentada a pegá-la, mas antes procuro Annabely com os olhos.

Ela não está aqui nem em qualquer lugar onde meus olhos poderiam achá-la. Na verdade, eu a perdi de vista poucos instantes depois que Vindre transpôs a porta.

Hipnotizada pelas feições dóceis de Vindre, chego a cogitar quem seria o vilão e o mocinho da história. Talvez tudo que eu ouvi nos poucos instantes em que estive no castelo seja verídico, e o vilão seja meu avô. Talvez ele tenha mascarado a situação, para facilmente me convencer a lutar ao seu lado e destruir o rei bom, para tomar seu trono. Talvez Maly tivesse razões o suficiente para mandar seus filhos para outro mundo, e Doquo fosse de fato um péssimo pai, um péssimo esposo e, acima de tudo, um péssimo rei. Olhando nos olhos de Vindre, eu começo a me perguntar se tudo o que me disseram até agora não passavam de mentiras deslavadas. Me sinto como uma garota boba, com o ego ferido e coração iludido.

Hellena parece pensar o mesmo que eu, pois toma a mesma iniciativa - ambas esticamos as mãos, prontas a segurar as dele.

Nesse instante, porém, o dia enegrece; tudo se torna cinza, e Vindre hesita. Seu rosto se transforma em perplexidade e quase medo. Com a boca entreaberta, ele olha por sobre a minha cabeça.

É como se um peso tivesse sido arrancado das minhas costas, e minha mente clareia. Sou tomada por uma raiva incontrolável, porém mal tenho tempo de reagir antes de um trovão ribombar no céu e um raio acertar em cheio Vindre, com um clarão que me cega temporariamente.

Minha visão entra em foco no momento em que Annabely, que flutuava, pisa graciosamente no chão e seus olhos tremeluzem, saindo de completamente negros para negros normais.

O dia fica claro novamente.

Aos seus pés está Vindre, retorcendo-se por causa do choque. A visão me causa náusea.

– Mais perigoso que um vilão que mata rapidamente - Recita Annabely, passando por cima de Vindre que ainda dá solavancos. - É um que planeja seus ataques.

Hellena e eu olhamos para Annabely, para Vindre, e depois de novo para Annabely.

Hellena é quem reage, correndo para ela e a apertando em um verdadeiro abraço de urso. As duas riem e trocam palavras, e eu começo a me sentir ligeiramente excluída - morrendo de ciúmes.

– Ei, espere - Digo para chamar a atenção delas, que me olham ainda com sorrisos esboçados. - Foi fácil assim? Ele está morto?

O sorriso desaparece instantaneamente do rosto de Annabely, e ela vem para perto de mim com os olhos marejados.

– Ele está vivo - Sussurra, me abraçando pela cintura. - Ele não morre com um simples raio. Só morrerá pelas mão da Dama de Gelo ou Fogo, a Maly me disse...

– Ah, não seja por isso! - Hellena aponta as palmas das mãos para o corpo chamuscado de Vindre, que está com os olhos abertos fitando o nada.

– Pare!

A voz retumbara do fim da sala e, quando olhamos para cima, vemos nada mais, nada menos, que um velho ligeiramente vergado de olhos prateados e um restinho de tufos de cabelo dourado e seu filho baixo e magricela, com cabelos verdes despenteados e olhos dourados enormes, carregando, cada um, um homem desfalecido pelo tronco.

– Vedir! - Hellena tapa a boca.

Eu tenho uma reação parecida, quando noto que são Giroy e Vedir, ambos sangrando, sendo arrastados pela sala pelas mãos de Arismir e seu filho mais velho, Birc.

– Se você fizer alguma coisa contra Vindre, eu os mato. - Declara Arismir.

Eu sei que Hellena jamais ficaria quieta diante de uma ameaça. Só espero que ela não diga nada que vá nos comprometer mais tarde...

– Olha aqui, seu porco sujo, fedorento - Ela aponta, com o rosto vermelho de raiva. - Eu tenho duas coisas para falar. Primeiro, por acaso Vindre é seu namorado, amante ou o quê para você protegê-lo desse jeito? E segundo, você não pode matar os gêmeos porque são imortais, seu jumento!

Arismir sorri, e seu sorriso é o que eu menos queria ver em toda a minha vida. Annabely me abraça ainda mais apertado, voltando a ser a velha e boa Annabely. Agora eu entendo que todo o teatro foi unicamente para ganhar tempo e nos defender. Agora, mais do que nunca, eu admiro a ousadia e a coragem da minha pequena prima.

– Ah, não? - Arismir coloca a lâmina de um pequeno machado sobre a garganta de Vedir. - Me diga, Srta. Bouringor, como um ser humano sobreviveria sem cabeça?

Hellena arfa pesadamente, e desanda a chorar. Acho que, mesmo com seu temperamento forte e sua determinação inigualável, tudo o que está acontecendo é demais para uma criança de treze anos, como ela, aguentar. Seria demais até para um adulto, dirá para ela - ainda que ela seja Hellena Maria Bouringor, a brigona.

– A propósito, foi de grande ajuda termos pedido à Vindre força sobrehumana. - Arismir dá de ombros. - Por nenhuma outra razão, senão pelos desejos realizados, eu iria querer Vindre vivo.

Birc, arrastando Giroy, lança uma piscadela para ela e para mim. Há um sorriso insano em seus lábios, tal como nos lábios de seu pai, e eles estão realmente fortes demais para simples humanos - afinal, carregar dois rapazes desmaiados não deve ser lá muito fácil.

– Eu pensei que você estivesse do nosso lado - Digo a Birc, num fio de voz.

Os sentimentos dentro de mim se agitam com um mar revolto, impossibilitando-me de reagir. Não consigo chorar, nem falar num tom firme, e desconfio que se tentar andar, cairei estatelada no chão. Birc solta uma gargalhada seca, ajeitando seus braços sob os de Giroy e arrastando-o pelo piso como um boneco. Seu pai vem ao seu lado, trazendo Vedir do mesmo modo. Ambos vão deixando atrás de si rastros de sangue de meus fieis companheiro, e eu engulo em seco.

– Emma, bobinha - Diz Birc. - Eu sou um vilão. Eu ajo do seu lado quando me convir, mas me volto contra você assim que surgir oportunidade. Achou mesmo que eu lutaria ao seu lado nessa guerra? Com as chances obvias de morrer? - Ele dá uma risadinha sob sua respiração. - Eu não sou tão burro quanto já fui.

Estou tão aturdida, que sequer percebi quando Annabely me soltou. Assim que os dois chegam à sacada, e eu posso ver os rostos desacordados de meus amigos, aí sim as lágrimas vêm. O rosto de Giroy está com um corte horroroso e sanguinolento que lhe atravessa da testa ao meio da bochecha esquerda. O nariz está ligeiramente torto, escorrendo sangue, e o olho direito está tomado por uma vermelhidão que, suponho, logo se tornará um baita olho roxo. Vedir é um caso mais complicado. Sangue escorre dentre seus cabelos e desce, cobrindo um dos olhos. Um enorme corte atravessa seu peito, e posso ver a mancha espessa de sangue na camisa roxa. Há vários hematomas em suas bochechas e queixo, e marcas de estrangulamento.

– Soltem eles - Suplica Hellena, entre engasgos, chorando tanto que sua branquidão da transformação vai desaparecendo e ela, cada vez mais, parecendo com uma frágil garotinha. - Soltem eles. Por favor, eu imploro, eu não aguento mais!

Vê-la nessa situação me faz desandar a chorar. Eu posso entender que mesmo os mais fortes não podem ser fortes o tempo inteiro, e que mesmo que eu às vezes pense que Hellena é feita de aço, a verdade é que ela tem um coração mole, assolado e, depois de tanto apanhar, em frangalhos. Nesse momento, entendo que para algumas pessoas, como eu, é fácil expressar suas emoções - chorar sem medo, rir com vontade e abraçar sem por que. Contudo, para outras pessoas, como Hellena, é muito mais fácil montar uma armadura e se esconder dentro dela. Por fora, a figura autoritária e sempre muito valente. No entanto, lá dentro, ainda é uma criança. Ela sofre. Ela fica triste. Ela tem sentimentos. E, depois de tanto tentar parecer forte, os muros que construiu em seu coração acabaram desmoronando, e ela não aguenta mais.

– Primeiro, foi minha gêmea - Soluça. - Depois, o meu primo. Por favor, não façam nada com eles! Eu faço o que vocês quiserem, eu deixo de matar Vindre!

Hellena cai de joelhos, e Annabely apressa-se em acudi-la. Ela puxa-a para cima, com seu rostinho infantil coberto de lágrimas.

Arismir se diverte com a situação, caminhando até ela com Vedir entre seus braços e forçando-a a encará-lo. Ela vai recuando, até encontrar o parapeito da sacada, e segura-o com firmeza.

– Eles são importantes para você? - Indaga Arismir, balançando Vedir. Os cílios ensanguentados de Vedir se apertam e ele pestaneja.

– Vedir? - Hellena sussurra incrédula.

Cubro a boca com a mão, sem conseguir parar de chorar.

A boca de Vedir se move, mas o som é tão baixo, que eu entendo algo como "ena".

Arismir solta uma gargalhada alta.

– Sim - Ele concorda. - É claro que ele é importante para você.

E então faz algo completamente improvável para qualquer homem comum. Ele levanta Vedir, como quem levanta um bebê, e atira-o sacada abaixo.

– Vediiir! - O urro de dor, angústia e raiva de Hellena parece vir de um sonho.

Um sonho não. Um verdadeiro pesadelo.


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Notas finais do capítulo

Vedir ;'(



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