O país secreto. escrita por Apenas eu


Capítulo 40
Uma ida ao passado.


Notas iniciais do capítulo

Esse é um capítulo totalmente diferente do que estamos acostumados, por contar uma história passada há milhares de anos. Espero que gostem, desejo-lhes uma boa leitura.



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O sol começava a se despedir quando os choros do bebê cortaram o ar. Todos no castelo estiveram ansiosos por esse momento, e ele finalmente chegara: viera ao mundo o príncipe da parte leste de Oliut; o herdeiro do rei Timo. E este, por sua vez, explodia de felicidade.

A esposa de Timo, Herma, era a rainha ideal para Oliut. Cheia de virtudes e possuidora de uma beleza indescritível, fora cortejada por inúmeros príncipes antes que Timo a conquistasse após batalhar por isso.

Um filho era tudo o que queriam, mas levou muito tempo até que o conseguissem. Herma, mesmo muito fraca, abriu o mais brilhante sorriso ao segurar nos braços o mais novo integrante da família. Timo entrou no quarto afobado, e emocionou-se ao ver a mulher e o bebê, parando ao lado da cama. Ele não lembrava de se sentir tão bem desde que vencera a última batalha contra o rei do sul; ou de quando tomou por esposa a princesa do norte. Agora, com o seu pequeno herdeiro, teria a certeza de que sua parte de Oliut seria sempre honrada por pessoas do seu sangue. Treinaria o menino a batalhar e estraçalhar o inimigo, a proteger o leste de Oliut com unhas e dentes, e jamais sucumbir. Sua alegria por aquela criança era imensurável, parecia não caber no peito.

– Olhe, meu pequeno príncipe - Ele segurou a mãozinha do bebê, que esperneava e chorava a plenos pulmões no colo da mãe, envolto por uma manta verde-oliva. Se Timo prestasse atenção aos detalhes, veria que sua esposa estava muito mal; que arfava e pestanejava, a um passo do desmaio. Mas ele só tinha olhos para o filho. - Vai ser como o papai. Um guerreiro; um herói.

– Timo - Sussurrou Herma, quase de olhos fechados.

– E eu posso te ensinar a caçar...

– Timo - Chamou ela, uma segunda vez. A parteira os observava, aguardando para pegar a criança e levá-la para o banho. Timo ergueu os olhos avermelhados para ela. - Não se trata de seu príncipe, mas sim de sua princesa. E quero que a chame de Aggi, e que a eduque e que...

Ela ofegou, começando a gemer. A parteira correu ao seu encontro e recolheu a menina.

E foram essas as últimas palavras de Herma, a rainha do leste de Oliut.

Timo realizou o desejo da falecida esposa, batizando a criança com o nome que ela escolhera, mas não aceitava o fato de ter tido uma menina ao invés de um menino. Aggi foi criada por mucamas e mordomos, e tinha seus professores e orientadores pessoais. Mas ela não era feliz; sentia falta do seu pai, e queria desesperadamente sua mãe consigo.

Aggi não era uma garota normal, nem de longe. Tinha poderes além da conta, e ideias fabulosas por passar tempo demais sozinha. À noite, secretamente, ela montava uma maquete... Uma maquete mágica, com cachoeiras que se moviam, pássaros que gorjeavam e florestas bem espessas.

Ela mal sabia, mas, do outro lado do mundo, na parte oeste de Oliut, vivia um menino exatamente igual a ela.

Nascido no mesmo dia e na mesma hora, seu nome era Igno. Ele era tão incomum quanto ela, e tinha ideias tão peculiares quanto. Também construía uma maquete nas horas vagas, mas, ao contrário, tinha seus pais muito presentes em sua vida.

– Você é meu pequeno herói - Repetia sua mãe, a rainha Yern, sempre que apertava suas bochechas ao encontrá-lo nos corredores do castelo.

Mas Igno trazia seus próprios problemas: ele teria de se casar com uma moça da parte sul que ele nem mesmo conhecia. Mas esperava que pudesse haver outra saída; ele ainda tinha algo que o fazia acreditar que encontraria sua musa antes de se casar forçadamente, e que seria feliz, que fugiria com ela para muito longe. Ele tinha... esperança.

Apesar de tantas coisas em comum, Aggi e Igno eram de mundos totalmente distintos; a parte oeste de Oliut era a parte mais pobre, onde toda a demonstração de afeto era válida, onde a realeza se misturava com os menos afortunados e onde a diferença entre raças não era uma constante. Na parte leste, no entanto, a indiferença dominava. Aggi era a prova disso; não se lembrava da última vez em que ganhara um abraço, ou em que pudera sair para a aldeia. Seu pai era um fanático por guerras e louco para provocar o caos em cada pedacinho de Oliut. Só havia uma coisa que Aggi almejava mais que tudo na vida: a liberdade.

Eles cresceram, construindo cada qual a sua maquete. Seus poderes, diferentes e mais fortes que os de qualquer residente de Oliut, só aumentavam conforme ia passando o tempo. E não tardou para que tivessem magia o bastante para criarem um novo mundo a partir das maquetes. Inventaram paineis e modos de controles, para que tivessem acesso aos mundos, contudo ainda não haviam visitado-os pessoalmente.

Ainda.

Parece que foi pura coincidência que ambos, em partes diferentes do mundo, compartilhassem do mesmo pensamento. Ambos criaram outros mundos... Ambos tiveram a mesma ideia.

Mas não parecerá tão complexo se entendermos direitinho.

Antes que os dois nascessem, houve uma vidente. Ela fez a profecia que traçava o destino dos dois, definindo que eles teriam poderes o bastante para extinguirem as guerras em massa em Oliut e criar uma linhagem poderosa o suficiente para reinar por milhares de anos. E assim dizia a profecia:

Através de dois mundos, duas almas se encontrarão;
Entre reis, guerras não mais haverão.
Mas existirá um preço a se pagar;
Somente um continuará a reinar.

A profecia era clara, mas poucos tinham conhecimento dela. Aggi, certamente, não tinha; tampouco Igno.

Quando Aggi completou dezesseis anos, sua melhor amiga, a empregada que cuidava dela, veio a falecer. Ela chorou tudo o que tinha para chorar, tomando a decisão que se acovardara durante muito tempo para tomar: visitar seu pai em seu escritório.

Aggi nunca estivera naquele escritório, mas ao entrar ali, decidiu que essa seria a última vez. Seu pai sentava-se numa poltrona, frente a uma mesa de madeira que ficava bem próxima da lareira. Atrás de si, a janela aberta deixava entrar uma brisa leve que sacudia as cortinas azuis.

Aggi não passou da soleira.

– Aggi - O pai praticamente cuspiu a palavra, olhando a filha com desprezo.

Os olhos da jovem se inundaram outra vez, e os punhos já estavam cerrados. Não trocara a camisola, nem penteara os cabelos loiros cacheados. Seu coração era um buraco negro de solidão e tristeza.

– Papai - Falou ela, a voz embargada pelo choro. - Eu preciso... Eu quero muito ir na aldeia hoje.

O pai apoiou os cotovelos na mesa, fuzilando-a com o olhar.

– Ir na aldeia? - Disse ele, a voz cortante ecoando pelo escritório. - Quanta audácia. Por que acha que eu permitiria?

– Papai - Suplicou ela, já chorando incontrolavelmente. - Por favor. Por favor, papai, só dessa vez.

– Sua imunda! - Bradou ele, batendo com as mãos na mesa e se levantando. - Com que cara vem me pedir isso? Por sua causa Herma morreu! Por que você tinha que ser uma maldita menina?

Ela prendeu o fôlego, reprimindo as lágrimas. Girou nos calcanhares e partiu pelos corredores correndo, num choro de faltar o ar. Não conseguia parar de soluçar, precisava chegar ao quarto e desmontar.

Aggi não suportava o desprezo de seu próprio pai; ela não suportava a vida que levava, não suportava o mundo onde morava. Desceu as escadas correndo e só estacou ao chegar à porta do seu quarto, abrindo a tranca com as mãos trêmulas e fechando a porta atrás de si. Deslizou as costas pela porta até se sentar no chão, onde cobriu o rosto com as mãos e entregou-se de vez ao pranto.

Aquele foi o dia em que Aggi mais chorou.

Depois do que lhe pareceu quase um dia inteiro, ela parou de chorar e deixou os braços caírem sobre o colo. Seu corpo ainda dava solavancos, e ela ainda fungava, mas as lágrimas já não desciam mais; Aggi chegou a acreditar que sua cota de lágrimas havia chegado ao fim.

Seus olhos recaíram sobre a maquete enorme diante de si e, com a voz trêmula e vacilante, ela murmurou:

– Liberty - E repetiu: - Liberty. Esse é o nome do meu... M-meu mundo. Sig-significa minha liberdade dessa por-porcaria de lugar.

E, em seguida, ela abriu os braços e fechou os olhos, liberando seu poder em uma enorme bola de luz prateada. A bola logo começou a sugar as coisas do quarto, e, em seguida, tratou de engolir a moça.

Quando ela abriu os olhos, se viu em um lugar bem diferente da sua maquete. Havia poucas árvores, mas estas eram de caules finos e copas espessas cheias de frutos, e os arbustos ao redor tinham florezinhas coloridas. A grama era baixa, verdinha e molhada, e o sol brilhante refletia no enorme lago plano e cristalino.

– Uau - Aggi girou em círculos, impressionada com a beleza do lugar. - Isso é melhor que Liberty.

– Tenho certeza que é.

A voz grave e melodiosa viera de algum ponto atrás de si, e ela rodopiou em busca do autor da mesma. Encontrou um lindo rapaz alto de olhos escuros. Seu cabelo vermelho se espalhava em todas as direções, e os braços fortes mantinham-se cruzados sobre o peito.

– Onde estou? - Questionou Aggi de imediato.

– Hope - Respondeu Igno, com um meio sorriso. - Meu mundo secreto.

Ela sorriu.

– Eu também tenho um mundo secreto - Contou ela, feliz por ter alguém que a entendia. - Se chama Liberty.

– Liberty? Tipo liberdade?

– É - Ela riu. - Tipo liberdade. Eu não tenho muito isso lá em casa, sabe? O meu mundo secreto simboliza minha liberdade. - Então ela estreitou os olhos para ele. - Mas por que o seu se chama Hope?

– Mais ou menos pelo mesmo motivo que você - Ele passou direto por ela, dirigindo-se para o lago e abaixando-se diante da margem, onde recolheu uma pedra. - Hope é esperança. Eu tinha esperança de que pudesse fazer minhas próprias escolhas ao invés de ter meus pais controlando tudo.

Ele lançou a pedra, que quicou na água quatro vezes antes de afundar.

– Os pais são assim mesmo - Disse ela, se aproximando. - Você tem sorte de tê-los.

Os olhos de Igno caíram sobre ela.

– Os seus morreram?

– Morreram - Confirmou ela, lembrando do pai com amargura.

Foi assim que Igno e Aggi se conheceram. E desde esse dia, passaram a querer se encontrar com ainda mais frequência, até que se apaixonaram e começaram a namorar. Ficavam vindo e indo, de Liberty para Hope, e passavam cada vez menos tempo em Oliut.

Assim, o rei Timo morreu e Aggi teve de assumir seu lugar no trono. Ela finalmente conseguiu sua liberdade tão desejada, e decidiu casar-se com Igno, que não teve todo o apoio dos pais, mas que casou-se mesmo assim com ela. Eles tiveram um filho, antes de Aggi morrer de complicações respiratórias, e Igno passou muito tempo sozinho, e só tornou a se casar quando o filho de Aggi já era um garotinho. Com a nova esposa, Lila, Igno teve vários filhos.

A geração de Aggi foi a que reinou em Oliut, Liberty e Hope ao mesmo tempo. A de Lila foram os piores inimigos dos descendentes de Aggi, afinal eles não tinham direito a nada. Tal como falava a profecia, as guerras em Oliut terminaram, e apenas um rei passou a dominar. As batalhas ganharam um novo foco: descendentes de Lila contra os de Aggi, e vigoram até os dias de hoje.


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Notas finais do capítulo

Beijinhos amores ;* se registrarem erros ortográficos, por favor me avisem kk



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