O país secreto. escrita por Apenas eu


Capítulo 25
Os guardiões


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora, é que estive um longo período sem internet, e isso ocasionou minha ausência. :D



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Abro os olhos, porém fecho-os em seguida. A luz do sol é tão forte, que ameaça me cegar.

Não sei o quanto chorei, mas tenho certeza de que foi até adormecer. Tenho vontade de ficar aqui, deitada o dia inteiro, pois todo o meu corpo dói.

Entretanto, a vida tem que prosseguir. Devo ser forte. Afinal, alguma coisa me diz- uma vozinha bem no fundo da minha cabeça- que Luize não foi a última a morrer. Pensar assim, me deixa deprimida, mas não posso evitar. Sei que essa voz em meu subconsciente tem absoluta razão. Dianna teve uma previsão, minutos antes de eu vir parar aqui na floresta. Ela, se não me engano, disse que de onze, apenas seis voltariam para casa com vida.

Meus olhos estão começando a lacrimejar novamente. E eu não aguento mais chorar. Forço-os a se abrirem, apesar da claridade, e me sento com esforço. Minha cabeça lateja.

Então, vejo algo diante de mim. Ou melhor, alguém. É uma cabeleira ruiva embaraçada, presa em um coque, feito do nó do próprio cabelo. É uma garota, isso é obvio, e ela não parece ter notado minha presença ainda. Observa o riacho atentamente, passando os dedos por entre as águas. Não apenas isso, a garota conversa com o riacho.

Me coloco de pé com dificuldade e caminho em direção a ela.

–Emma Bouringor.- Sua voz me surpreende. Como sabe meu nome? Melhor, como sabe que estou acordada?- É curioso os netos de Doquo virem parar aqui justo quando nosso país está em crise.

Ela não me olha. Continua com os olhos fixos na água. Talvez não estivesse falando comigo. Talvez estivesse falando com o riacho.

–Sabe, Emma, achei que dormiria um pouco mais.- Ela diz.- E sim, estou falando com você.

Engulo em seco. Não pelo fato de ela ter lido minha mente. Mas porque esse é exatamente o dom de Will, meu irmão sequestrado. Como sinto sua falta...

–Eu realmente achei que os poderes de Fogo e Gelo haviam sido extintos para sempre.- A garota comenta. Sua voz é mansa e intimidadora. Quase como a de Birc em meu sonho.

–Achou errado.- Digo. Minha voz sai mais trêmula do que pretendia.- O que te trouxe até aqui?

Então ela se vira para me encarar. Sua pele é salpicada de sardas e seus lábios, finos como uma linha. O nariz torto sugere que já tenha sido quebrado, e os olhos são completamente vermelhos. Seus olhos me sobressaltam, e recuo um passo.

–Não achei que dissesse “Nossa, Demmie, como seus olhos são lindos!”- Ela bufa, se levantando. É ligeiramente mais alta que eu. Usa uma blusa preta justa de mangas e calças jeans largas e surradas.- E não pense que passar a noite ao relento resolverá seus problemas, garotinha. E muito menos gritando como uma doida. Olhe, se quer atiçar os predadores da floresta, faça uma fogueira!

Semicerro os olhos.

–Está me dando uma bronca?

Está me dando uma bronca?– Ela me imita.- Por mim, você poderia morrer por aqui, e se eu achasse seu cadáver, teria uma refeição garantida.

Torço o nariz.

–Então o que está fazendo aqui?- Pergunto, dando um passo em sua direção.

–Os babacas dos meus amiguinhos.- Demmie gira os olhos.- E a missão estúpida que temos.

Essa Demmie é uma versão duas vezes pior de Hellena. Digamos que ela é... terrivelmente mal educada.

–Não vejo ninguém.- Dou de ombros.- Acho que está delirando.

Demmie revira os olhos novamente, impaciente.

–Se quiserem fazer o favor de aparecerem agora, agradeceria!- Ela aumenta o tom de voz, e parece entediada, voltando sua atenção para as unhas.

Primeiro, um garoto moreno, mais ou menos da minha altura, com um boné azul cobrindo os cabelos, simplesmente aparece ao lado de Demmie. Depois, a água do riacho começa a se concentrar em um só ponto. De início, não percebo, mas depois de alguns segundos, noto que a água está formando um ser humano. Uma menina para ser mais precisa. Ela deve ter mais ou menos a idade de Annabely. Seus cabelos lisos são bem escuros e os olhos, azuis. Uma ponte aparece sob seus pés e ela caminha por ela até chegar ao lado de Demmie. E por último, o irmão gêmeo do garoto que aparecera do nada, surge em meio às arvores, caminhando tranquilamente com as mãos nos bolsos.

Certo, a essa altura, estou completamente surpresa.

–Legal...- Murmuro.

–Legal porcaria nenhuma!- Demmie diz, batendo o pé contra o chão.- Você acha legal ter que vigiar você dia após dia?

–Espere, eu estou ficando confusa...- Pisco, sem entender absolutamente nada.

–Primeiro, acho melhor nos apresentarmos.- A menina que surgira do riacho diz.- Eu me chamo Jayssa. Esses são Demmitry- Ela aponta para a ruiva mal humorada, que gira os olhos.

–É Demmie!- Ela retruca.- Me chame de Demmie.

A menina, a mais baixa de todos nós, que se apresentara como Jayssa, suspira. Ela usa um belo vestido azul que lhe alcança os pés.

–Certo, Demmie.- Ela diz.- Bem, Emma, aquele ali- Ela aponta para o menino que aparecera do nada.- É Giroy.

–Eu sou o Vedir.- Retruca.- Quantas vezes vou ter que repetir?

–Certo, certo- Ela diz, começando a perder a paciência.- Vocês me irritam.

–Okay, Jayssa, eu acho que já entendi.- Respiro fundo.- Mas uma coisa ainda não está clara: Por que vocês tem que me vigiar?

Jayssa se aproxima de mim.

–Nossa história é longa.- Diz, baixando a voz.- Está disposta a ouvi-la até o fim?

Assinto, sem hesitar.

Ela faz um sinal para que nos sentemos, e obedecemos. Sentamos no chão, formando um círculo, exceto Vedir, que está criando uma espécie de parede invisível em volta de nós. Quando ele termina, senta-se ao meu lado. Vedir usa uma camisa roxa folgada e bermuda marrom. Seu irmão gêmeo, veste-se completamente diferente, com uma regata vermelha e calças azuis. Todos os quatro estão descalços.

–Preste atenção- Giroy diz, baixando a voz.- Não vá contar a ninguém. Nem mesmo a Larm.

Pisco, inclinando a cabeça em sua direção.

–Conhece Larm?

–Conheço você.- Ele retruca.- Já é o suficiente. Agora prometa.

–Certo, eu prometo, não contarei.- Digo, balançando a cabeça em concordância.

Jayssa respira fundo e começa a história:

–Há muitos anos atrás, fomos recrutados por Doquo. Ele nos deu uma missão. Nos deu a imortalidade. Ordenou que cuidássemos e vigiássemos seus filhos, no outro mundo, assim que caiu do poder. E tudo que fosse nova, deveríamos contar a ele. Até então, tudo estava normal. Até o primeiro neto dele nascer.

–...Trouxemos a novidade até Doquo, que se escondia na floresta.- Continua Giroy.- Mas ele não gostou do que ouviu. Vindre estava no poder, buscando algo que o fortalecesse, e Doquo tinha absoluta certeza de que ele tentaria sequestrar o menino. Depois, a família foi aumentando juntamente com a preocupação de Doquo. Cada vez mais netos seus nasciam. Mais netos seus sofreriam...

–...Foi aí que ele mudou nossa missão.- Prossegue Vedir.- Disse que agora estaríamos encarregados de cuidar e proteger vocês. Que vocês eram nossa única esperança, os únicos que poderiam nos livrar do caos que é o reinado de Vindre. Não podíamos recusar a missão, afinal já havíamos ganhado a imortalidade, já tínhamos a recompensa. Não trairíamos Doquo nessa faze difícil de sua vida.

–Certo, certo- Diz Demmie, gesticulando, ainda mais entediada.- Depois a majestade resolveu fugir e encontrou seu amigo bonitão.

–Demmie, você sabe que não foi bem assim.- Jayssa diz, em tom de alerta.- Doquo fugiu porque os capangas de Vindre descobriram seu esconderijo. E se não fosse por Larm, ele já estaria morto.

–Então, isso quer dizer que...- Franzo o cenho com o pensamento.- Estávamos sendo vigiados desde o nascimento?

–Você é surda, garota?- Demmie diz, irritada.

–Mas isso está errado!- Digo, começando a sentir meu estômago embrulhar.- Quero dizer... Se estavam nos vigiando, então por que não nos impediu de entrar naquela casa abandonada?

–Profecias costumam se cumprir.- Vedir diz, distraidamente.

–Profecia?- Ergo as sobrancelhas, boquiaberta.- Isso já estava previsto?

–Sim, Emma- Jayssa suspira.- já íamos chegar nessa parte.

–Mas... vocês poderiam estar ali.- Falo, gesticulando. A um passo da histeria.- Vocês não são nossos protetores? Poderiam ter rompido a profecia.

–Tentamos.- Diz Giroy, franzindo os lábios.- Mas Vindre nos sequestrou na mesma noite em que vocês...

–Tiveram a ideia esplêndida de invadirem uma casa velha e empoeirada no meio da noite!- Completa Demmie.

–C-como fugiram do cativeiro?- Pergunto, sem conseguir controlar a surpresa em minha voz.

–Já fugimos de cativeiros mais vezes que podemos contar.- Diz Giroy, com um sorriso orgulhoso.- Sou um manipulador.

–Como Larm?- Pergunto.

–Não, não como ele.- Giroy gira os olhos.- Ele é um hipnotizador. Só consegue hipnotizar por meio de objetos, no caso dele, a harpa. Eu tenho o dom natural de confundir pensamentos.

Minha boca se abre alguns centímetros e meu estômago se contorce mais uma vez.

–Birc...- Reproduzo o pensamento em voz alta.

–Não diga esse nome em minha presença.- Demmie cruza os braços.

–Aquele trapaceirozinho de uma figa...- Completa Giroy, semicerrando os olhos.

–Recapitulando.- Jayssa diz, impaciente.- Quando Giroy manipulava os guardas a abrirem a cela, e Vedir ficava invisível e saía batendo em qualquer um que encontrássemos no caminho, conseguíamos sair com a maior tranquilidade. Com as mãos nos bolsos. Geralmente, passávamos no máximo três dias no castelo, trancados, apenas para escutarmos algumas coisas que poderiam ser úteis a Doquo.

–Uau.- Digo, surpresa.- Vocês são mais poderosos que todos os netos de Doquo juntos.

–Tsc, tsc.- Demmie sacode a cabeça para minha tolice.- Está enlouquecendo. Vocês possuem poderes fantásticos. Nos matariam usando apenas o dedo mindinho.

–Uau.- Repito.

Nos entreolhamos alguns segundos, até que um pensamento invade minha cabeça. Luize. Se eles são nossos protetores, não deveriam ter deixado Luize morrer.

–Vocês falharam.- Um nó começa a se formar em minha garganta. Apertado e doloroso. E meu coração bate mais rápido em meu peito.- Uma das netas de Doquo morreu. Antes que pudessem impedir.

Todos continuam em silêncio por mais algum tempo.

–Desculpe.- Sussurra Jayssa.- Não pudemos impedir. Vamos resgatar os outros no castelo e seu irmão na casa de...

–Não fale o nome.- Adverte Demmie.

Suspiro.

–Obrigado.- Sussurro.

Ficamos mais algum tempo em silêncio. Algumas imagens de Luize feliz, retorna a minha mente e novamente tenho vontade de chorar. Tento afastar o pensamento para parecer forte, mas é inútil. Ela era mais que uma prima para mim. Era minha irmã, minha amiga, minha confidente. E agora, ela não existe mais. É apenas uma lembrança.

Se para mim foi um choque saber que ela havia falecido, imagine para Hellena, que a acompanhou a vida toda? Preciso dizer a ela. Ela merece a verdade. Mas como dizer isso? Ela não acreditaria. E se acreditasse, se desesperaria. E agora, o que fazer?

–Emma, eu já vou...- Jayssa diz, lançando-me um sorriso de despedida.

Ela se vira e pula no riacho, se desintegrando. Vedir desfaz a parede invisível e, depois de dizer um “Tchau” que soa mais como um “eu sinto muito”, desaparece de repente, do mesmo jeito que aparecera.

Giroy mantém o olhar fixado no riacho desde que Jayssa pulara ali. Ele parece meio aéreo e triste também.

–Nós nunca deveríamos ter deixado a menina morrer.- Sussurra ele.- Perdoe nossa incompetência.

–Não foi culpa de vocês.- Digo.- Há uma profecia... e eu sei que ela se cumprirá.

Ao dizer isso, o olhar de Giroy volta-se para mim, surpreso, e Demmie me estuda atentamente.

–Mais quatro morrerão.- Continuo, sentindo que o nó em minha garganta logo se desfará e todas as lágrimas acumuladas serão derramadas.

O silêncio toma conta mais uma vez. Giroy se levanta e aproxima-se de mim. Então se abaixa e me abraça. Um abraço apertado e confortador. Eu teria caído no choro ali mesmo, não fosse por Demmie, que pigarreia alto o suficiente para nos separar. Então, ele vai embora, sumindo em meio as árvores da floresta.

Lanço um olhar entristecido para Demmie. Ela parece perceber o quanto a dor está me consumindo, pois se aproxima de mim, e do jeito mais carinhoso que consegue, me diz:

–Acho que deveria contar a ela.

Sinto algumas lágrimas descendo por minha bochecha. Sei exatamente do que está falando. Contar a Hellena. Dizer que sua única e amada irmã morreu.

–Como se sentiria se tivesse a responsabilidade de contar a Giroy que Vedir morreu?- Pergunto, com a voz abafada.

–Isso nunca acontecerá, ambos são imortais.- Ela dá de ombros.- Mas se é só um exemplo... Bem, eu seria forte. Teria coragem. Mesmo que Giroy se desesperasse e começasse a chorar descontroladamente, passaria a ele toda a confiança que conseguisse. Estaria ali para ampará-lo. Emma, a vida não é fácil. E isso aqui... esse mundo aqui... isso não é um paraíso.

Tento absorver todas as suas palavras, mas para mim, parecem vagas. E essa última frase, foi exatamente o que Arismir me dissera. A pessoa que eu mais queria apagar de meus pensamentos. O monstro que acabou com a minha vida...

–Eu não sou a pessoa mais indicada para dar conselhos, mas se há uma coisa que não canso de repetir é: A coragem é a base do ser humano. Precisamos dela.

Balanço a cabeça em concordância, e depois a observo se levantar e ir para a floresta. Antes de sumir de meu campo de visão, lança-me um sorriso confiante. E depois se vai.

Estou sozinha novamente.


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Notas finais do capítulo

Beijos. Se houver algum erro, me avisem por favor. ;)



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