Como era uma sexta feira, Alicia me convidou pra ficarmos ali e começarmos o livro.

–E... Tem algumas coisas que preciso te contar. -ela se encolhe e senta ao meu lado. –Mas antes, tenho algumas idéias.

–E quais são? –eu pergunto enquanto dedilho o violão e anoto algumas notas mentalmente.

–Vamos conversar como se eu fosse a Esther, e você o Hencaz. Tudo bem? É pra gente entrar no personagem.

Eu sorrio e concordo com a cabeça.

–Hum... Hencaz?-ela pergunta.

–Sim Esther?-eu respondo.

–Faça-me uma pergunta. –ela diz sorrindo. Eu paro pra pensar e fico a olhando. Depois de um tempo, finalmente pergunto.

–Por quem você morreria? - questionei. Liss desviou o olhar e se pôs a pensar. Aquela era uma pergunta mais que interessante. Depois de um tempo, voltou a olhar pra mim com um olhar sereno e um doce sorriso nos lábios.
–Acho que eu morreria por alguém da minha família. Ou até por qualquer um, acho que se não o fizesse, depois a culpa me ocorreria. – balancei a cabeça em concordância. - mas enquanto eu pensava me ocorreu o pensamento de que morro por quem amo todos os dias. - ela deu um pequeno sorriso e a olhei meio espantado. - sim, eu morro. Meu orgulho morre, meus defeitos morrem. Minhas vontades morrem. - ela abaixa a cabeça. –Espera, tem uma parte que é do narrador sobre a Esther, posso falar?

–Pode. –eu respondo sorrindo.
–Havia bem mais palavras no raciocínio de Esther, mas ela não diria assim a ele. Ela gostaria de dizer de dizer que, “E eu só queria estar com quem eu amo. Porque naquele momento , nada mais importava, é como se tudo o que sou de ruim ou bom desaparece, e sou feita de pura paixão. Nada mais importa nenhum problema, nada. Meus pensamentos são sintonizados em uma única estação, e todas as músicas que tocam são nossas palavras e o som da sua voz. É como se o mundo parasse e tudo nele também, as coisas perdiam as cores, as direções perdiam o sentido e eu perdia a razão. E como eu sempre chego quase ao meu limite, você chega e zera meu jogo, me dando mais tempo para respirar e por alguns momentos confesso que também os tira. Mas não existe nada melhor que essas sensações.”
Ela sorria distraída.
–Mas e você? Qual a sua opinião sobre o amor?-ela me pergunta, e dessa vez eu não sabia se a pergunta era pra mim ou pro Hencaz.
–Bom, eu discordo da Cassandra Clare. “Amar é destruir o seu amado é ser destruído.” Não é exatamente assim. - eu disse e a olhei de relance para Esther que me olhava distraída e admirada. - Eu acho que as pessoas usam o verbo “amar”, com freqüência demais. Pra qualquer situação. Desde atração física até gostos culturais e preferências.
Ela me fitou com seus olhos castanhos intuitivamente.
–Explique. Disse imitando o tom e o olhar de um terapeuta. –sorri e continuei.
–Na maioria das vezes dizem isso da boca pra fora. Só pra agradar e iludir ou também porque já faz parte do vocabulário do dia a dia. “Nossa como amo essa música”, eu até acho bem feito quando alguém quebra a cara. Vai saber quantos “eu te amo” ela já distribuiu por aí sem nenhum sentimento.
Liss ficou espantada, mas depois sorriu.
–Nossa... Isso foi cruel, porém verdadeiro. Então você não sai por aí declarando amor? - ela disse sorrindo sarcástica e eu ri.
–Não, eu acredito que... Deus é o próprio verbo amar. O verdadeiro amor perfeito. E se é perfeito, não machuca e sim cura. O amor é como uma faca de dois gumes, mas depois de um tempo você para de sentir dor de um lado porque o outro cura toda a dor. E além do mais o amor mesmo só se encontra uma vez na vida, em uma única pessoa. –eu olhava Esther que me fitava curiosa. - aquela pessoa que não importa os defeitos ou o jeito dela, você realmente a ama, até nos piores dias e as piores partes dela.
–Então você ainda não encontrou essa pessoa? - desta vez seu tom era sério.
Mas eu somente sorri, o que a surpreendeu de certo modo.
– É cedo demais pra dizer. Mas pode ser que sim. - digo com certo desdém na voz.
–Só toma cuidado com esse “cedo”. O tempo não para. Amanhã pode ser tarde. - ela sorriu. - daqui a pouco pode ser tarde. - ela aconselhou e eu arregalei os olhos.
–É mesmo! Aí meu Deus a pizzaria vai fechar. -levantei em busca do celular sorrindo e ela gargalhou.
–Está rindo do que? Isto é sério. Nem consigo pensa em dormir sem minha… Pizza no estômago! – Liss deu uma risadinha nervosa.
–Quer saber de uma coisa? Eu acho que você já encontrou “aquela pessoa”. Só não sei por que não começou o seu feliz pra sempre. - Ela argumentou sorrindo.
–Tem razão, eu já encontrei. Mas só não sei se ela sabe disso tão bem quanto eu. – eu a encaro com os olhos fixos nos do dela e a sobrancelha levantada. E acabei que por deixando escapar um sorriso. Aproximo-me dela e meus pensamentos me tomam. Tudo que sentia e tudo que queria vêm à tona. Até que finalmente declaro. - Bacon, Portuguesa ou Catupiri?

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–Essa pizza é pros personagens né?-ela sorri.

–Claro, eu adoraria uma pizza agora, mas você me trouxe pro meio do nada, onde penso em tudo. –declaro enquanto guardo o violão e olho pela janela, a noite escura e brilhante. - Já escureceu e eu nem percebi...

–Estávamos concentrados demais pra perceber qualquer coisa. –ela dá de ombros com certa ironia.

–Ei, vamos lá pra fora. –eu digo enquanto a puxo pela mão porta afora.

Sentamos-nos próximos a um canteiro de flores. Logo estávamos deitados no chão observando as estrelas.

–‘’Olhem só elas, Lá paradas e brilhantes

Se exibindo de vidas perfeitas lá no céu,

No meio dos grandes, brilhando em um espetáculo

Tão emocionante. Sem nenhum problema,

Sem nenhum temor, assim queria minha vida.

Como estrelas, ser simples, porém cheia de amor. ’’-ouço Liss sussurrar e a olho.

–De quem é esse poema?Veríssimo? - pergunto admirado.

–Meu. Fiz quando tinha uns 12 anos. -ela dá de ombros. E eu fico de queixo caído.

–Só conheço duas coisas bonitas sobre as estrelas. Uma estrofe de um poema de Olavo Bilac, que diz: ‘’E eu vos direi: ‘Amai para entendê-las!/ Pois só quem ama pode ter ouvido/ Capaz de ouvir e de entender estrelas’’. Tirando esse, tem aquela música do Ed, All of The Star’: ‘’Então abra seus olhos e veja/ Os nossos horizontes se encontrando/ E todas as luzes irão te guiar/ Pela noite, comigo’’.

–Não conhecia essa, mas já adoro. -ela sussurra de volta com uma voz arrastada, cheia de sono.

–Você já está cansada? São só oito da noite!-eu digo sorrindo.

–São meus remédios. –ela murmura e ouço-a caindo no sono. Remédios?! Pra quê esses remédios que são fortes o bastante pra deixá-la com tanto sono. Um aperto de forma no meu peito.

–Liss? –Sussurro. Ela não responde. –Liss... –digo de novo e me sento. Ela havia pegado no sono. Seu rosto estava brilhando, e seus cabelos caiam sobre os ombros e o pescoço. - Você não pode dormir aqui fora, bela adormecida.

Levanto-me e a pego no colo, carregando-a pra dentro da cabana. Coloco-a na cama e a cubro com um edredom violeta que achei nos armários. Quando fui cobri-la, não pude deixar de reparar em algumas cicatrizes realmente feias em suas coxas, só consegui ver porque seu short havia subido um pouco, as cicatrizes iam subindo até a base de sua coluna. Ela estava deitada de bruços, e também vi uma cicatriz em seu pescoço. Então as cicatrizes horríveis iam das coxas até o pescoço?... Não gosto de pensar no que poderia ter acontecido pra ela ganhar aquelas marcas. Mas sei que foi algo realmente grave.

Enquanto penso sobre isso, assustado e meio perturbado, nem percebo quando ela começa a se remexer durante o sono. E murmurar palavras indecifráveis pra mim. Até que em um momento, ela começa a gritar.

–Liss! Liss!-eu a balanço pelos ombros até que ela saia do transe do sono. Lágrimas começavam a rolar pelos seus olhos.

–Ah meu deus foi tão horrível!-ela dizia e enxugava algumas lágrimas.

–O que aconteceu no sonho, Alicia?-eu pergunto enquanto a abraço. -Está tudo bem agora. Eu prometo. –Seu rosto estava retorcido pelo pavor, e seus olhos estaziados e cheios de lágrimas enquanto mantinha uma respiração acelerada.

–Eu... Eu vi meu filho. –ela diz por fim.