POV – Úrsula.

" Hoje tudo vai mudar! Sinto como se meu corpo voltasse a ter vida. " - Mergulhada em devaneios, observava as folhas brotando das paredes sujas do dois por dois que “morava”. Eu já estava atolada de tédio por não começar logo a agir. Já se passara alguns dias que enviamos as cartas, a essa altura, a cabeça de Melody já deveria estar nas minhas mãos.

O meu plano era perfeitamente eficaz. Eu queria uma das duas mortas, ou a mãe ou a filha. Uma delas vai se voluntariar. Se não tudo que elas tem será perdido num vácuo extenso deste universo. Simplesmente, só tinha que fazer meu filho, Jason, beijar a “namoradinha” Melody e dizer verdadeiramente que a amava. Jason também queria vingança, só não sabia a quem recorrer e como começar.

Movimentei meus tentáculos levemente enquanto me direcionava até a frente do espelho de bordas de ouro, encontrado ao centro de meu quarto – Formato quadrado, possuindo piso de madeira velha e paredes de pedra que enfeitadas por plantinhas brotantes das rochas eram o melhor da " decoração " do meu dormitório. Minha cama era uma espécie de banheira, também de pedra, totalmente lotada de água salgada. Retirando o espelho e minha poça particular, o quarto era totalmente vazio, sem nenhuma janela ou porta.

Avistei meu corpo, que não era mais o mesmo. Minha pele fora coberta por um líquido âmbar, que ao endurecer, fizera minha corrente sanguínea congelar, consequentemente, meu coração parar de bater. Não havia expressão em meu rosto, eu não conseguia sorrir, chorar e nem mesmo zangar-me por algo. Mas eu não ligava, se ser coberta dos pés a cabeça por cobre me faria recuperar cada gota de meu poder, eu iria até o fim.

Do outro lado do espelho, na realidade da Terra Encantada – O mundo mais dramático e meloso que qualquer um, na esfera terrestre e em todos os outros globos, já vira.– eu via Regina andar de um lado para o outro. Pensativa e esperando.

Sinceramente, eu nunca gostei de Regina. Sempre pensei que ela possuía problemas sérios de autoestima e que seus motivos para a maldade eram ridículos. Mas ela me fora útil nos últimos quinze anos e isso era o que importava.

Ergui a mão até o vidro do espelho, dando leves soquinhos para lhe chamar a atenção.

– REGINA! - Gritei enfurecida. - Eles já estão juntos?

– Na verdade não. Jason a espera numa rocha e Melody ainda se encontra na carruagem.

– Quem está com ela?

– Dois adolescentes. A filha de Aurora e de Phillip e o filho de Cinderela e Edward. - Regina me passava as informações que via através de sua esfera de cristal gigantesca. Esta era sustentada por uma base de ferro que a deixava na altura correta para um ser humano de saltos como a “rainha má”. - Não são importantes.

– Espero que eles não nos atrapalhe impedindo que Melody vá para o mar.

– O garoto, Felipe, demonstra uma afeição pitoresca pela filha de Ariel. Mas pelo jeito, não é algo que a faz perder a cabeça.

– Claro que não! Ela é apaixonada por meu filho, ele é encantador como sua mãe. - Ri, relembrando-me da minha época de ouro em Atlântida. Eu era popular e amada, aposto que sentiam falta de mim.

– E beija bem. - Enojando-me, sussurrou ela.

Jason achava que sua mãe preciosa estava morta. Sinto pena de meu filho, que fora criado nos últimos anos por uma família adotiva em Atlântida. Mas ele era perfeito, como eu. Sempre fora um ótimo pivô para a maldade. Hoje vivia afastado do território de Netuno, Rei Tritão, pois fora banido por um crime que cometeu.

Eu sabia que ele estava apaixonado. Eu sentia isso no meu coração tão doce de mãe (Doce feito veneno). Via através do meu espelho os seus encontros com Melody, e como seus olhos brilhavam quando pensava nela. Por isso sabia que o feitiço de Regina não falharia.

# Um ano atrás…. #

– Até mais Melody! - Eu via os dois nadando a horas, e claro que tudo fora plantado por mim. Melody só havia brigado com sua mãe pois eu teria plantado o tão preciso amuleto de Ariel no quarto da garota (Convenhamos, aquele colar de concha era extremamente ridículo). E Jason só nadara ali pois era o único espaço que ele poderia viver, sem estar em Atlântida. Assim como eu, ele havia tentado roubar o tridente, mas não teve seu corpo ferido quando fracassou. Mas, para isso, ele teve que matar algumas sereias e fazê-las de refém para fugir. Assim fugiu para próximo da superfície. - Espero te ver de novo.

– Quem sabe? - Seu sorriso encantador de princesa de contos de fada me dava nojo. No fim, após tantas olhadas de romance juvenil, Melody deu meia volta e nadou em direção à praia.

Jason a fitava sonhador. Foi naquele momento que eu soube que ele iria se apaixonar e que meu plano funcionaria.

Quando a garota já estava longe o suficiente, Regina apareceu. Ela nadava totalmente sensual, no corpo de uma das mais belas sereias que Atlântida já vira. Seus olhos eram acinzentados, com cílios longos dando-lhe destaque. Seus lábios eram avermelhados e seus cabelos, castanhos, bem cheios, que desciam até o meio de suas costas nuas. Na parte de cima, usava conchas brancas e pérolas belíssimas como alças, e sua calda, possuía um tom dourado pálido.

Seu cheiro era forte demais. Era uma mistura de luxuria muito conhecida nas artes dos encantamentos. Aquilo faria Jason não resistir a ela.

– Quem é você? - Indagando-a, Jason sorriu malicioso. Regina mordeu o lábio inferior em resposta. Não podendo falar, apenas se aproximou. Se ele ouvisse sua voz, o feitiço iria se desfazer. Uma das poucas coisas que podemos mudar em nosso corpo é a voz. Ela se auto modifica e carrega toda a potência de nosso corpo. - Não pode falar?

Ignorando as palavras de meu filho, Regina o puxou para perto, encaixando seus lábios nos dele. Jason ficou hipnotizado, enquanto a maldição adentrava em seu corpo. Não iria feri-lo, só envenenaria seus lábios. Quando ele se sentisse pronto para dizer “Eu te amo” a alguma garota, o amor verdadeiro me faria retomar a força do meu poder perdido.

Por ser tão poderoso, é raro encontrar o amor verdadeiro. Muitos tem a crer que possuem essa virtude, mas são apenas iludidos pela paixão. Esta que é muito traiçoeira, pois cega muitos e poucos permite ver.

O beijo acabou e Jason caiu adormecido sobre a areia. Quando acordasse, não se lembraria de Regina, nem que a beijou. Só teria em mente, Melody. Agora ele era a minha isca.

#……………#

***

POV – Jason

Eu finalmente conseguira dizer “eu te amo” para Melody. Aquelas palavras já estavam em minha garganta fazia muito tempo, mas eu me negava a dizer. Tinha tantos segredos que escondia de Mel. Era um assassino, um bandido e um ladrão. Atlântida inteira me odiava, mas eu havia mudado e tinha a vontade de contar tudo a ela, pois sabia que entenderia-me.

Toda aquela rebeldia de “tritão abandonado pelos pais” pertencia o meu passado. Agora eu era um homem. E eu queria viver o resto da minha vida com Melody. Quando olhava em seus olhos, sentia que ela fora feita para mim.

– Eu também te amo. - Me respondeu, ainda em meus braços. Aproximei nossos lábios até que este se colaram um no outro. Já havíamos nos beijado antes, mas aquele beijo era tão forte, tão intenso que fez o meu corpo inteiro tremer. Sentia como se o meu coração fosse abraçado por Melody, e que minha vida estivesse a partir daquele momento, em suas mãos.

– Não sabe como estou feliz em ouvir isso! - Exclamei após o beijo. - Eu tenho algo para lhe dar. Isso representará o nosso amor no futuro! Quero que sempre se lembre de mim, mesmo quando estiver na sua forma humana.

– Jason! Não precisa me dar nada. Eu sempre lembro de você, não importa se estou sereia ou humana. - Sorrindo, beijou-me a bochecha. Estendi a palma da mão, dando-lhe uma pulseira de pérolas. No meio das bolinhas brancas, um J e um M se encontravam juntos cravados numa pequenina rocha.

– Eu mesmo que fiz espero que goste! Eu te amo meu amor e saiba que eu também penso em você em todos os momentos da minha vida. - Ela fisgou a pulseira, prendendo-a ao pulso direito. Após, abraçou-me.

– Muito obrigada!

De repente aquele momento fora interrompido por uma nuvem verde que surgira no meio de nós, empurrando-nos para longe um do outro. Eu não sabia o que estava acontecendo, só precisava encontrar Melody em meio aquela fumaceira.

– MELODY. - Gritei, tentando ignorar as risadas maléficas que iniciaram vindo da névoa esverdeada, a procurava em meio a fumaça. - MELODY MEU AMOR, ONDE VOCÊ ESTÁ? - Nadei em sua procura, mas sentia a fumaça verde empurrar-me para trás.

A nuvem parou de se espalhar, voltando ao centro de onde surgira. Pensei que fosse embora, mas, tomou a forma de uma sereia adulta. Transfigurando-se numa mulher de cabelos loiros e calda roxa, tinha em sua boca um sorriso largo, parecendo satisfeita.

– Finalmente! - Movimentando o pescoço, estalava-o aparentando ter acabado de acordar. - Ah! Crianças queridas, como sou grosseira. Devo agradecê-los!

Quando finalmente vi Melody, senti um alívio ao coração, mas seu semblante trazia um olhar aterrorizado, que fez-me ser tomado por uma raiva intensa. Debati a barbatana com ódio, querendo enforcar a mulher que acabara de nos atrapalhar.

– JASON! - Gritou-me, nadando em minha direção o mais rápido que pode. Entretanto, num leve movimento dos punhos, a mulher fez com que nós fossemos golpeados para trás fortemente, nos afastando dela. - AHHHHH!

– MELODY! DESGRAÇADA, PARE COM ISSO! - Berrei furioso, fixando olhos na mulher. Ela me olhava parecendo falsamente magoada com o “desgraçada”.

– É assim que você fala com a sua mãe Jason?

– Mii-inha mãe?

– Sua mãe? AHH! Solte-me, solte-me!! - Estava tão atordoado com o que acabara de ser dito pela minha suposta, mãe biológica, que não percebi que Melody fora presa pela mulher. - Jason!! Acorde, Jasooon! Ahh…

– SILÊNCIO! - Fui tomado por um uma mágica poderosa que não me permitia falar. E pelo jeito, Melody também. Mas se pudesse, eu não falaria nada. Pois mesmo que aquela mulher não fosse minha mãe biológica, como ela sabia que aquilo afetava-me tanto? - Ótimo, ótimo. Agora, vou me apresentar: Eu sou Úrsula! A diva dos sete mares! Sim, prole de Ariel, eu sou a madrinha de sua mãe. Fico contente em vê-la tão crescida e tão bonita. É uma pena que terei que arrancar deste corpinho, essa linda face. - Apertando Melody pelas bochechas, fez-me acordar do susto. Eu não ligava que aquele ser poderia ser minha mãe, eu tinha que proteger o que me era mais importante, Melody!

Movimentei-me o mais forte que pude, mas era inútil, eu também estava preso. Sentia como se cordas envolvessem o meu tronco, mas eu não podia vê-las. Quanto mais me movimentava, mas sentia as “cordas” apertarem-me.

– Ei, ei.. Filhote! Não se mova, vai doer mais. - Aconselhou-me sarcástica, focando seus olhos nos meus. - Você tem os olhos de seu pai. Pena que tive que matá-lo quando descobri que ele me traira. Hahahaha… Foi um tanto engraçado como o matei, mas particularmente, fiquei impressionada com a sua fome de sangue quando vi que você matou não uma, mas sim três sereias de Atlântida. - O meu passado atingiu-me como uma rocha lançada em meu crânio, eu não aguentava saber que Melody ouvia tudo aquilo. Sua expressão era confusa, mas, ao mesmo tempo, eu via medo em seu olhar. - Gostaria de pedir o seu perdão filhote, mas os pais daquela ali “me mataram”, mas pelo jeito não se certificaram se haviam feito o trabalho corretamente. E por sorte, não fizeram. Agora estou aqui com você. Mas, antes, tenho que matá-la. Porém, eu farei isso do modo mais sujo possível, o modo mais demorado. Desculpe-me bebê, mas… Bons sonhos.

Novamente ela movimentou o punho e eu fui lançado para longe até bater as costas em uma rocha arredondada. O impacto fez-me perder os sentidos, e eu apaguei.

Quando acordei, não havia ninguém lá. Apenas sobre a areia, reluzindo os raios solares que adentravam a água, encontrava-se a pulseira de pérolas. O desespero atingiu-me, meu precioso anjo havia sido raptado.