Always escrita por Bella Guerriero


Capítulo 1
Anjo da Morte


Notas iniciais do capítulo

Bem ,prestem bastante atenção ,pois só quem é bem atento ,entenderá a natureza dessa #One-Shot.



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A vida pode terminar tão rápido quanto começa .Em um momento você pode estar festejando com os amigos em um bar no subúrbio de sua cidade Natal ,e no outro pode receber uma ligação que pode mudar a sua vida.

Como disse um grande escritor ,a vida é uma montanha russa que só sobe para cima ,onde o momento presente é o que você tem e nada mais.

Tudo na minha vida mudou tão rápido que aqui ,deitado no sofá azul do meu quarto ,mal posso acreditar que a perdi para sempre...Ainda consigo ouvir a sua risada alta e grave de pura diversão ,ver seus olhos azuis brilhando quando falávamos de algo que ela gostava ,ou de quando ela se jogava neste mesmo sofá de raiva. Tudo é ainda tão presente ,que não consigo viver com a dor.

O toque do telefone para mim ,é ainda como uma sirene ,anunciando a presença da dor e da Morte ,pois foi assim que tudo mudou.

Em uma tarde de verão ,como muitas que foram nossos dias de mais pura alegria ,foi quando eu ouvi o telefone tocar ,e depois de uns minutos dele parar ,a vulto do rosto da minha mãe apareceu na porta do meu quarto ,ela entrou sem bater ,se ajoelhou ao meu lado com o rosto sem expressão ,e delicadamente retirou o meu fone de ouvido da orelha direita e sussurrou ao meu ouvido.

-Sinto muito...-Com a voz entalada na garganta.

Demorou um tempo para minha mãe poder falar ,mais um tempo para eu entender ,mais longas semanas para eu aceitar o que aquilo significava.

Parece que o tempo ,de algum modo ,passou mais devagar ,mas também mais rápido. Na realidade ,não consegui registrar a passagem dos tempos naquela semana ,só que de alguma forma ,sem eu perceber ,estava num cemitério ao sul da cidade ,de preto vendo um caixão de marfim escuro ,com uma mãe de joelhos no chão em frente ao caixão ,chorando sem parar com uma dor avassaladora no peito ,que eu entendia muito bem. Dois irmãos segurando cada um uma das mãos da mãe ,sem saber se a consolavam ,se consolávam ,ou deixavam as lágrimas correrem assim como ela .Uma avó que não aguentaria muito tempo a mesma dor ,um pai que olhava para o céus perguntando em silêncio: ”Porquê? Porque Deus ,você a tirou de mim?” E mais milhares de familiares. Pessoas que a viram crescer ,aprender ,que a ensinaram a andar e a viram se transformar num bebê inocente na garota incrível que ela se transformou e nunca voltaria a ser.

Parecia que eu não pertencia aquele lugar ,que tudo que eu tinha aprendido e vivido com ela ,não tinha um peso o suficiente para eu chorar no seu leito de morte .Parecia que vê-la naquele caixão com um vestido branco de renda até o joelho e de mangas ¾ ,era desonrar a dor de quem ela conviveu em seus 16 anos.

Sai de lá ,sentindo o vento leve no meu rosto me fazendo lembrar de que mês amaldiçoado nós nos encontrávamos ,era Setembro. Acredito que o pior Setembro que ela jamais poderia se lembrar.

A sua morte ainda era um mistério ,pelo o que eu tinha ouvido ,parece que ela tinha sido atropelada por um ônibus desgovernado na avenida principal ,mas de alguma forma ,aquilo ,nada daqueles dias se encaixava .A forma que ela estava quieta no nosso último encontro ,ainda assombrava minhas noites .Enquanto todos nós estávamos animados com a chegada da primavera ,ela estava amoada em um canto qualquer da minha casa ,olhando pela janela ,com os últimos ventos de inverno balançando a copa das arvores .Abraçando as suas pernas como se algo de ruim estivesse para chegar .E chegou. Chegou tão rápido e de repente que não teria como dizer que não uma coisa do destino. Mas eu a conhecia!!Como não pude perceber os sinais? Ela não era quieta tão pouco grossa ,e eu não a tinha feito feliz no seu último dia Bom-mau. Eu não tinha a deixado ler o mangá ,ou escrever ,ou jogar baralho ou ainda ver um maldito episodio de TVD. Porque não a fiz feliz? Ter seu último momento com nossos amigos feliz ,fazendo algo que ela gostasse .Eu sabia ,agora ,que se tivesse visto 10 minutos daquela série ela teria se satisfeito ,só de sentar ao lado do Max ,deitando em seu braço e a vendo sorrir enquanto ele sorria em resposta .Mas nada disso aconteceu ,eu só dizia ‘talvez depois ,vamos fazer isso agora.’

Mas não importava quanto eu lastimasse em minha cama ,ela não voltaria ,eu não podia voltar no tempo para mudar todas as minhas escolhas erradas , e a última imagem dela ,passando pela porta da sala indo embora ,se virando para ver pela última vez seus amigos e minha casa ,em despedida ,com uma lágrimas presa ,iria me assombrar pelo resto da minha vida.

Não sabia se o ônibus estava desgovernado e a matou ,ou se ela se jogou na frente dele ou se ainda tinha se jogado da janela do quinto andar ,como sua música favorita dizia, o que importava era que ela estava morta .E ainda depois de tanto tempo ,qualquer lugar que eu olhasse me levava a lembranças que a meses eu tentava sufocar .Um quadro na minha casa que ela adorava ,ou os meus livros que ela cobiçava que ela nunca lerá e que estavam no canto do meu quarto ,mofando. Ainda podia vê-la sentada na cadeira do meu computador jogando CatMario e eu a chutando gritando animada:

-Vamos jogar burro!-E virando lentamente dando uma última olhada na tela ,ela olhava em meus olhos abrindo o pequeno sorriso que ela continha naturalmente e dizia em resposta.

-Calma baby “on my tchay”.-Meu apelido carinhoso que eu tanto gostava e que me fazia rir sempre ,e que ninguém nunca mais me chamaria ,não com aquela piada intima que nós tínhamos.

Era em momento como esse ,que eu não aguentava a saudade e a força das lembranças ,que eu saia quebrando tudo na casa ,virando sofá ,quebrando vasos ,cadeiras e qualquer coisa que ousasse entrar na minha frente e que me fizesse me lembrar dela .Ou seja :tudo. Ironicamente meus surtos era bem na hora que minha mãe chegava do trabalho ,e me agarrava com uma força que eu não acreditava que ela tinha ,me sentava no sofá ainda me prendendo ,deitava minha cabeça em seu colo e me ninava repetido que tudo ficaria bem ,mesmo ela sabendo que nunca ficaria .Em um dia desses que eu me lembrava de como ela sorria tranquilo quando a via ,vendo o anjo que havia tirado o filho(a) da parte negra da vida e mostrado a parte boa ,e com lágrimas agora ,vendo que o mesmo anjo a via colocado de volta a vida negra.

Ainda chorava toda noite e visitava seu tumulo todos os domingos a tarde ,que para mim era a hora mais depressiva da semana .Conversava com ela sentado na grama verde sentindo o tempo passar ,e me lembrando sempre que a única coisa que me restava ,era minhas lembranças e uma lápide cinzenta.

Semanas se passaram ,e então o dia da música na escola havia chegado ,me trazendo mais dor do que eu podia suportar .então em minha carteira olhando o professor tagarelar sobre uma matéria que eu não tinha ideia do que era ,com o fone de ouvido estourando os meus tímpanos ,não pude me esquecer de que era seu sonho ter se juntado a mim naquela sala. Ouvir seus soluços ao telefone no dia em que ela soubera que não havia conseguido ,brotavam freneticamente da minha mente me deixando ainda mais nervoso(a).

O professor fez sinal para mim retirar o fone e revirando os olhos ,obedeci. Nesse momento o alto-falante anunciou que a próxima musica do dia seria exibida. Então o som leve do começo da 9° Sinfonia de Beethoven encheu os corredores gélidos da escola ,sendo seguido por uma voz infantil alterada pela gravação que eu reconheceria em anos de vida ,dizendo suavemente .’Essa é para você.’

Sai da escola as presas ,sabendo de alguma forma que estava na hora de encarar meus medos .Naquela manhã tinha recebido uma mensagem de texto da mãe dela ,dizendo que iria começar a empacotar suas coisas ,e que precisava de ajuda. Quando a li ,pensei de imediato que não aguentaria ,não tivera entrado em seu quarto desde a última vez que a vi sorrir ,e aquela dor ,não poderia encarar tão cedo ,a perda era muito recente.

Mas havia chegado a hora. Respirei fundo antes de apertar a campainha e ver o rosto vermelho e inchado da mãe dela aparecer para abrir a porta .Me assustei com a semelhança delas ,e podia jurar que tinha visto seus olhos castanhos virarem azuis e seu sorriso calmo ser enviado para mim.

Subi as escadas devagar ,tentando acalmar meu coração e demorou mais de cinco minutos antes que eu pudesse girar a maçaneta .Assim que a porta branca do inferno se abriu ,seu cheiro veio de encontro a minha narina ,fazendo meu peito doer .Respirei fundo ,1,2,3 ,4 vezes antes de abrir os olhos e ver seu quarto do jeito que ela deixou: cama com uma colcha branca .Poster de seus filmes e bandas preferidos e sua estante de livros .Fiquei longos minutos olhando-a ,sabendo que muitos exemplares ela nunca iria ler .Vi sua camisa de banda preferida jogada ao lado da cama e não resisti a pegá-la e espremera contra o rosto deixando algumas lágrimas salgadas banhá-la.

Me sentei na cama esperando me recuperar .Comecei a remexer em seu criado mudo encontrando uma carta que eu havia enviado ,onde eu dizia que ela para ela ter esperança ,pois pessoas especiais ,como ela era ,mereciam tudo que seus sonhos mais loucos ansiavam. Agora ,nessas circunstâncias ,me pareciam palavras de um louco.

No fundo da gaveta encontrei seu caderno de poesia o qual encarei por um tempo ,queria lê-lo ,mas me parecia errado ,como se fosse entrar em sua mente. Mas no fim ,cedi pois precisava entrar nem que fosse só mais uma vez na sua mente que eu tanto queria entender. Folheando-o ,na última folha encontrei uma mensagem .Era para mim.

“Sei que você deve estar fuçando as coisas de meu quarto por algum motivo para ter encontrado esta .Não sei porque você está fazendo isso ,mas se você só estiver bisbilhotando enquanto fui buscar um sanduíche ,guarde isso agora mesmo ,pois não lhe pertence .Mas se por alguma obra do destino ,ou não ,fique com esse livro ,e com as cartas que me escreveu ,pois sempre pertenceriam a você.

Provavelmente você tem inúmeras perguntas sobre o que pode acontecer,mas acredite: algumas perguntas ,não foram feitas para serem respondidas ,pois as respostas não são quais queremos ouvir ,muito menos aceitar ou entender ,mas acredito que o destino irá me ajudar.

Também sei que você deve estar se culpando por algo que não fez ,pois é de seu fetiche ,mas me escute :Não se culpe pelo o que o futuro reservou para mim ,você não tem culpa pelo o que está acontecendo comigo, eu aceitei o que a vida me propôs ,e espero que você aceite o que ela lhe entregará.

Não me pergunte como eu sei que você achara isso ,eu só sei ,pois você me conhece de verdade e eu não poderia contar a mais ninguém isso a não ser a você só não sei como.

Tenho que te contar ,que minha vida acabou no instante em que eu abri o exame-que sinto em lhe dizer ,eu nunca vou lhe contar que exame é este, será um de meus segredos que eu levarei comigo até o fim de meus dias. Mas saiba: você não precisa viver nesse inferno comigo pois minha vida acabou ,mas a sua está apenas começando! Não viva neste mesmo inferno que eu. Expulse-me ,ignore-me condene-me faça o que for preciso para ser feliz e não viver com minha sombra. Seja só feliz ,como você sempre foi.

Lembre-se :Quem ama ,sempre deixa ir.

P.S :Se precisar realmente de mim ,leia meu caderno ,tudo o que eu poderia lhe dizer ,esta nele .Não tenha medo de meus pensamentos ,só da minha imagem.”

Enxuguei as lágrimas de transbordavam aos montes de meus olhos e me levantei da cama .Segurando a maçaneta para olhas a última vez para seu quarto ,eu sabia que era a hora de deixa-la ir.

Subi a colina que costumava ir com ela para ver o por do sol e pensar na vida e me sentei na grama olhando o horizonte que era banhado pelas últimas luzes do dia .O sol estava se ponto e o céu estava banhado pelas cores amarelo e laranja se unindo perfeitamente .Me deitei vendo as primeiras estrelas que estavam aparecendo .Olhando através do tempo ,percebi que tive inúmeros momentos felizes e tristes com ela ,que nenhuma pessoa poderia ter tido .Ela me fez sorrir nos momentos mais deprimentes ,e chorar nos de felicidade estrema ,me mostrando que até os mais fortes ,devem chorar ,não para mostrar sua fraqueza, mas o tamanho de sua glória.

Parecia que ela estava ali ,deitada ao meu lado ,rindo dos meus pensamentos deprimentes e me lembrando que a saudade ,não é a arma da morte ,mas sim que renasce e liberta a alma.

Eu sabia que em breve a sensação de conforto e de que todas aquelas semanas fossem um sonho ,logo iriam embora com ela para todo o sempre e que o local reservado em meu peito que era dela ,logo se transformaria em um buraco onde ela deveria estar ,mas não estava e só deixou a dor .Mas com aquela carta e a música ,ela estava me dizendo a seu modo e ao meu ,que aonde quer que eu fosse ,e ela estivesse ,ela estaria comigo me guiando ,me protegendo e me fazendo ir além....Sempre.


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Notas finais do capítulo

Bem ,gente...Sei que muitas coisas não foram nítidas ,coisas ficaram faltando ,problemas a serem resolvidos e a dor...Isso diferente do que o poeta diz ,é um problema sem solução...Os personagens vão ficar pra imaginação de vocês desvendarem o que eles eram resumidamente tudo ,até o sexo...Usem a imaginação ,sei que vocês são capazes de me entenderem ;)
Mas é isso realmente o que eu quero ,que vocês fiquem dias analisando essa história vendo muitos possíveis fins e começos...Obrigado por lerem e até mais.