Irreal escrita por Lady Stardust


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

JÁ DISSE QUE ESSA HISTÓRIA TEM VIDA PRÓPRIA?
Ok.
Aproveitem



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/515019/chapter/4

Lucinda estava ajoelhada, tremendo, abraçando o próprio corpo e tentando se proteger. O chão sujava o joelho dos jeans.

Havia dezenas, centenas talvez.

Uma horda inteira de garotinhas ao seu redor. Seus rostos desfigurados, os vestidos agora eram negros, negros de luto. Como uma estação de rádio mal sintonizada, elas iam e vinham; desapareciam e reapareciam; todas chorando, berrando, gritos agudos que quase estouraram os tímpanos de Lucy.

De repente o céu sumiu, o céu desabou sobre Lucy em milhões de pedacinhos; a biblioteca, os carros passando na rua, as pessoas: tudo se partiu, tudo perdeu a cor, tudo se quebrou como vidro. Ela estava sozinha no branco, sozinha no vazio; e a solidão era palpável, a solidão lhe feria, lhe agredia; a solidão entrava por seus poros, tentando possuir seu corpo.

Parecia que não haveria fim, não haveria fim nunca mais; o grito e o vazio seriam infinitos, se tornariam parte dela: ela se tornaria parte daquilo.

Uma mão pousou em seu braço, e acabou. O mundo voltou á cor, havia os carros, havia as pessoas e todas olhavam torto para ela.

— Maluca. — ouviu alguém sussurrar. Uma mãe puxou o filho pela mão, e se afastou.

Olhou fixamente a mão de Eduardo, tentando afastar a vergonha. E o medo. Acima de tudo, o medo.

— Vem. — ele estendeu a outra mão, e ela aceitou. Voltaram para a biblioteca, e as portas se fecharam com um clique atrás deles. As pessoas permaneceram cochichando por um tempo, antes de se dispersarem pelo bairro.

Apenas uma pessoa permaneceu. Uma senhora idosa, com traços japoneses e os cabelos brancos já rareando na cabeça. Ninguém a notou, e ninguém a temeu. Parecia até uma estátua, imóvel diante os portões de entrada da biblioteca. O modo como encarava a janela era obstinado e vazio.

Talvez por que não demonstrasse emoção alguma.

Ou por que não possuía pupilas.

Quem iria saber?

........

Ela ainda tremia.

Estava sentada numa das muitas poltronas, e Eduardo tinha conseguido um cobertor para ela, mas ela ainda tremia. Tão bela e melancólica; tão vazia e inalcançável. Não havia sombra do sorriso que havia dado há tão pouco tempo. Pálida, quase translúcida de tão branca; em contraste com o fogo de seus cabelos ruivos.

Ela não dizia nada. Só tremia. E ele observava em silêncio. Até que não soube mais se segurar.

— Qual o seu nome?

Ela hesitou.

— Lucy... — houve um momento, em que ela piscou e pareceu voltar á vida. — Me desculpa pelo que aconteceu agora, eu sinto muito! Não faço idéia do que está acontecendo comigo... Eu... Eu...

Eduardo balançou a cabeça, tentando imaginar o que a tranqüilizaria.

— Não se preocupe, não foi nada! Existem alguns casos de esquizofrenia na minha família...

— NÃO! Eu não sou esquizofrênica, eu nunca tive nada parecido com aquilo antes de hoje. Eu não...

Ele abriu a boca para responder, mas era a perturbação dela era evidente. Lucy cobriu o rosto com as mãos, esperando as lágrimas. Não vieram. Sentia tanto pavor de si mesma, que até chorar era estranho demais.

Levantou-se, ajeitando o cachecol ao redor do pescoço. Ensaiou um sorriso, mas este também não veio.

— Obrigada... — sussurrou.

O garoto balançou a cabeça, pensando que não a veria nunca mais.

Observou-a pela janela; o cabelo ondulando no vento da tarde, uma chama no meio daquele inverno paulistano. Também viu quando Lucy atravessou a avenida.

E quando uma velhinha vestida de preto a seguiu.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!