De madrugada, ela é uma criança.

O vento ruge pelos corredores da casa; ondulando cortinas, abrindo e fechando portas. E mesmo sob dois cobertores, Lucinda se sente com frio e com medo. Acima de tudo, o medo.

Se lhe perguntassem, negaria, pois há três meses vive praticamente sozinha no casarão; mas sente medo sim. Escuta passos, lamentos, sussurros, rangidos. Á noite odeia a solidão; odeia as viagens idiotas que a mãe fazia a trabalho; odeia o maldito orgulho que a impede de ligar para tia, a vizinha, alguém, qualquer um que lhe fizesse companhia.

Logo mais, quando o sol nascer, esquecerá de tudo e agirá conforme seus quase 17 anos: tomará um banho, preparará um café e irá para o colégio; satisfeita com a própria liberdade e autonomia.

Porém, são 4h da manhã, e obviamente, o sol ainda não deu as caras.

Ela está deitada, coberta até o queixo, mas de olhos bem abertos. Imagina onde, diabo, estará sua mãe agora. Já saiu da América do Sul? Em seu último telefonema (há duas semanas), disse que iria para Londres, cobrir a exposição de sabe se lá quem, no museu de sabe se lá onde. Lucy não prestou atenção ás palavras, porque apenas ouvir o som da voz era reconfortante. Mesmo não sendo aquela mesma voz de outrora, aquela doce e carinhosa, ainda era a voz de sua mãe.

A mãe trabalha na área do jornalismo cultural (principalmente culturas internacionais), desde os oito anos de Lucy. Desde a morte do marido. Cobre exposições, shows musicais, festivais de cinema, peças de teatro. Com o tempo, a mãe passou a nunca estar presente, e Lucy se sentia abandonada. Sentia raiva e rebeldia.

Legalmente, ela está sob a custódia da tia. Mas na realidade, a tia trabalha tanto quanto a mãe de Lucy; e a garota está sempre sozinha.

Sabe se cuidar.

Se cuidar não é o problema.

O problema é o sentimento. O abandono. Esse é o problema.