Riotalia escrita por Iggy Nord


Capítulo 1
Dia 1


Notas iniciais do capítulo

tuts tuts



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Dia 1 - Fla x Flu, engarrafamento e uma bela lady (não exatamente nesta ordem)

E o Rio de Janeiro? O Rio de Janeiro continuava lindo, claro, como dissera um cara ao rádio. Mas não havia nada de poético naquele engarrafamento - Lovino que o diga. Seria possível musicar as irritantes buzinas e os berros dos motoristas aborrecidos? Ele bufou e apoiou o braço na janela aberta, tentando ao mesmo tempo não morrer de calor e não inalar aquele ar saturado de dióxido de carbono. Se fechasse a droga da janela do carro ele iria virar Lovino assado, e aqueles não eram seus planos para aquela terça-feira.

Sintonizou o rádio em uma estação qualquer de mpb e ficou alternando o uso das mãos, ora alisando as têmporas, ora esmurrando a buzina com irritação. Não que esmurrar a pobre buzina fosse ajudar em algo, visto que algum acidente havia deixado a via completamente entupida de veículos. E também era dia de Fla X Flu. Ele estava pouco se fodendo - torcia pro Corinthians, pô! - mas teria que apodrecer em um congestionamento mesmo assim.

Era a vida.

O trânsito andou mais um pouco, ainda que bem devagarinho - e "devagarinho" é um eufemismo para "mais lento que uma corrida de lesmas em slow-motion" - e aí houve uma saraivada de vendedores de amendoim, que coincidentemente haviam começado a atacar um após o outro - CONSPIRAÇÃO! - com seus estridentes jingles. "Olha o amendoim, olha o amendoim, um por cinquenta centavos e três por um real!".

Por que não ligar o ar condicionado do carro? Ah, por que ele não havia pensado nisso antes? Idiota. Vestiu um sorriso e acionou o provável salvador de sua vida, agradecido pelo ventinho gelado que começava a sair, enquanto as janelas do carro subiam para impedir que a sua salvação fosse embora - Ah! O ar condicionado foi uma dádiva de Deus! Você, amiguinho carioca (ou não), deve compartilhar desta mesma opinião!

A sensação gostosa só durou até ele ouvir alguém vindo dos quintos do Inferno batendo em sua janela.

Olhou pro lado e se deparou com um sujeito segurando uma arma; era um pivete. Uns 15 anos, talvez! Era impressionante o número de menores de idade que convertiam-se à vida criminosa.

– Aê, tio, passa tudinho ou eu estouro tua cabeça, tá ligado? - o pivete disse, gesticulando exageradamente. Tinha o cabelo ralo todo tingido de loiro. Com certeza isso fora graças a um vidrinho de água oxigenada. A pistola em sua mão parecia bem pesada, e ele usava uma bandana verde-néon cobrindo a boca e o nariz. Puta merda, parecia o MC Guimê!

Lovino fez a janela descer, usando sua expressão mais angelical, como se houvesse minúsculas flores e minúsculos passarinhos girando em torno de sua cabeça, concedendo-lhe uma graça etérea.

– Calma, filhote. Se bem que somos todos filhotes de Deus, não é mesmo? Você gostaria de ouvir a palavra de Jesus? - ele sorriu, feliz. - Talvez ainda haja alguma... Esperança para sua alma! - e o tom mudou, passando para algo que sugeria preocupação com a alma daquele pobre bastardinho que assaltava motoristas aleatórios. - Você não assaltaria um homem da igreja, não é? - Disse,muito sério, evitando contato visual com o marginal mirim ao fingir que examinava uma pilha de CDs gospel, como quem escolhia qual botaria para tocar.

O fulano arqueou ambas as sobrancelhas, assustado, e apontou a arma para a testa de Lovino. Parecia pronto para perder a paciência e apertar o gatilho da arma, apesar de estar tremendo.

Esse aí deve estar a pouco tempo no ramo, deduziu Lovino, com um suspiro.

– Então, tio... Que mané palavra de Jesus, mano... Passa o dinheiro do dízimo aí!

– Vai se foder! Como ousa desprezar a palavra da Bíblia? Bastardo! Filho de uma puta porca! Que o diabo te carregue! - Lovino Vargas explodiu em berros, em uma reação nada esperada, atirando a mão para fora do carro e agarrando a arma das mãos do moleque. Começou a golpear a cabeça do mesmo com o instrumento, dando-lhe coronhadas; o marginal tentava se proteger, cobrindo-se com os braços. Arfando, ensangüentado, ele desistiu e saiu correndo por entre os carros, envergando-se de dor, gemendo; e quase foi atropelado.

Lovino sorriu e levou as mãos ao volante. A janela subiu novamente, bloqueando os ruídos do exterior. Igreja? Mané Igreja! Ele era V1D4 L0K4.

***

Alfred não havia passado pelos exames de admissão (vulgo e temido Enem) e fora obrigado a ir trabalhar no McDonald's. Ninguém mandara ele escrever um conto erótico lésbico no meio de uma redação sobre corrupção, mas pelo menos o fiscal gostara e lhe dera uma pontuação razoável (atualmente no Enem tudo era possível).

Talvez o McDonald's não cobrasse um currículo muito complexo.

Mas ele nem ligava, pois aquele era o emprego dos seus sonhos. Ele nunca quisera cursar Engenharia Ambiental, mesmo...

E adorava ver as batatinhas fritando. Não era exatamente o tipo de emprego que se recomendaria a alguém que precisava perder um pouco de peso.

***

Kiku engoliu em seco e olhou com desgosto para os pastéis que boiavam em óleo quente. Segurando aquela escumadeira, ele se sentia como um samurai tolo erguendo uma katana, mas sem nenhum adversário para golpear.

– Eu não presto pra fazer pastel! - ele reclamara um dia antes com o pai, Yao Wang. O sonho dele era ser artista digital e criar sua própria história em quadrinhos, muito bem, obrigado. Mas por enquanto estava preso naquela maldita pastelaria.

Pelo menos "Wang, o Rei do Pastel" era considerada a melhor pastelaria do bairro.

***

– Ai ai. As pessoas não são mais tão românticas como eram antigamente. Hoje em dia todo mundo só quer saber de baile funk e pegação, ostentação e rolezinho! Estou preocupada com os rumos deste mundo! - resmungou Emma, girando uma viçosa tulipa amarela entre os dedos longos e charmosos. - De todos os caras que me chamam pra sair, quase nenhum quer um caso

sério. Parece até que eu sou um... Um... Objeto! - Berrando, toda chorosa, ela se debruçou sobre o balcão, rolou um pouco sobre ele e começou a puxar as delicadas, douradas e aveludadas pétalas da tulipa que segurava. - Bem me quer, mal me quer, bem me quer, mal me quer... E sempre que o cara é gentil, bonito, e tudo o mais, ele é gay! Tipo... O Antonio! - a loura disse revirando os olhos e lançando os braços ao ar, enlouquecida. A tulipa voou, pairando graciosamente antes de tocar o chão. - E além do mais, eu vivo da venda de flores, chocolates, doces e telemensagens! Nós iremos à falência se esse mundo continuar tão insensível!

– Ei. O cultivo dessas tulipas não é barato. - o irmão, que estivera concentrado em seu trabalho até o momento, resmungou acariciando as pétalas da flor. - E elas precisam de amor. Você não pode sair destruindo-as assim. - ele acomodou-se em um canto, em um banquinho, onde estivera confeccionando buquês com uma paciência extraordinária. Dedicava suas folgas no serviço à confecção de buquês. Era uma atividade tão máscula.

– Eu que preciso de amor, Jan! Eu que preciso de amor! - berrou ela, com ambas as mãos na cintura.

Naquele instante,a porta da floricultura abriu, produzindo um agradável "tlim", e Antonio entrou, a passos largos.

– Olá, Emma! E, ahn, olá pra você também, Jan. Eu ouvi tudo, e não, eu não sou gay. - ele franziu o cenho, mas logo sorriu. Estalou um beijo demorado nas bochechas rosadas de Emma e sentou-se bem em cima do balcão, sem fazer cerimônia. - O que faz esta bela mocinha achar que eu sou gay? - Ele disse com uma risadinha estranha.

– Não sente em meu balcão, Antonio - disse Jan entredentes, mas foi ignorado pelos outros dois.

– Eu tenho meu sensor pra essas coisas! - ela disse estalando os dedos no ar. Seu grande sorriso indicava que ela estava bem mais alegre desde que chegara Antonio. - E o Lovino?

O recém-chegado suspirou, como se houvessem citado o nome do demônio:

– Acontece que ele andou fazendo mierda novamente. Quase foi preso. O irônico é que ele quase foi preso por ter sido assaltado e ter se defendido do agressor. Eu dei um jeito de inocentá-lo. Na verdade eu já me cansei de livrar a cara dele... - os ombros do moreno caíram, como se ele estivesse completamente exausto.

Emma arquejou, pela décima (ou seria décima primeira?) vez naquela tarde.

– Bem, vamos esquecer isso! Agora o Lovino está em casa e livre de problemas... Bem, por enquanto. Vamos lá para dentro, que lá tem café.

***

Um pouco distante dali, dois irmãos discutiam um assunto de suma importância:

– Eu não quero pizza desse sabor.

– Pensei que você gostasse de pepperoni.

– Na pizza fica ruim.

O outro soltou uma risada ensurdecedora em resposta.

– Problema é seu, porque eu vou pedir meu sabor, e porque seu time que perdeu pro Grêmio semana passada. - Gilbert começou a discar o número da pizzaria. Ludwig suspirou e acomodou-se no sofá, amaciando as têmporas. O jogo Flamengo x Fluminense iria ter início em

10 minutos - na verdade bem menos, e Gil estava pronto para o embate - havia enrolado a bandeira rubro-negra nas costas e estava equipado com uma dezena de tralhas fazedoras de barulhos, ao passo que Lud usava apenas... A camisa do "Tricolor".

Flamenguistas eram barulhentos e Gilbert era o melhor exemplo.

Ele e Ludwig nunca haviam sido lá muito parecidos, mas compartilhavam duas paixões fervorosas: cerveja e futebol. Se bem que nem no futebol chegavam a um acordo: torciam para times diferentes.

O mais velho era flamenguista. O outro depositava esperanças no tricolor carioca.

Era o maior nível de discordância que poderia acontecer em uma família aparentemente unida!

Os dois dividiam o apartamento (que seria mais espaçoso se houvesse apenas uma pessoa e menos tralhas gilbertianas). Ludwig nutria um desejo imenso de ter um apartamento só para si - o mais velho fazia muito barulho e ficava no computador até tarde, sem contar que às vezes trazia a namorada - mas Gilbert estava sempre bêbado demais para conseguir um emprego.

Uma hora depois, já no segundo tempo de jogo...

Um empate. Nenhuma pizza. Um flamenguista faminto, mais nervoso e consequentemente mais barulhento.

– Cacete, que demora! Eu vou ligar agora pra esses putos pra reclamar do atendimento, ah se vou! - e o albino atirava-se mais uma vez ao telefone, só que desta vez estava indignado. E com mais fome.

– Fique à vontade - disse Ludwig calmamente, servindo-se de mais uma latinha de cerveja. Quem precisava de uma pizza quando se tinha pão com linguiça?

– Boa noite. Aqui é da Pizzaria [insira neste espaço uma palavra legal em italiano]. Pois não?

Gilbert Beilschmidt foi direto ao ponto.

– Então, aqui quem fala é o Gilbert, o cara que pediu pizza de pepperoni. Aham. Esse endereço mesmo. Aham... Como assim? Uh. Ok.

Ele desligou a ligação, angustiado, ombros caídos, e ficou segurando o telefone.

– Já despacharam a pizza faz vinte minutos... - E se alguma coisa tivesse ocorrido com sua magnífica pizza de pepperoni? E se o entregador tivesse caído em uma buraco? E se um

apocalipse zumbi...

A campainha foi apertada lá fora, produzindo um barulho estridente e interrompendo os trágicos pensamentos de Gilbert, substituindo-os por esperança. Ele largou o telefone - que ficou a um centímetro do chão, pendendo pelo fio como alguém fazendo bungee-jump - e saiu em disparada, pulando almofadas e a mesinha de centro, passando pela porta do apartamento em direção ao térreo do prédio, supostamente quebrando o recorde do Usain Bolt.

Mais dez minutos se passaram. Gilbert perdera um gol do próprio time, e agora Ludwig estava um tanto perturbado com a incompetência do tricolor, mas não se deixou abater e foi atrás do irmão. E se o maluco tivesse tropeçado nas escadas e quebrado a perna? Nunca se sabe.

***

– E aí, seu síndico!

Lud correspondeu ao cumprimento do porteiro com um sorriso nervoso e foi encontrar-se com Gilbert em frente ao portão do prédio. O albino tinha companhia - ah, era o entregador de pizzas. O mesmo havia estacionado sua moto em cima da larga calçada, do lado de fora, e estava batendo papo com Gilbert, que já recebera sua pizza e estava sorrindo animadamente.

O loiro engoliu em seco. Reconhecia aquela motocicleta - Vespa azulada - de algum lugar, e seu dono quando começava a falar não parava mais.

– Oi, Lud! Quanto tempo! Oh, que ironia do destino! Engraçado, você estava bem menos musculoso da última vez, andou malhando, né? Ah, claro! Agora eu tô trabalhando naquela pizzaria [nome legal em italiano] fazendo entregas! Hoje foi minha primeira entrega, e eu infelizmente me perdi no meio do caminho, e...

– Feliciano! - Feliciano Vargas era a única pessoa da face da terra que era cara de pau o suficiente para chamá-lo de Lud sem temer alguma coisa. Alguém tinha que cortar o discurso daquele cara em algum ponto.

O louro suspirou quando a vizinhança flamenguista estourou em gritos de triunfo e fogos de artifício. Pelo menos Feliciano fizera-o perder a derrota do seu time. Mas ele teria que aguentar Gilbert berrando às suas costas por pelo menos duas semanas inteiras.

***

Não muito longe, um torcedor do Corinthians estava furioso.

– Eu quero tirar uma siesta, caralho! Vão tomar no cu!


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Notas finais do capítulo

Reviews fortalecem os ossos do autor.