A Rua dos Sonhos escrita por Aislyn


Capítulo 1
Desenho




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Templo de Amaterasu Omikami - Karakura



- Sora-Chan, o sol já vai se pôr... Você não precisa ir à farmácia agora!

- Não, onii-sama eu volto logo! Não vou deixar você sem remédio...

Ela acenou, tentava sorrir para fingir que estava tudo bem, mas na verdade, não se acostumava com a ideia de seu irmão mais velho ter sido condenado a passar o resto de seus dias sobre uma cadeira de rodas. Há uma semana ele saíra do hospital, depois de muitos meses os médicos conseguiram alguns resultados, porém, não havia muita esperança. Yukishiro Sora e Yukishiro Akira, sacerdotes de um templo Xintoísta dedicado à Kami Amaterasu, irmãos inseparáveis que tiveram a vida marcada por tragédias. Ele estava com dezoito anos, ela com treze. Há quase um ano, Akira e Sora passeavam tranquilamente em Tokyo, ele quisera fazer uma surpresa no aniversário da irmã e então a levou para a cidade grande, deixaria ela escolher a programação para o dia todo, além de comprar o que quisesse. Já era noite quando decidiram ir embora, ele deixou o carro em uma rua movimentada e pelo que lembrava, o caminho mais fácil até a rua era um beco que tinham passado mais cedo. Sora sentiu uma sensação ruim quando eles dobraram para o beco na escuridão, não se comparava ao lugar que passaram anteriormente, contudo, Akira resolveu continuar. Eles já podiam ver as luzes da rua do outro lado e o movimento dos carros quando estavam no meio do beco, porém, quatro homens surgiram em meio à penumbra. Sora gritou, um homem a jogou contra a parede e seu irmão como era graduado em Kenpo, não pensou duas vezes e golpeou o agressor com um chute.

- Corra Sora! Peça ajuda...

Aquelas foram as suas últimas palavras naquela noite, do beco, puderam ser ouvidos alguns disparos. O socorro não demorou a vir, infelizmente, Akira foi espancado covardemente pelos quatro homens e em seguida, baleado na cabeça e nas pernas. Como ainda era tudo muito recente, não havia um momento em que Sora não pensasse naquilo tudo. Akira havia se tornado seu herói, jamais se esqueceria da sua coragem ao defendê-la.
Em quinze minutos a garota chegou até a farmácia, pediu o remédio para dor e saiu de lá apressada em sua bicicleta. O sol já havia se posto quando ela passava por uma rua há alguns quilômetros do templo, normalmente havia um guarda lá e após as 18:00, as luzes eram acesas, então, nunca se preocupou em seguir aquele caminho. Quando contornava um dos edifícios, reparou que dali por diante não havia luz e o guarda não estava em seu posto, era mais do que estranho. Sora segurou firme a bolsa que carregava atravessada no corpo e continuou, dali a vinte minutos teria que ministrar a dose de remédio para o irmão. Ela já estava prestes a sair daquela rua quando viu um clarão sobre um prédio, parecia até um fogo de artifício. Apesar do que acontecera com seu irmão, a curiosidade da jovem às vezes falava mais alto, mesmo que a situação denotasse perigo, então, foi averiguar. Ao visualizar a vinte metros dela um muro que dava para uma grande propriedade, reparou em algo que a deixou estática. Uma espécie de monstro estava por sobre o muro e um jovem loiro acabara de destruí-lo com um corte certeiro da lâmina de sua espada. Acima dele, outro monstro surgiu do nada e ele iniciou um cântico estranho, após espalmar a mão direita e colocar a outra por sobre o braço:

- Oh, dominador! A máscara de carne e sangue, todas as formas, bata suas asas! Aqueles que foram coroados com o nome "homem". Chama ardente e guerra turbulenta, separa os oceanos, se eleva e cai, caminha em frente em direção ao sul! Hadou no Sanjuuichi: Shakkahou!

Da palma de sua mão saiu uma forte energia de coloração vermelha, que se assemelhava a uma rajada de fogo, acertando a criatura. Do outro lado do muro, ela pôde ouvir mais duas vozes, uma masculina e outra feminina que fizeram o mesmo cântico e mais duas rajadas de energia idênticas, que acertaram a criatura ao mesmo tempo em que ele o fez. O jovem fez sinal de positivo e sorriu.

- Abarai-kun... Hinamori-san... Vou verificar aqui deste lado!

Ele saltou agilmente para o solo e caiu abaixado, levantado-se em seguida. Sora não teve dúvidas, depois de tantos anos seguindo a doutrina que passara de geração para geração em sua família, era responsável pelo que deveria ser feito. Ela largou a bicicleta no chão e correu até o jovem. De sua bolsa tirou um papel aparentemente comum e saltou na direção dele, grudando o papel em sua testa.

- Que aquilo que meus olhos vêem possa ser purificado! Desintegre-se, espírito das trevas!

O jovem caiu no chão de forma desajeitada, estava com os olhos arregalados. Trêmulo, ele retirou o papel da testa e parou para ler o que estava escrito nele.

- Isto não deveria acontecer – resmungou Sora. – Levante-se, demônio! Você não é bem vindo... Volte para o lugar de onde veio, espírito opositor!

Ela pegou de sua bolsa um recipiente prateado e ao retirar a tampa, atirou um líquido contra aquele que julgava ser um demônio. Ele estava calado, ainda no chão, estudava-a de cima a baixo. Sora bateu com o pé no chão quando viu que a água sagrada de seu templo também não surtira o efeito desejado, então, pegou vários papéis colocando-os por entre os seus dedos.

- Se estes ofudas não resolverem o seu caso, acho que sou eu quem precisa de purificação!

Quando ela foi lançá-los contra o estranho, ele levantou-se de rapidamente, saltou no ar e fez uma acrobacia caindo atrás dela. Os papéis voaram para todos os lados e Sora virou-se, começava a ficar amedrontada. Ele estranhamente sorriu, deixando-a intrigada, agora que o observava melhor, não parecia um demônio. Ele vestia um traje azul e branco parecido com um praticante de Kendo. Não tinha sequer a aparência de um demônio, contudo, nada explicaria o que ela viu.

- Você não pode ser um demônio – concluiu ela fitando-o. – Um fantasma?

- E você não pode ser um Plus – ele coçou a cabeça. Uma explosão se fez do outro lado do muro, ele ouvia as vozes de seus companheiros.

- Sora-chan, finalmente eu a encontrei!

Um belo rapaz aproximou-se dela e a pegou pelo braço, arrastando-a. Naquilo, a pulseira que a jovem usava arrebentou-se e caiu no chão. Ela não teve tempo de falar mais nada, o ser estranho havia desaparecido.

- Daisuke-kun! O que faz aqui?

Ela fuzilou com os olhos o amigo de seu irmão quando este pegou a sua bicicleta e subiu nela, apontando o bagageiro. Himura Daisuke tinha a mesma idade de Akira, ambos eram companheiros inseparáveis de escola e praticavam Kenpo juntos. Quando precisava, Akira ligava para o amigo “quebrar os seus galhos” e cuidar de Sora fazia parte disto. Sora não disse nada, apenas montou no bagageiro e segurou-se na cintura do rapaz. Em cinco minutos chegaram à entrada do templo e Akira esperava-os diante da casa modesta em que morava com a irmã. Os dois rapazes eram muito parecidos, ambos tinham 1,85cm de altura, o corpo bem talhado e a pele clara. O que os diferenciava era praticamente os cabelos e os olhos. Akira tinha as madeixas compridas, num tom de castanho quase preto, os olhos verdes, e Daisuke tinha o cabelo curto, preto e brilhante, olhos da mesma cor. Sora desceu da bicicleta com a cara amarrada, aproximou-se do irmão e fez uma reverência.

- Onii-sama, desculpe... Eu acabei me distraindo – ela já se adiantou, sabia que Daisuke daria com a língua nos dentes. – Vi algumas luzes bonitas perto daqui e fui ver o que era.

- Ah, sim... Diante de uma propriedade quase deserta – colocou Daisuke com ironia. – Parecia até que estava vendo um fantasma!

- Baka! – Sora chutou a canela direita dele e jogou o remédio do irmão para que ele pegasse. – Quarenta gotas.

- Eu posso fazer isto – murmurou Akira, odiava que as pessoas o subestimassem. – Ainda posso mover as mãos...

- Fique aí, Akira-kun... Vamos conversar um pouco, eu só vou pegar um copo de água e já trago o outro remédio também.

- Ótimo.

Sora não conseguia ver o irmão daquele jeito, ele sempre fora cheio de vida, simpático e sorridente, agora, vivia triste e fingia para ela que estava tudo bem sempre que se aproximava – embora ela também fizesse o mesmo para não demonstrar o que sentia de verdade sobre aquilo tudo. Às vezes ouvia a conversa dos dois rapazes escondida, sabia bem o que o irmão estava passando, apesar da pouca idade, já havia amadurecido. Ela foi direto para o seu quarto, apressada, sequer tirou os tênis. Por sorte já havia uma folha em branco em cima de sua mesa de estudos, assim que apontou um lápis de desenho, sentou-se na cadeira e começou a fazer alguns traços. Pela primeira vez desenhava com aquela rapidez, não queria que a sua mente a privasse de qualquer detalhe. Ao fim, sentiu-se satisfeita com o desenho, terminava de corá-lo.

- Sora-chan!

Uma voz estridente ecoou em seu quarto antes tão tranqüilo, Sora não teve tempo de protestar, seu desenho havia sido arrancando de suas mãos. Ela olhou para trás, queria que de seus olhos saíssem raios para fulminar Yamashita Miaka, prima de Daisuke. Realmente estranhou o fato de ela não ter aparecido antes, imaginava se mais uma vez a garota estava perambulando pelo Templo, já que adorava ir até áreas proibidas para visitantes. Miaka era um ano mais velha que Sora, tinha os cabelos ruivos, presos no alto da cabeça, olhos acinzentados. Ao contrário de Sora que ainda estava desabrochando, aos quatorze anos Miaka já parecia uma mulher. Ela se atentou ao desenho e ergueu a sobrancelha, não conhecia o garoto que a amiga desenhou. Sora sentiu uma pontada quando a outra quase amassou seu desenho.

- Sua enxerida! Dê-me isto aqui antes que você o destrua...

- Ora, está começando a imaginar garotos é? – Miaka entregou o desenho e deu de ombros. – Vai dizer que é mais um dos fantasmas...

Sora sentou-se em sua cama e fechou os olhos, conseguia enxergá-lo perfeitamente, estava idêntico ao do papel. Ela não conseguia parar de pensar no garoto que viu, lembrava do rosto de traços fortes, os olhos grandes com orbes num tom de verde quase azul, o nariz pequeno, as sobrancelhas bem finas e os cabelos de um loiro diferente dos quais ela estava habituada, com a franja acima dos olhos. Fez questão de o desenhar sorrindo, não chegara a mostrar os dentes, mas ainda assim era o sorriso mais perfeito que ela já viu. Até mesmo o traje ela havia desenhado em detalhes, queria guardá-lo daquele jeito, talvez sua amiga tivesse razão.

- Pode ser, Miaka-chan... Um fantasma, dos muitos que vejo. Mas, hoje foi diferente! Você vai rir de mim...

- E desde quando eu rio de você? – Miaka sentou-se ao lado de Sora. – O que você viu?

- Vi algumas criaturas estranhas, uns monstros pequenos, com máscaras no rosto... Este garoto simplesmente cortou a máscara da criatura e esta se desfez – a garota tomou fôlego e continuou, falava como se estivesse encantada. – Depois, surgiu outro e ele pronunciou um cântico estranho, de repente, da mão dele saiu uma esfera de fogo. Também ouvi mais duas vozes e duas esferas idênticas acertando a outra criatura! Foi incrível... Eu ouvi a voz dele, era tão gentil. Ele desceu e parou muito perto de mim, claro que eu pensei que fosse um demônio, então tentei ofudas, água sagrada e nada!

Miaka começou a rir sem parar, estava quase chorando quando Sora beliscou o ombro dela.

- Eu sabia! Você sempre faz isto, baka!

Sora ficou desapontada e abraçou o seu desenho, nunca mais contaria nada sobre aquele jovem para ninguém, nem mesmo para o seu irmão.


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