H.o.r.d.a. escrita por GrupoMindUp


Capítulo 5
Rainbow In The Dark


Notas iniciais do capítulo

A cidade se torna alvo de uma batalha entre vilão e heroína! Cabelos que mudam de cor? Poderes que transfiguram a realidade térmica... Batalhas em público para o pavor dos civis. Segredos, amizade! Tudo em uma única história com começo, meio e fim.



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PRÓLOGO

Nunca tive medo da morte. Sempre acreditei ser apenas mais uma passagem natural pela qual todos devem passar... Até hoje. Enquanto você – seja lá quem for, eu espero que seja algum humano – lê este diário em algum momento no futuro, eu espero pela minha sentença de morte, no seu passado.
E enquanto eu espero, sentada e angustiada, por um oficial que, provavelmente, me levará a uma praça pública para minha última visão do mundo, você provavelmente está sentado em um cubículo de algum escritório, fazendo o que vocês chamam de “trabalhar”. Patético. Vocês são todos patéticos, medíocres. Minha maior decepção não é o fato de morrer, mas sim de morrer pelas suas mãos imundas. Vocês humanos são os seres mais simplórios que poderiam existir, e acredito que até esses cavalos que vocês usam como transporte tem valor maior.

Pela conversa que acabo de ouvir do lado de fora de minha cela, tenho cerca de duas horas até que o oficial chegue aqui para me levar, então, aproveitarei este tempo livre para deixar minhas últimas marcas neste lugar imundo. Eu partirei, mas minha história ficará aqui para que nunca se esqueçam de que Rainbow passou por este lugar.

Esta história começa algum tempo atrás, em Erastos – planeta desconhecido por vocês, pois sua tecnologia é muito ultrapassada para chegar á tal distância no universo. Era um dia comum, eu estava a caminho do Castelo de Bahrun para uma audiência com nosso Hezar (autoridade máxima do planeta) quando, sem mais nem menos, uma força inexplicável me puxou para trás. Fui arremessada à uma velocidade fortíssima, caí de costas e desfaleci no mesmo lugar.

Não sei se passaram horas ou dias, sei apenas que acordei com o barulho de vozes ao meu redor. Era uma língua desconhecida para mim, mas, estranhamente, eu conseguia entender o que falavam.
– Apenas vi o corpo caindo, não podia ter feito nada. Não sei se ela se jogou, se empurraram, não sei mãe. Quando ela acordar veremos isso.

– Você é um inconseqüente, Igor. Deveria ter levado ela ao hospital.

– Não acreditariam em mim. Não pelo meu histórico. E eu não quero correr o risco de levar outra multa e perder minha carteira, apenas me ajude a lidar com isso. Por favor, mãe.

Naquele momento eu já sabia que seria um problema continuar onde estava. Vagarosamente abri os olhos, me vi deitada em uma cama grande e confortável, lençóis brancos com cheiro de menta me cobriam, dentro de um quarto simples. Ao lado, uma janela de onde se viam vários outros prédios, barulho de buzinas, pessoas falando, uma nuvem cinza de poluição cobria o céu. Com certo esforço, consegui me levantar e ir rumo à porta. Dei de cara com ele e sua genitora quando saí. Ele, Igor, com uma camiseta sem sentido (branca com um logo vermelho escrito ‘Perdidão’, ainda estou tentando entender) e sua estúpida postura de quem quer ajudar a todos. A mãe, com uma espécie de jaleco branco e roupas no mesmo tom.
Em Erastos, o respeito que temos pelos curandeiros é excepcional, ensinado desde o berço. Percebi que aquela mulher havia sido a responsável pelos curativos em meus braços e a faixa em minha cabeça, de prontidão já agradeci.

– Sou grata pelo cuidado, senhora. Mas devo partir imediatamente.

Passei por ambos, ainda atônitos por algum motivo, e saí daquele lugar. Estava ao final das escadas quando ouvi a voz de Igor:

– Espere você não pode sair assim!

Ele não sabia com quem estava falando.

– Como assim “não posso sair”? Quem você acha que é para me impedir de fazer algo?

– Olha, eu não te conheço e você não me conhece, certo? Mas você, literalmente, caiu do céu em cima do meu carro. E isso não é algo que eu vou ficar lembrando sem me sentir extremamente culpado ou confuso de alguma forma, e não vou permitir que saia por aí sem estar 100% recuperada e sem me dizer o que aconteceu. Sorte sua minha mãe ser enfermeira, sorte minha ela acreditar que não te atropelei quando cheguei com você desmaiada em meus braços.

– Não espere que eu te agradeça por nada, humano. Eu tenho coisas mais importantes para me preocupar do que com sua hospitalidade. Passar bem.

– Humano...?

Enquanto me desvencilhava de sua presença e, andava, meio corria, ouvi sua voz ao longe e tive o pressentimento de que seria mais difícil me livrar dele do que imaginava.

— HEY! HEY, ESPERA, VOLTA AQUI!

Topei com uma criança, uma garotinha que estava correndo com um sorvete nas mãos. Ao olhar para mim, ela se assustou com meu cabelo e saiu correndo e gritando pela mãe. Mas espere, você provavelmente não sabe sobre meu cabelo. Bom, como eu disse anteriormente, vim de outra galáxia. Lá, as crianças nascem com pequenos dons. Um de meus dons é criar teias de cores, mas com o passar dos anos, aprendi a controlar as cores de objetos. Meu grande problema sempre foi meus cabelos. Eles refletem meus sentimentos, e quando eu fico tomada por diversos sentimentos... Eles começam a adquirir diversas cores rapidamente, mudando de uma para outra a cada segundo.

E isso estava acontecendo naquele momento. Um misto de confusão, preocupação, raiva... Que assustou aquela criança. Mas eu também estava assustada, só queria sair dali. E foi o que eu fiz: imitei a garotinha que havia lambuzado minhas pernas de sorvete e saí correndo.

ATERRISSAGEM

Corri por uma avenida movimentada, esbarrando em algumas pessoas que passavam por ali. Entrei em uma rua deserta, e ali fiquei. Sentei ao lado de um carro e senti as lágrimas vindo com força em meus olhos. Era injusto que isso estivesse se passando comigo. Além de todos meus problemas com o Hezar, com a justiça de Erastos, meu irmão e meu pai, ainda fui parar em um lugar estranho com gente desconhecida... E não sabia como voltar para casa.

Mas será que voltar para casa era realmente algo que eu desejaria? Todo meu futuro dependia da audiência com o Hezar, que, por acaso, eu acabara de lembrar que havia perdido. Pois é, mais um motivo para ficar preocupada. Perdida em meus pensamentos e enquanto praguejava, não notei que Igor se aproximava silenciosamente.

– Posso dizer que conheci garotas que corriam depressa, mas como você... Foi uma surpresa.

Cansada de tentar fugir daquele rapaz inconveniente, apenas continuei sentada encarando o asfalto e sentido as lágrimas rolarem livremente.

– Você não desiste não? O que mais você quer?
– Eu acho que começamos com o pé errado. Posso conversar com você?

– Bom, não é como se você fosse aceitar o meu ‘não’, então... Vá em frente.

– Olá. Meu nome é Igor, tenho 22 anos e hoje de manhã atropelei – não, fui atropelado – por uma estranha garota á caminho de casa. Meio desesperado por ser minha primeira experiência de acidente de trânsito com outras pessoas, com medo de chamar a ambulância ou a polícia e levar outra multa, peguei ela, coloquei no carro e levei para casa, para minha mãe, que é enfermeira, ver como ela estava. Ela acordou assustada, saiu correndo e eu fui atrás dela. Enquanto isso, SEUS CABELOS COMEÇARAM A MUDAR DE COR, e eu tenho certeza que vi isso acontecer. Não estou louco.

Ele se aproximou e sentou-se ao meu lado.

–Agora, você poderia, por favor, me contar o que aconteceu? Se o problema for psicológico e você estava tentando se matar, pode falar. Vou compreender e tentar te ajudar.

Levantei a cabeça, sequei as lágrimas com as costas da mão e olhei para ele. Então, em um lampejo de confiança e sinceridade que me tocou naquele momento, contei. Contei tudo para o garoto moreno de camiseta estranha. Como havia parado ali, a audiência que havia perdido, o porquê de meus cabelos mudarem de cor... Abri-me com Igor como não havia feito com ninguém em anos. E me senti bem depois disso, pois consegui tirar um peso das costas, e ao mesmo tempo vi em seus olhos que ele acreditava no que eu dizia, estava realmente interessado em saber minha história.

Quando terminei de contar, ele me abraçou. Demoradamente. Entre meus cabelos – que neste momento, estavam coloridos de uma bela cor vinho-bordô, disse:

– Vai ficar tudo bem pequena, eu vou te ajudar nessa empreitada.

Aquele toque foi o suficiente para eu perceber minha situação. Empurrei-o com força e me levantei.

– Não há nada que você possa fazer para me ajudar, Igor. A única coisa que você pode fazer é me deixar em paz. Sou grata à sua mãe pelos curativos e a você por me ouvir, mas esse teatrinho acabou. Adeus.

– Não, Rainbow.

Ouvi ele se levantar e vir rápido em minha direção, mas eu já estava na esquina da rua quando as coisas começaram a se complicar. Uma multidão vinha na minha direção, com placas, faixas, apitos, e gritando palavras que não me recordo. Muitas pessoas usavam máscaras, muitos estavam vestidos de preto e vermelho, alguns com mochila. Aparentavam ter entre 15 e 30 anos, consegui contabilizar rapidamente umas 200 pessoas. E, atrás dessa multidão, a cena que me causou maior nojo até o momento. Alguns homens com uma roupa estranha, mais fechada, cinza com capacete, escudo e armas. Em cima de cavalos.

Nada me comoveu mais do que ver aqueles pobres animais sendo usados daquela forma. Explicando: De onde venho, o abuso de animais é terminantemente proibido. Nossa espécie não é vista como superior a nenhuma outra, e temos um respeito incondicional por outros seres. Logo eu descobriria que, além de montar em animais, vocês costumam comê-los também. Minha aversão por aquele local apenas crescia.

– Você pode parar de fugir???
– POR QUE AQUELES HOMENS ESTÃO EM CIMA DOS CAVALOS?

– Ué... São policiais. Só estão aqui por causa do ato. Mas, você pode, por favor, parar de fugir? Eu nunca fui bom em corridas, sempre fugi das aulas de Educação Física na escola.

– Esses biltres usam os animais como meio de transporte? Como vocês conseguem VIVER sabendo disso??

– Ah não, você é vegetariana...

E, naquele momento, em que minha vontade era de atacar todos aqueles homens de roupa estranha em cima de cavalos, foi que eu o vi. Perdido entre a multidão, com aparência de confusão – assim como eu – estava Termall. Seus cabelos brancos se destacavam de toda a multidão, mas usava óculos escuros para esconder seus olhos, de mesma cor. Perguntei-me como sua presença não foi notada, visto que sua pele é coberta de cristais de gelo. Não sabia o que fazer. Por um lado, minha vontade era correr para o mais longe possível daquele lugar, não queria chamar atenção. Por outro lado, toda a raiva que havia acumulado nos últimos dias saltava de minhas veias. Estava em um impasse interno, entre fugir e atacar aquele que poucos dias atrás se tornara meu maior inimigo.

Não precisei tomar a decisão. Um segundo depois, ele olhou para o lado e me viu, se assustando tanto quanto eu. Então, desviou seu caminho e começou a vir em minha direção. Por um momento, a multidão, os cavalos, Igor ao meu lado me chamando, tudo desapareceu. Senti-me outra vez em Erastos, no fatídico dia da morte de minha mãe quando conheci Termall. O ar começou a ficar rarefeito e eu me senti novamente com 15 anos de idade, presa em meus medos.

PRISÃO

– Ora, ora, ora, vejam só que conveniente. Quando menos se espera, encontramos uma garotinha perdida e sozinha novamente...

– Como veio parar aqui Termall?
Eu não iria ceder. Não deixaria que ele visse minhas lágrimas ou minha vulnerabilidade. Termall nunca me afetou, mas havia algo que ele poderia fazer para me afetar naquele momento que eu havia esquecido brevemente.

– Então você conhece esse cara aí? Bizarro. Outro cara bizarro. De onde vocês estão saindo?

Sua voz fez minha espinha gelar. Apesar de ter criado aversão por humanos, temia que Igor se machucasse. Maldição, havia me afeiçoado ao garoto. Deveria agir rapidamente, antes que algo acontecesse com ele.

– Saia daqui Termall, antes que eu te machuque.

– Então você não está sozinha e já fez até amiguinhos por aqui. Olha que coisa engraçada Rainbow. Enquanto eu estava ocupado sendo sugado para fora de sua audiência, você estava aqui fazendo amigos, passeando e se divertindo com a minha ausência no dia mais importante de sua vida. Isso não vai ficar assim, garota.

– Peraí, então vocês dois vão continuar com essa história de ser puxado por uma força esquisita e de que vieram de outra galáxia? Ah, por favor...

– Calem a boca, vocês dois. Termall eu não te tirei da audiência. Fui pega de surpresa, assim como você. Não ache que eu estou contente de estar aqui ou que sei como voltar. Igor, acho que chegou à hora de você ir embora daqui.

– Eu não acredito em você, sua mentirosa. Assim como você mentiu para o Hezar, deve estar mentindo para mim agora. E isso não vai ficar barato Rainbow.

Ele começou a andar de costas, erguendo sua mão direita. Eu sabia o que viria, e me preocupei. O ar ao nosso redor começou a esquentar, como eu sabia que ele faria. Um pequeno redemoinho se formou ao redor da mão erguida, e ele começou a rir sadicamente. Aquela risada sempre me deu arrepios. Senti a perna de Igor tremendo ao meu lado, e percebi que se não fizesse algo rápido, ele poderia se machucar. Sem pensar muito, gritei as palavras que me levariam para o lugar em que estou agora.

– CORRAM, ELE ESTÁ COM UMA BOMBA!!!

A confusão que explodiu logo depois foi generalizada. Igor me puxou para o chão, e logo uma fumaça branca tomou conta de tudo. Passos apressados, gritos de dor, barulho de tiros... Com a mesma rapidez que começou, terminou: Uma mão pegou agilmente em meu braço e me tirou daquele lugar. Deixei-me ser levada, acreditando ser Igor. Doce ilusão.

Ao chegar a um local mais iluminado e sem a fumaça branca para atrapalhar minha visão, vi que era um dos homens que estavam em cima dos cavalos. Fiquei mais confusa.

– Abre as pernas.

– Como é que é? Quem é você?
– Você vai ser revistada moça, agora abra suas pernas antes que eu faça isso contra sua vontade.

– Que tipo de lugar é esse onde pessoas que não respeitam nem animais acham que mandam em algo? Você é algum tipo de autoridade por aqui?

– Eu sou a autoridade máxima desse lugar, e se você não colaborar agora, vai pro DP.

– O que é uma DP?

– Sargento. Pode colocar essa aqui no camburão e sair, tá drogada.

Ele me algemou, jogou para dentro de um carro com outras duas pessoas e saíram. Ainda não havia entendido o que estava acontecendo, o barulho de pessoas gritando e chorando me deixava apenas mais nervosa, assim como o desconhecido paradeiro de Igor e Termall.

Ao chegar no “DP”, colocaram a nós e várias outras pessoas que chegavam a cada minuto de frente para uma parede branca. Mais forte do que nunca, minha vontade era de fugir.

– Mulheres á direita, homens á esquerda. Vocês serão revistados novamente, e se não contribuírem vão todos pegar 331.

– Mas o que raios é 331? Por que vocês estão nos tratando dessa forma? Quem é o responsável por este lugar?

A resposta veio rápida e com força, direto no meu olho esquerdo.

– Essa aqui já pode ficar de exemplo.

Caí com força, e tive a certeza de que seria melhor que Igor não tivesse sido pego por eles também. Não sabia se já era hora de usar meus poderes ou não. Sem tempo de pensar, sentada no chão com mais dor do que quando havia acordado na casa de meu novo parceiro (espere, ele não é tão importante assim), fui arrastada e jogada dentro de uma sala gradeada.

Fiquei ali, apática ao movimento no exterior. Sabia que a única coisa que poderia vir depois da tortura seria a morte. Senti pena por aqueles que haviam sido pegos, mas senti remorso por Termall não ter vindo junto. Essa, sim, seria uma experiência interessante. Vê-lo ser subjugado – diferente do que sempre aconteceu em Erastos – seria bem interessante. Enquanto eu esperava o tempo passar, um rapaz foi jogado para a cela comigo.

– Qual seu nome?

– Rainbow.

– Que nome estranho. Você foi bem ousada em desafiar aquele policial, gostei disso. É assim que tem que ser mesmo. Eles estão acostumados a ver todo mundo abaixar a cabeça para qualquer coisa que eles te mandam fazer. Coxinha escroto. Mas não se preocupe não, logo algum advogado aparece e tira a gente daqui. Aí, Rainbow, aí a gente vai só ferrar mais com eles da próxima vez. Principalmente você, com esse olho roxo. Não esquece de passar no IML depois.

Ele continuou falando, mas eu não continuei ouvindo. Sentei no chão, recostada nas grades e ouvi algumas frases soltas. Pelo que entendi, um oficial da justiça viria aqui. Seríamos escrachados. Seríamos soltos. Não sabia em que ou quem acreditar. Em dado momento, notei que um bloco de notas com uma caneta caiu de uma mesa próxima, e peguei. E agora, aqui estou eu escrevendo esta carta antes que venham nos tirar daqui e levar para nosso julgamento.

Ainda não sei o que foi feito de errado, mas estou ansiosa para sair deste lugar. Mesmo quer for para minha morte. Por mais que eu me sinta enjoada só de pensar que posso morrer por mãos humanas.

CHECK-IN

Horas mais tarde, Rainbow acordou sendo sacudida.

– Acorda, Rainbow, eles te liberaram.

– Igor...?

– Sim, venha.

– Como você me achou?

– Acredite, não foi nem um pouco fácil. A sorte foi que eles se concentraram em levar o pessoal para delegacias da região, então só precisei te procurar nelas. Mas como não sabia qual a cor do seu cabelo nem como falar seu nome... Demorei para conseguir informações.

– Tudo bem, eu não entendi nada, apenas me tire daqui, por favor.

Igor a pegou pelo braço e tirou da delegacia, com medo de que mudassem de idéia quanto à liberação de Rainbow. Levou ela até seu carro – palco de seu primeiro encontro – e a colocou no banco do passageiro. A garota estava fraca e meio atônita, o que foi uma vantagem. Ele não estava pronto para retomar a conversa e perguntar sobre o desconhecido que conversou com ela. Ou sobre suas marcas recentes de luta.

Escurecia rapidamente. Dirigiu por uns 10 minutos. Levou ela em um restaurante vegetariano na Rua Augusta mesmo, que costuma sempre estar vazio. Levou a garota ao fundo, a colocou em um banco e voltou para frente para pegar os lanches. Ao voltar, colocou a bandeja na frente dela e esperou que acontecesse. Então aconteceu. Ela acordou do transe, viu que o lanche não continha carne animal, pegou e comeu vorazmente.

Estava grata por Igor. Grata por ter caído em cima do carro dele, e não de outra pessoa. Ainda estava confusa, desejando mais do que tudo voltar no tempo e não ter nunca ter ido parar naquele lugar. Queria ter enfrentado sua audiência com o Hezar e acabado logo com a aflição que sentia. Mas, já que acontecera, que fosse da forma como estava sendo.

– E agora Igor?

– “E agora Igor?” Eu estou ouvindo bem? A garota que algumas horas trás só pensava em me mandar ir embora está me perguntando sobre o que deveríamos fazer depois da confusão que ela mesma causou?

– Não abuse da sorte...

–Começa com a sorte de eles levarem todos para a 14 DP. Na real, eu te tirei da cadeia. Quer dizer, os advogados ativistas chegaram e eles iam te liberar de qualquer forma, não havia acusação nenhuma. Mas você não tinha documentos, o que foi um agravante. Então eu vi seu olho roxo e fiz um acordo de não te levar no IML caso te liberassem. Então, aqui estamos.

– Obrigada. Por tudo. Realmente, a última coisa que imaginava era sair com vida daquele lugar. De onde venho, as coisas não são assim. Os julgamentos são extremamente rígidos, e eu mal me lembro de ter visto alguém sair da prisão.

– Bom, já que entramos no assunto “de onde você vem”... Olha, quando você me contou aquilo tudo, eu até acreditei na parte da audiência. Mas achei que fosse aqui em Sampa mesmo. E seu cabelo... Até então achava que era algum tipo de peruca nova que mudava de cor, sei lá.

– Achei que você tivesse acreditado em mim.

– Olha... É meio difícil, sabe? Mas depois de ver o que aquele maluco estava fazendo no meio do ato... Minha fé começou a aumentar. Mas, vamos por partes. Eles te machucaram na delegacia? O que aconteceu?

– Eu estou bem, foi apenas um soco. Nada de extraordinário. Estava confusa e fraca demais para atacar alguém. Então, você apareceu.
– Sim, eu apareci. E agora quero saber daquele hippie estranho que estava falando com você.

– Termall é nada menos do que...

Rainbow nunca completou a frase. Ao olhar janela afora, o viu. Do outro lado da rua, atravessando, vindo em sua direção. Mais uma vez naquele dia, Termall vinha em sua direção. Mas dessa vez, não se preocupara em cobrir os olhos ou tentar se esconder. Algumas pessoas passavam e achavam graça, provavelmente acreditando que era mais um bêbado fantasiado. Os sensatos sairiam logo dali.

Igor olhou para trás, querendo saber o alvo da atenção da garota, e mais uma vez suas pernas fraquejaram. Pelo menos agora sabia que ele se chamava Termall, tinha alguma relação ainda não explicada com Rainbow e... Manipulava o ar. Ou a temperatura. Algo do tipo. Quando viu que vinha em sua direção (mas é claro, se eles realmente eram de outro planeta e só conhecia a ela, iria atrás dela), seu primeiro impulso foi pegas a garota pelo pulso e sair dali o mais rápido possível.

Mas Rainbow não se mexeu. Assim como Igor, ela se levantou... Mas ficou parada onde estava. Esperando que Termal chegasse. Cansara de fugir, cansara de evitar conflitos. Sair correndo, evitar enfrentar discussões, brigas... Agora isso era passado. Rainbow deu um sorriso ao ver Termall abrir a porta da lanchonete

– Estava te esperando.

– Mas é claro que estava.

– Eu te conheço, Rainbow. São 8 anos convivendo com você, vendo você recuar a cada enfrentamento. Não acredito por um momento em suas mentiras. Não mais.

– Eu não sou a mesma garota de quando você me conheceu. Você não me aterroriza mais, não caiu mais em suas armadilhas, por melhores que elas sejam. A morte de sua mãe foi o suficiente para que eu

– NÃO SE ATREVA A USAR ESSA BOCA SUJA PRA FALAR DE MINHA MÃE!

Igor olhava atônito para a cena. As pessoas saíam pelos fundos, assim como os funcionários da loja. Ele viu Termall erguer os braços, e sentiu novamente o ar esquentar ao seu redor. Não fazia sentido, estavam no Inverno! E então, começou a ficar insuportavelmente abafado, Termall ria e Rainbow...

Rainbow estendeu as mãos, e falou as palavras antigas. De cada uma das palmas, saiu um arco-íris, e se encontravam na altura de seu pescoço. A priori, fraco e bruxuleante. Mas aos poucos, enquanto o calor diminuía, as cores ficavam mais vivas e ele aumentava, passando da altura de seus olhos. Termall olhou preocupado para Rainbow. Não via aquele arco-íris há anos. E a última vez em que viu...

REDENÇÃO

Igor estava fascinado. E assustado. Mas, mais fascinado do que assustado. Rainbow estava com um olhar que ele ainda não tinha visto, ela parecia... Estar se divertindo com aquilo.

– Vamos, Termall! – o arco-íris começou a se desfazer, cor por cor, saindo dali e indo flutuar pelo estabelecimento – Esperava mais de você.

– RAIN, ACABE COM ELE!

Ambos se assustaram com a intervenção do rapaz. Termall olhou para ele, e Rainbow aproveitou a oportunidade para dizer novamente as palavras antigas, criando um novo arco-íris na palma das mãos. As luzes flutuantes eram finas como teias, e amenizavam o calor emitido por Termall. Este logo olhou de volta para ela, e parecia confuso e surpreso com sua ousadia.

Igor ainda respirava com dificuldade por conta da temperatura elevada, mas conseguir sentir um frescor emanando das cores projetadas por Rainbow. E, ah, como essas cores eram bonitas e chamativas! Queria tocá-las, sentir sua textura. Seriam lisas? Pareciam seda! Ou seriam como as luzes de um arco-íris que se forma naturalmente? Pronto, era isso: iria pegar em uma! Que mal isso faria?

Tudo aconteceu muito rápido. Igor estendeu a mão direita, com a intenção de tocar a teia vermelha, mais próxima de si. Rainbow viu o movimento e se desconcentrou:

– NÃO, IGOR!

Tarde demais. No espaço de 6 segundos, Igor tocou a teia vermelha, e sentiu uma forte corrente passar pelo seu corpo – como se estivesse levando um choque fortíssimo. Desmaiou na mesma hora. Rainbow, com a força do pensamento, empurrou todas as cores flutuantes em direção á Termall, que, mesmo estendendo as palmas para frente, fazendo uma forte corrente de ar se chocar com as teias, não conseguiu impedir que as mesmas o cercassem com uma laçada.

Pequenas faíscas escapavam dele, que tentava se soltar enquanto Rainbow corria em direção á Igor. Termall tinha maior resistência aos poderes de Rainbow, mas logo sucumbiu e desmaiou também. O silêncio no estabelecimento foi quebrado apenas pelos gritos de Rainbow, que achava ter o ferido gravemente.

– Não pode ser assim, eu não posso ter feito isso... Não acredito...

Por dentro, o restaurante estava destruído. Cadeiras jogadas, pratos quebrados, mesas reviradas. Pelo lado de fora, algumas pessoas filmavam e assistiam a tudo como se fosse um show. Desafiando a inocência da multidão, alguém ligava para a emergência e bombeiros. Por terem um posto na Rua Consolação, próximo ao restaurante, o corpor de bombeiros chegou rápido. Encontraram Rainbow deitada por cima do corpo de Igor, aos fundos, e Termall, também desacordado, próximo á entrada.

O trabalho foi rápido. O corpo de ambos os rapazes logo foi retirado de maca por uma ambulância do SAMU, e Rainbow foi junto ao de Igor. Chegaram ao Hospital das Clínicas em menos de 2 minutos, e os rapazes logo foram levados para a emergência. Enquanto esperava angustiada na sala de espera Rainbow repassava todos os acontecimentos do dia em sua cabeça.

No espaço de cinco horas, fora “abduzida” para outro planeta, acordara na casa de um desconhecido, fora presa, lutara com Termall e agora esperava pela recuperação daquele que lhe ajudara a sair da prisão. Daquele que havia tentado lhe ajudar em sua recuperação. Como fora ingrata! Igor mostrou, a todo o momento, sua pré-disposição em ajudá-la, e ela só pensava em fugir.

– Você estava com eles?

O médico chegara despreocupado. Seria esse um bom sinal?

– Sim, com ambos. Como estão?

– Bom, o moreno está bem. Igor, você disse que se chamava? Pois é, ele está bem, já consegue se levantar e já podemos dar alta. Já o outro... Acreditamos que o que aconteceu com ele – ainda não soubemos identificar – afetou de forma mais crítica. Ele está acordado... Mas parece ter perdido a memória.

– Termall... Perdeu a memória?

– Sim. E o que chamamos de amnésia psicogênica retrógrada, ele se esqueceu de alguns eventos antes do trauma. Pode ser temporário, e com alguma conversa ele pode voltar ao normal... Mas ainda não sabemos dizer.

– Eu... Posso vê-los?
– Sim, claro. Venha comigo.

Adentraram pelo hospital, Rainbow não conseguia prestar atenção em nada mais. Ao entrar no quarto em que estavam, seu coração saltou ao ver Igor sentado na cama, com sua camiseta estranha, seus cabelos bagunçados, um sorriso no rosto e uma gelatina na mão.

– Sempre me surpreendendo, não é?
– Ah Igor...

– Não use este tom de remorso comigo, mocinha!

– A culpa é minha, a culpa disso tudo é minha... Eu deveria saber que você poderia ser atingido, e mesmo assim continuei com aquilo...

– Pare com isso. Apenas pare. A culpa foi MINHA por ter entrado no meio, sabendo que poderia ser atingido. Você não tem culpa de nada... E lutou muito bem. Estou orgulhoso de você.

Um sorriso se abriu em seus lábios, e nada mais precisava ser dito. Abraçaram-se demoradamente, como quando fizeram naquele meio-fio, pareciam ter se passado dias desde aquele momento.

– Você está com dor? Está bem? Não se machucou?

– Rainbow, RELAXE! Estou melhor do que quando você caiu em meu carro, acredite.

– Bom... Tudo bem. Mas não minta para mim.

– Eu jamais faria isso.

Ela olhou para o lado, e se surpreendeu por ver que Termall estava acordado. Parecia apático, fisicamente estava bem, mas com o olhar perdido e parecendo como alguém pedindo por ajuda silenciosamente. Era agora. A hora de enfrentá-lo novamente. Mas dessa vez, não usaria a força. Usaria algo ainda pior e mais forte, que poderia afetar os dois: suas palavras.

WALDEINSAMKEIT

– Olá, Termall.

Ele não respondeu. Apenas olhava para ela, como que aguardando que continuasse.

– O curandeiro disse que você havia perdido a memória. É verdade?

– Bom... Aparentemente sim. Eu te conheço?

– Não sei dizer até que ponto isso é bom. Mas, bom, vamos lá. Sim, você me conhece. Meu nome é Rainbow, seu nome é Termall e este é Igor – engraçado, vocês ainda não tiveram a chance de se conhecer.

– Olá, Igor. Qual a relação de vocês?

– Somos...

Olharam-se. O que eram? Não eram inimigos. Não havia mais medo, desconfiança, melancolia. Havia confiança. Vontade de estar perto.

– Amigos. Somos amigos. Conhecemos-nos hoje, quando eu e você chegamos neste planeta.

– Neste planeta? Como assim?

– Não somos daqui, Termall. Viemos de outro planeta, um planeta longínquo, a várias galáxias de distância. Hoje, quando estava indo á caminho do Castelo de Bahrun para uma audiência com o Hezar... Fui sugada por uma estranha força, e apareci aqui. E, aparentemente, o mesmo aconteceu com você.

– Olha. Essa história de outro planeta é meio surreal para mim ainda. Mas, o que aconteceu no meio tempo entre nós virmos parar aqui e eu acabar no hospital?

Rainbow e Igor se olharam, pensando em como contar tudo que acontecera. Relembrar todos os momentos de pânico pelo qual passaram. Então, começaram. Intercalando suas falas, cada um falando de seu ponto de vista. Contaram tudo que acontecera no meio tempo.

–... E agora estamos aqui, meio incrédulos de você ainda não ter tentado nos matar outra vez. – finalizou Rainbow.

– Tudo bem, mas por que eu iria querer te matar? Por que nos odiamos tanto? O que aconteceu em Erastos?

Ouch. Não sabia se valia a pena, contar toda a verdade. Apesar de o curandeiro ter dito que falar sobre o passado poderia ajudá-lo a recuperar a memória... Alias, seria uma boa ideia ele recuperar a memória?

– Termall somos irmãos.

O silencio reinou. Antes que alguém entrevisse, ela continuou:

– Oito anos atrás, nosso pai, o Hezar de Erastos, fez uma reunião familiar com minha mãe e eu. Nesta reunião, eles confessaram que eu tinha um irmão gêmeo, que havia sido criado por uma velha senhora, porque as previsões diziam que ele era uma ameaça para mim. Eu tinha 15 anos, me sentia culpada por você estar longe de sua família. Então, logo após sair desta reunião, contrariando as ordens de nossos pais, fui atrás de ti.

Meses de procura depois, descobri onde te achar. Fugi de casa, dois dias de viagem depois percebo que estou sendo seguida. Era mamãe. Ela vinha no meu encalço, e eu imaginei que fosse levar a pior bronca da vida. Não. Ela disse que queria ir junto comigo, pois sentia falta de seu outro filho, e só não havia ido antes por ordens de papai. Pois bem, fomos juntas.

Ao chegar lá, encontramos a senhora que cuidava de você, sentada do lado de fora de uma casinha simples. Ela disse que estava esperando por esse dia, o dia em que eu iria atrás de meu irmão. Ela chamou por você, que veio correndo. No começo ficamos tímidos, mas logo começamos a conversar sobre a vida, trocar experiências. Parecia um sonho, você me compreendia de forma que ninguém mais conseguia fazer.

Mas logo o sonho iria acabar. Além de mamãe, uns bandidos também haviam me seguido, e enquanto estávamos ao fundo da casa, conversando, as duas foram assassinadas brutalmente a troco de dinheiro. Quando eles viram que era a esposa do Hezar, fugiram rapidamente... E ficamos nós dois, lá, sozinhos, perdidos.

Conseguimos voltar para o do Castelo de Bahrun com a ajuda de alguns aliados de papai. Logo que ele soube da notícia, se fechou em sua torre por dois anos. Foram tempos muito difíceis, para todos nós.

E você Termall... Ficou estranho. No nosso aniversário de 21 anos, percebi que você começou a agir diferente. Oras, aos 23 teríamos que assumir o trono de Erastos, pois papai iria se retirar! Ele estava cansado, velho, e a sua chegada junto da morte de mamãe afetaram muito ele. Eu compreendia. Mas você começou a se fechar, não conversava mais comigo, nos afastamos...

Até que, um mês antes de completarmos 23 anos, você solicitou uma audiência formal com o Hezar e revelou que eu teria sido a responsável pela morte de mamãe. Que eu havia matado ela, por inveja, por desejo de ter o trono unicamente para mim.

E papai... Acreditou. Fui expulsa do reino, vaguei por semanas no deserto de Erastos, implorando por água e comida. Eu estava à beira da morte. Até que, uma semana antes de nosso aniversário, fui convocada para uma audiência com o Hezar e o herdeiro do trono – no dia anterior ao nosso aniversário. Oras, ficou óbvio para mim: você fez aquilo para ter o trono só para você! E seria a primeira vez que eu os veria após aquele dia em que você contou aquela mentira.

Eu acreditava ser o dia em que seria recebida de volta em casa, com amor, com seu arrependimento. Mas nunca cheguei, a saber. Fomos transportados antes disso. Qual foi a minha surpresa ao te encontrar aqui, também.

– Rainbow, eu...

– Não se preocupe Termall. Eu ainda amo você. Sangue do meu sangue, carne da minha carne. Nunca deixará de ser minha outra metade. Mas não ache que eu hesitarei em me defender se você me atacar novamente. Isso não vai acontecer outra vez, nunca mais.

– Eu... Sei disso. As cenas vieram como um flash quando você as contou, agora consigo me lembrar. Ah, deuses! Rainbow me perdoe. Por favor. Eu não deveria ter feito aquilo, foi o maior erro de minha vida...

Em um momento mágico, uma lágrima rolou dos olhos de Termall. Rainbow não aguentava mais segurar a saudade, e abraçou o irmão. Era lindo. Igor chorava com eles, vendo a cena que ficaria em sua memória por anos depois daquilo. Então, uma luz começou a emanar deles. A princípio, fraca. Mas aos poucos foi aumentando, preenchendo o quarto de luz, até se tornar insuportável de olhar. Igor fechou os olhos, até que acabou. Estava tudo acabado.

Abriu os olhos e eles já não estavam mais ali. Quando o médico entrou, ele informou sobre o desaparecimento dos dois.

– Está tudo bem, rapaz. Sua mãe já está a caminho, já sabe que você bateu seu carro. É normal ficar um pouco confuso. Não havia ninguém nesta cama, só tem você aqui na emergência. Mas vai ficar tudo bem, logo você ficará melhor.

E saiu, deixando Igor confuso. Apático. E sozinho. Lembrou-se das aulas de alemão que teve na escola, e de uma aula há muito tempo distante. “Waldeinsamkeit”, dissera a professora, “é o sentimento de estar só em uma floresta, uma selva”. Era esse o sentimento de Igor.

Sentia-se só em sua cidade de pedra, se sentia só em São Paulo.


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Notas finais do capítulo

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