H.o.r.d.a. escrita por GrupoMindUp


Capítulo 4
Seraphina Vs. Górgeos


Notas iniciais do capítulo

A deusa Seraphina bate de frente com Górgeos, um deus caído, experiente manipulador das artes marciais! O cenário campestre se estende ao desenvolvimento da batalha. Quando a paz parecia reinar, heroína e vilão são teletransportados para longe de seu mundo de origem... Segredos, poderes massivos! Tudo em um único capítulo...

** Escrito por: Roberta Gregório

[MIND.UP! PROJETOS]



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Abriu os olhos lentamente. O som dos pássaros e das cigarras servia como uma melodia para seus ouvidos. Oh, Deusa Ninlun, onde estava? Via-se no meio do nada, entre montanhas, envolta por árvores de pequeno porte espinhentas e retorcidas. Seu único prazer centrava-se em saber que pelo menos era noite e a lua, com sua luz branca tão pura reporia suas energias.

O regresso somente vos será permitido após a queda do adversário que de pé está a sua frente, ó bravos guerreiros.

Seus lábios tremeram de leve, um adversário? Havia sido retirada de seu templo para se digladiar com alguém? Como algumas pessoas, independentemente de serem mortais ou não, eram perversas.

Levantou-se, seu vestido e capas brancos como os raios lunares, com a queda encontravam-se com uma parte suja de terra. Nada que um pouco de magia não resolvesse.

Olhou em volta, ninguém. Nada se movia, muito menos aparecia e não sentiu a presença do adversário. O escuro nunca foi um problema para ela que conseguia enxergar muito bem em ambientes assim.

Tiram-me do meu templo, me jogam no primeiro buraco que encontram e ainda querem ver uma luta. Isto não pode estar acontecendo.

Começou a caminhar na direção Norte, guiada pelo o que julgou ser a estrela Mut, não era possível enxergar as luas trigêmeas de Hazor para seu desespero. O desconhecido por vezes a assustava, mas não iria se abater. Conseguiria fugir de lá, ou derrotar seu adversário, porque por mais que a intuição lhe advertisse de um perigo iminente, queria acreditar na sorte dele ser uma boa pessoa. Assim, juntos, imaginariam um jeito de fugir.

De seu corpo emanava uma fraca luz branca, como filha da luz, seus passos sempre eram abençoados pela Deusa Ninlun, de quem herdara o posto de regente dos guardiões da luz.

Após um grande declive, era possível ver diversos pontos luminosos ao longe. Estava próxima de uma cidade, sentiu-se aliviada, mas um medo saltou-lhe à mente, e se os seres habitantes deste planeta fossem hostis?

Parou de andar, na dúvida entre continuar seguindo por aquele caminho ou não. Olhou mais uma vez para a estrela, queria uma resposta, algo para lhe acalentar a alma tão cheias de dúvidas e receios, porém não obteve nada, apenas mais questionamentos.

Virou-se, pronta para mudar de caminho quando foi obrigada a acionar seu escudo de energia, por muito pouco não teve seu braço esquerdo arrancado por uma espada bifurcada. Conhecia aquela lâmina negra como piche.

Górgeos.

— O que faz aqui? — questionou, seus os olhos de um azul celeste arregalados pelo susto.

— Eu lá vou saber? Mas agora que sei quem devo matar, o farei com prazer — disse, erguendo a espada até o seu ombro, seus olhos dourados brilhando com a euforia da descoberta.

Estava horrorizada, de todas as pessoas, não podia acreditar que o escolhido havia sido seu maior inimigo.

Um dia, Górgeos foi nobre, um grande deus. Capaz de proteger mundos com o dobro do tamanho de Áurea, mas a ganância e a sede de poder foram muito mais fortes e a grande Deusa Ninlun o baniu, privando-o da maior parte de seus poderes.

Agora, ele não passava de um deus caído. Sua pele, antes bronzeada, agora assemelhava-se a couro queimado, as unhas tornaram-se grossas e pontiagudas e seus quatro braços, tornaram-se muito mais musculosos, chegavam a assustar. O rosto continuava belo e delicado, mas suas feições eram cruéis. O longo cabelo negro e liso estava preso em um rabo de cavalo. Ele vestia suas habituais vestes de batalha, uma túnica vermelha com o desenho de uma lua minguante e calças da mesma cor. Calçava uma simples sapatilha preta.

Deu dois passos para trás, ele era um excelente lutador marcial; ela por sua vez, um verdadeiro fracasso neste estilo de luta. O impacto da lâmina negra contra e escudo machucara seu braço esquerdo, não seria possível movimentá-lo bem.

A luta era iminente. Com o braço bom, invocou um sabre de lâmina curva, era a sua arma favorita. Preferia lutar com as duas mãos, mas isto não seria possível. Apontou a lâmina na direção do inimigo, sinalizando para que não se aproximasse. A ação fez Górgeos soltar uma risada nasalada e correr em sua direção.

Ele era muito rápido, seu tempo era curto. O quanto mais rápido resolvesse aquele impasse, maior a chance de sobrevivência.

Enquanto estivesse de noite, estaria abençoada com a presença de Ninlun e conseguiria utilizar o dom da invocação sem se cansar, mas com o nascer do sol... A magia enfraqueceria.

Esquivou-se do primeiro ataque, direcionado em seu rosto, e por um minuto, os pés vacilaram, estava na beirada do declive e caindo rolaria em meio a muitas pedras. Com certeza ia doer.

— Não vá cair, princesa. Não deixe as pedras machucarem-na antes de mim.

Sorriu em resposta e passou a mão na lâmina de seu sabre, fazendo o metal soltar uma poeira azulada.

— Pulverize o mal, Ankhor — recitou em seu tom de voz mais fraco.

As partículas suspensas no ar uniram-se, formando uma pesada esfera azul que caiu no chão. Momentos depois ela trincou e de dentro saiu um lobo de pelagem cinza e longas garras afiadas. Seus dentes assemelhavam-se a serras.

O lobo de olhos brancos pulou na direção de Górgeos que tentou parti-lo ao meio com sua espada, mas o movimento foi impedido pela criatura, pois suas fortes mandíbulas mantiveram a lâmina segura em seus dentes.

Ele franziu o cenho, contrariado, não esperava que uma criatura conseguisse conter sua espada com os dentes, mas isto não seria um problema.

Afrouxou o aperto no cabo da arma e com o terceiro braço esmurrou a mandíbula superior do lobo, a pressão da lâmina contra os dentes foi o suficiente para quebrá-los. Divertiu-se com o ganido de dor e o sangue, mas aquilo não era o suficiente. Queria o sangue de Seraphine. Voltou seu olhar para a beirada do declive, ela já não se encontrava mais lá. Deu um passo a frente, pronto para procurá-la quando algo gelado fincou em suas costas, permaneceu imóvel. Virou-se irritado e fitou o belo rosto da jovem semideusa. Precisava admitir, era corajosa.

Contraiu os lábios em uma leve careta de dor, o ferimento queimava sua carne, mesmo não sendo profundo, porque ainda mantinha uma grande resistência na pele. Ela estava tão próxima... isso o fez se inclinar um pouco para o lado, mesmo com a lâmina ainda fincada em suas costas abrindo ainda mais o corte, e chutá-la no abdômen.

Mesmo conseguindo puxar o sabre a tempo para bloquear o golpe, ela acabou sendo jogada para além do declive.

— Já estou indo aí, princesa. Espere por mim — Górgeos exclamou debochado.

Ela rolou em meio as pedras pontiagudas, por sorte, só teve escoriações leves. Levantou-se um pouco devagar e sentiu todo o corpo dar leves pontadas de dor. Górgeos se aproximava, precisava pensar rápido. Seus ferimentos cicatrizariam em questão de minutos, mas não estava preparada para um novo confronto.

Fincou o sabre no chão arenoso e com a ponta dos dedos desenhou um círculo. O chão trincou e onde estava foi tomado pela luz do luar. Retirou a espada do chão e seu corpo fundiu-se à terra no exato momento em que o deus caído chegou. Já era tarde para ele, ela havia conseguido escapar.

Por enquanto.

**

Não sabia para onde a magia a levaria, ao mesmo tempo em que poderia ser para um local relativamente distante de seu oponente, poderia estar perto. Ergueu-se do chão e olhou em volta, encontrava-se em meio a um curral sem animais, as árvores ao redor produziam um leve farfalhar com suas folhas, era um som agradável. Depois da cerca de arame farpado, uma pequena casa era fracamente iluminada pela luz do luar, não parecia ter alguém dentro dela, porque em áreas rurais era bem comum a presença de cachorros.

Isto a fez pensar que no final das contas, aquele poderia ser o planeta Terra; os livros da biblioteca de Áurea não diziam coisas boas sobre o planeta, mas alegavam que apesar de completos ignorantes, uma grande parte da raça humana era inofensiva.

Não teriam a menor chance contra Górgeos, pobres mortais. Se pelo menos eu estivesse próxima daquela cidade...

Sentiu um aperto no peito por causa de um sentimento de culpa repentino; não deveria ter fugido, vidas inocentes seriam ceifadas por conta de sua infantilidade, de sua fraqueza. Mas este não era o melhor momento para se lamentar.

Enquanto ele estava distante, carregaria uma magia, algo capaz de reverter o dano e a dor causados pelo deus caído e ainda por cima matá-lo. Olhou para o céu e em silêncio pediu por uma bênção enquanto caminhava para fora do curral. Teve o cuidado de olhar bem por onde pisava para não ter uma surpresa desagradável, mas parou ao ouvir uma exclamação abafada.

Então existiam pessoas naquela fazenda?

Voltou seu rosto na direção da casa e depois para a cocheira a poucos metros da onde estava. Dava para distinguir parte de uma silhueta encolhida atrás do enorme objeto.

Moveu-se rápido, normalmente os humanos eram criaturas assustadas, não poderia dar tempo para que ficassem gritando, correndo e fazendo coisas estranhas. Sua velocidade normal era o suficiente para confundi-los e estando agora bem atrás da criatura, soprou de suas mãos uma luz esverdeada, capaz de acalmar qualquer ser.

Talvez, agora pudessem se comunicar, na verdade tentar, porque não se entendiam. Como povos diferentes, tinham idiomas, costumes e hábitos divergentes.

— Você é um anjo? — a pergunta a pegou de surpresa; quis rir. Nunca havia considerado a possibilidade de confundirem-na com outro tipo de divindade. Também não esperava compreender o idioma falado pela humana.

— Não tenho asas para tanto — respondeu, mesmo imaginando que possivelmente não seria entendida.

— É bonita como uma — a resposta não denunciava que a humana houvesse entendido sua resposta, mas lhe causou um arrepio na espinha.

Não acreditava na possibilidade de ser compreendida, muito menos de entender o idioma local, para ser mais exata, não queria acreditar e isso a deixava a princípio um pouco assustada. Górgeos não era muito de conversa, mas ainda tinha a capacidade de enganar muitos, mais uma vez sentiu culpa por ter fugido.

— Eu preciso ir — disse apressada e olhando ao redor. Precisava encontrar um lugar bem escondido para lançar seu feitiço.

— Para onde? Acabou de chegar.

A mortal realmente entendia o que falava, com certeza isso era obra de alguma magia maior lançada na região pelo idealizador daquele combate estúpido.

— Eu vi você brotando do chão. É alguma feiticeira? Estava escondida lá há quanto tempo, pois ninguém reparou e eu vim para cá há poucos minutos. Está querendo o que aqui?

Não tinha a menor paciência para responder tantas perguntas. A resposta para elas era confusa e muito difíceis de acreditar, porque ninguém na Terra acreditava em super-poderes, semideuses, monstros... Para piorar, a magia que era para ter um efeito calmante, na garota gerou uma confusão incrível. Mais perguntas viriam e o tempo não contava a seu favor. O deus caído apareceria a qualquer instante.

— Não estou com tempo para conversar, preciso ir.

— Nesse caso... Eu posso ajudar? Parece que é algo importante — perguntou acendendo uma pequena lanterna e iluminando seu próprio rosto.

Era uma garota jovem e pelas vestes, com certeza não pertencia ao meio rural, nunca foi a melhor em distinguir roupas humanas, mas tinha uma pequena noção das coisas. O Mundo Central nunca foi alvo de seu interesse.

Era de dar inveja ver jovens tão motivados a ajudar estranhos, por acaso ela não tinha noção do perigo? Sua mãe nunca havia lhe avisado que era feio falar com estranhos? Se bem que a sua presença nunca foi ameaçadora.

— Vai ficar aí olhando ou vai responder? — a garota perguntou impaciente.

— Fique fora disso — respondeu por fim e voltou a caminhar para fora do curral.

Escutou o grito indignado da moça, mas não deu a menor importância. O importante agora era achar um lugar seguro para carregar sua magia antes do nascer do sol e, principalmente, escondida de Górgeos.

O pequeno casebre não serviria, as paredes de tijolo e barro não agüentariam um soco de seu inimigo, na parte dos fundos várias árvores foram plantadas, em sua maioria bananeiras e pés de manga, também não serviam. Mais ao longe avistou o fim da cerca de arame farpado, delimitando toda a região.

Caminhou até a casa, não iria entrar, mas a curiosidade falou um pouco mais alto. Como os humanos criavam moradias engraçadas, feitas de forma tão simples e sem se importar com o fato de serem tão fracas. Chegava a dar dó.

Nem se comparava ao seu templo, um lugar amplo, aconchegante e super resistente. Ninguém seria capaz de quebrar seu lar com um soco, nem de invadir, era uma moradia praticamente indestrutível.

— Hey! Você não pediu permissão para entrar!

— Mas eu não entrei, só estou olhando — respondeu calma, porém bem no fundo já estava começando a se cansar daquela ladainha chata.

— Meus avos estão em uma festa, chegam daqui algumas horas. Minha família foi junto, eu resolvi ficar — a garota esclareceu meio sem jeito. Notava-se certa tristeza em seu tom de voz — E meu nome é Bianca.

— Seraphina, prazer — respondeu sem tirar os olhos da casa. Era muito pobrezinha.

Pensando bem, talvez aquela garota de cabelo multicolorido pudesse ajudar, afinal, deveria saber de algum lugar calmo e escondido. Contudo, era preciso tomar cuidado com a possível aparição de Górgeos, pois dependendo das circunstâncias, proteger a humana se tornaria impossível.

— Seraphina lembra Serafim. É parente de anjo?

De novo uma pergunta inadequada. A resposta era a mesma, não! Anjos eram seres destituídos de idade e sexo, grandes guardiões celestiais. Ela não passava de uma semideusa, filha de Ninlun com um mago lunar, o que tornou seus poderes bem restritos. Só era forte à noite e dependia da luz do luar e das estrelas para realizar suas invocações. Sua bondade e o grau de parentesco com a grande deusa renderam a ela o cargo de regente dos guardiões da luz, nada muito extremo, apenas repleto de responsabilidades.

Se ao menos Seraphina tivesse reparado que sua capa rasgada, ao subir com o vento faziam-na parecer um anjo de longas asas brancas...

— Não — respondeu entediada — Não tenho parentesco com nenhum ser alado.

Bianca arqueou uma de suas sobrancelhas e fez uma careta, seus olhos castanhos demonstravam que a resposta a desapontara. Ponderou que pelos colares e pulseiras com símbolos estranhos que usava, ela gostasse de misticismo.

— Bianca... — começou a falar sentindo muito receio em relação à reação da humana — Me fale um lugar bem afastado e bom para esconder coisas.

Era a típica conversa clichê e estranha onde tentava convencer uma pessoa desconhecida a ajudá-la em um plano maluco. Por sorte, Bianca era muito jovem, não boba, mas ainda ingênua.

— Pra que isso?

Ora, não tinha tempo para ficar explicando tudo! Górgeos apareceria a qualquer instante e a noite já estava no fim. Olhou para a garota e soprou de leve em sua direção, era uma magia boba. O efeito acabaria em poucas horas, porém era o suficiente para conseguir a confiança dela.

— Existe uma pequena queda d’água há alguns quilômetros daqui. O problema é que está muito escuro — ela respondeu rápido depois de piscar várias vezes. Seus olhos brilhavam, indício de que a magia estava surtindo efeito.

— Me leve até lá, sua lanterna iluminará bem o caminho — afirmou com um sorriso nos lábios avermelhados.

Bianca assentiu e juntas começaram a andar para longe da casa, caminharam em meio as árvores, tomando cuidado para não escorregarem nos frutos caídos no chão e mais ainda na hora de passar por entre a cerca de arame farpado.

Eram três quilômetros de caminhada por entre uma fina trilha, o mato ao redor era bem denso e ao longe se podia escutar o uivo de lobos. Adorava criaturas tão belas, seus uivos apaixonados ao luar renovavam suas esperanças.

Bianca era bem tagarela e logo descobriu que se encontrava em um país chamado Brasil, no estado de Minas Gerais, a fazenda era conhecida como Vereda. Fazia divisa com uma cidade chamada Três Marias, seria aquela a cidade que viu pouco antes de ser atacada?

Também descobriu que a garota não era muito ligada aos pais, prestes a se divorciarem. Tinha quatorze anos e todo ano nas férias, ia se divertir na fazenda, apesar de que já não considerava o passeio tão divertido quanto há quatro anos atrás.

— Mas me diga o que faz aqui? — a jovem perguntou sem tirar os olhos da lanterna.

Não dava para mentir, porque a qualquer momento um homem musculoso e estranho de quatro braços apareceria para matar todo mundo.

— Não sei como vim para este lugar, a verdade é que preciso derrotar uma pessoa.

— Você precisa lutar com um homem? Vocês se odeiam?

— Não é bem assim. Eu não o odeio, mas ele sim — ponderou sentindo o peso daquelas palavras, odiar era algo forte demais.

— Mas como alguém poderia odiar você? Deu uma fora nele, é isso?

— Dei um o que?

— Oh, não sabe o que é dar um fora? Desculpe-me — comentou sem jeito — É quando você dispensa uma pessoa, porque não deseja namorar com ela.

Quis rir daquilo. Mesmo quando Górgeos era um deus, nunca se aproximou de nenhuma semideusa ou maga com segundas intenções, sempre foi muito reservado. Principalmente para conversar.

— Ele nunca foi interessado nisso — afirmou tentando conter o riso — Era uma boa pessoa, mas ficou mal, agora quer vingança.

— Me fale mais sobre isso, se quiser, claro — pediu com um sorriso infantil; era muito curiosa.

O que dizer daqueles tempos? Apenas que foram amigos, bons amigos. Todo fim de tarde, quando a última oração à deusa Ninlun era realizada, ele ia ao seu templo para conversarem. Normalmente eram coisas comuns à rotina dos dois, dependendo do dia, davam voltas ao redor do lago Qatizar e contemplavam o reflexo dourado das luas trigêmeas em suas águas cristalinas.

Eram bons tempos que não voltariam nunca mais.

— Prefiro não lembrar.

Sim, era melhor não lembrar. Era preciso manter o foco no fato de que agora eram inimigos mortais.

O silêncio reinou por um tempo, o frio da noite e o vento pareciam querer reavivar todas as memórias que esforçava-se para esquecer. Detestava lutar, mas o mal sempre aparecia e os arcanos necessitavam de uma grande líder para defendê-los. Ninguém melhor do que uma semideusa incapaz de utilizar magias de luz. Fracassara em todas as tentativas de matar Górgeos e era em um meio de vencê-lo que pensava antes de ter sido enviada a Terra contra a sua vontade.

— Sabe de uma coisa? — Bianca comentou quebrando o silêncio e despertando-a de seus devaneios. Estavam agora em um declive acentuado, se não tomasse cuidado, acabaria escorregando.

— O que? — perguntou desinteressada, da garota não viria nada de interessante.

— Estou shippando os dois com vontade, sabe. Sempre falo isso para minhas amigas que possuem casos amorosos mal acabados — ela não conseguia esconder um sorriso travesso enquanto falava. Parecia gostar de ideia tão repugnante.

— Está o que?

— Nossa — retrucou colocando a lanterna entre as pernas para abrir uma cerca — Você não sabe de nada mesmo. Shippar* é quando você torce para que duas pessoas fiquem juntas, quando formam um casal fofo. Nem sei como é esse cara, mas pelo jeito que fica emocionada quando fala dele...

Balançou a cabeça negativamente na falsa expectativa de retirar aquela ideia idiota da cabeça. Como era possível alguém pensar que a pessoa prestes a matá-la serve como par romântico? Impossível existir algo mais absurdo!

Não usara nenhum tipo de expressão favorável para falar do deus caído, não citou momentos, nada!

Seu rosto ruborizou ao extremo ao se imaginar sendo abraçada por aqueles quatro braços, um abraço de inseto como costumava falar. Centenas de borboletas pareciam brigar em seu estômago. Aquela garota lhe dava desânimo.

— Fala isso, porque não o conhece — respondeu irritada.

— Já foram amigos, não? Pelo menos feio ele não deve ser, porque tenho a impressão de que onde você mora só existem pessoas bonitas — ponderou com um olhar sonhador, quase rindo do que falou.

Com certeza devia ter se imaginado nos braços de algum ser divino ultra bonito e jovem. Humanos... Como conseguiam ser tão fúteis?

Por sorte, ela permaneceu calada pelo resto do trajeto e assim que terminaram de descer o declive, viu um córrego. Seguindo-o daria na queda d’água, mas como estava de noite seria muito perigoso simplesmente seguir por entre as pedras cheias de lodo.

— Vamos dar a volta, demorará um pouco, mas chegaremos em segurança — a garota ponderou um pouco receosa.

— Está com medo?

Com certeza aquela não foi a pergunta mais delicada de todas.

— Tenho medo dos meus pais chegarem e não me verem em casa. Nunca saí à noite e todos falam dos perigos de encontrar uma onça ou lobo no meio do mato.

Lobos e onças... Era disso que tinha medo? Quando Górgeos aparecesse, aí sim ela saberia o real significado da palavra medo. Mas no que estava pensando? Não poderia deixá-la perto de um monstro como ele. Morreria em questão de segundos.

Gastaram muito tempo para chegarem, mais do que previa, contudo agora estava no local, não era bem o que esperava. Onde a água caía havia um enorme poção, não parecia muito fundo, uma estreita fila de pedras dividia-o de outro ainda mais raso e uma enorme parede composta dos mais diversos formatos de pedra fazia o lugar parecer um buraco no meio do cerrado.

Ficou desanimada, no frio da noite, não queria ter que entrar na água para conjurar o feitiço.

Pousou a mão no ombro da jovem com delicadeza e continuou com os olhos fixos na água caindo a poucos metros, era bonito de se ver, porque a luz da lua produzia um reflexo semelhante a um véu.

Respirou fundo e deixou seus pés deslizarem para fora das sapatilhas, o contato com a pedra fria lhe causou calafrios, mas manteve a calma, não tinha tempo a perder.

Bianca arregalou os olhos e abriu a boca para protestar, mas se conteve por causa de um novo encanto. A semideusa não precisava de alguém contestando seus atos, fazia tudo aquilo para salvar a vida de milhares de pessoas.

— Se quer tanto assim entrar, pule de uma vez para não se machucar, não existe parte rasa — a jovem avisou aflita.

Isso só pode ser brincadeira, o que eu não faço pela humanidade.

Pulou sem parar para pensar se aquilo era certo ou errado. O choque fez todo o corpo clamar por algo quente. Começou a tremer, a água ia até o pescoço. Nadou até estar próxima à pequena cachoeira. Aquele era o lugar perfeito.

Fechou os olhos e invocou seu sabre branco, deixando-o cair até a lâmina fincar no solo.

— Só acorde quando estiver pronta para o fim — recitou calma, apesar da tremedeira denunciar o contrário.

— Que fim?

Abriu os olhos assustada, voltou-se para a humana incapaz até mesmo de gritar por conta do medo, sua pele já se encontrava tão branca quanto mármore e os olhos encontravam-se arregalados, fixos em algo bem acima da onde estavam.

Virou-se lentamente e ergueu o olhar para o alto da queda d’água, ele estava em pé, os quatro braços cruzados e seus olhos dourados brilhavam, parecia um felino prestes a atacar. O mais estranho era que daquela vez não estava com sua espada.

— Melhor sair desta água gelada, princesa. Irá pegar um resfriado — falou irônico.

Sair da água era a opção mais sábia, mas o terreno era bem irregular, para que tropeçasse e ele se aproveitasse disso pouco custava. Precisava admitir, estava com medo e não sabia ao certo o que fazer. A magia não podia ser desfeita ou seria o fim.

Deu um pequeno passo para trás, mover-se dentro d’água era horrível, mas manteve os olhos fixos nele. Górgeos permaneceu parado. Ergueu suas mãos e constatou que seu braço já estava bom o suficiente para empunhar uma arma. Deixou um brilho azulado envolver seu corpo e viu pequenas gotículas de água levitarem à medida que o brilho se intensificava.

Acorde, meus pequenos.

Teve medo de que seus pensamentos chegassem até o deus caído, contudo perante a indiferença dele, chegou à conclusão de que ele se tornara incapaz de fazer isso.

As pequenas gotas começaram a se dissolver e de dentro delas pequenas vespas brancas começaram a voar ao seu redor. Vistas de longe, pareciam belos pontos luminosos, mas um espectador mais astuto perceberia de cara o perigo.

Górgeos descruzou os braços e arqueou uma sobrancelha, típico de quando estava intrigado com algo. Queria ver se ele seria capaz de lutar com seres tão pequenos e ágeis, não queria passar pelo mesmo desastre do lobo. Pobre criatura, não merecia destino tão cruel.

O enxame de vespas voou na direção do deus caído e sem tirar os olhos de cada movimento dele, começou a caminhar para fora da água.

Ele não parecia nem um pouco amedrontado e com os quatro braços começou a despedaçar os insetos em movimentos rápidos e precisos, dignos de um mestre karatê. Em pouco tempo ela se encontraria em sérios apuros novamente.

— Ele é incrível — Bianca comentou alto e boquiaberta com o espetáculo.

Sim, ele era incrível e isso era um enorme problema para as duas.

— Bianca, volte rápido.

— Mas como fica a sua magia, e você? — na sua pergunta percebeu toda a preocupação da mortal, chegava a ser comovente. Sempre gostou de saber que as pessoas se importavam com ela.

— Darei um jeito, eu prometo.

Nem eram amigas, tudo não passava do efeito de feitiços e mais feitiços para evitar tanto o medo da humana por ela quanto para evitar questionamentos desnecessários. Até gostaria de ter a amizade dela, mas isso era algo impossível, pois no fim acabaria voltando para casa.

— Vai! — exclamou quando viu o tanto de vespas derrotadas.

Bianca a olhou mais uma vez, os olhos marejados pelo medo, algo que fez questão de esconder virando o rosto. Acendeu sua lanterna e escalou em três enormes pedras para começar a fazer o caminho de volta para o casebre.

Suspirou aliviada com o afastamento da humana, assim conseguiria lutar em paz. Passou a mãos em seu longo cabelo loiro, completamente ensopado. Invocou seus dois sabres encurvados e traçou um risco imaginário na água.

Górgeos esmagou o último inseto e pulou para dentro do poção, mas ao invés de seus pés tocarem a água, foram de encontro a um piso invisível. Mirou o inimigo a sua frente e analisou a situação.

A semideusa ergueu os dois sabres e começou a girá-los provocando um forte redemoinho, se conseguisse arrastá-lo, ele bateria em cheio contra as pedras. Pena que ele mal saiu do lugar. Era como se os seus pés estivessem enraizados no chão. Realmente incrível.

Deu dois passos para o lado, sem saber direito o que fazer, o escudo feito por cima da água gastava muita energia, a luta não poderia durar até o nascer do sol. Como também não se arriscaria em uma luta corporal, ele a partiria ao meio como um palito.

Com o fim do vento, Górgeos começou a caminhar em sua direção, ela se afastou apreensiva, pronta para a luta, mas assim que ele começou a dar saltos e mais saltos, acabou ficando um pouco perdida. Malditos truques de distração!

Desviou de um soco e bloqueou outro com o sabre, com o braço direito livre girou a lâmina na direção do quarto braço do deus caído que bloqueou o ataque.

Caso ela tivesse tentado soltar a espada da mão do inimigo teria perdido na hora, mas não foi o que ela fez. Largou o sabre que se desfez em pequenos pontos luminosos brancos e soltou um raio de luz no peito do adversário, foi com grande prazer que ela o viu arregalar os olhos surpreso.

Mesmo surpreso, não perdeu tempo e inclinou todo o corpo para trás, fazendo o raio luminoso passar rente ao seu rosto. Deu um mortal de costas para recuperar o equilíbrio e correu na direção da semideusa que lançou outro raio de luz.

Desviou do ataque e com os dois braços inferiores empurrou-a contra a parede de pedras. Com o impacto, ela soltou um gemido de dor.

— Oh, princesa, sinto muito. Não vi que as pedras aí eram pontiagudas — ironizou com um sorriso vitorioso nos lábios.

— Sei que sente muito — ela retrucou com um sorriso debochado.

Ele continuou sorrindo e segurou seus braços. Ela sabia o que viria a seguir, estrangulamento. Uma morte lenta e dolorosa, a pior delas na sua opinião, porque era difícil se imaginar sem ar, sentindo o corpo implorando por um pouco de oxigênio. Fechou os olhos, queria conseguir pensar em algo. Seria tão bom se não fosse a única pessoa lutando contra um monstro em uma terra desconhecida.

— Abra os olhos, princesa. Gosto de olhar para eles.

— Só se pedir com jeitinho — retrucou com um sorriso ferino — O que fez às pessoas da cidade? — era seu último questionamento antes de começar a ser estrangulada.

— Nada, meu alvo era você. Sempre foi agora abra os olhos — respondeu calmo, a voz saía melodiosa e grave. O normal de quando ainda era bom.

Abriu os olhos devagar, sentindo-se uma completa idiota por ter sido pega, mas ao mesmo tempo vitoriosa por ter tido um inimigo tão pacífico. Nenhuma outra vítima, só ela. Impossível existir algo melhor.

Observou uma das quatro mãos fortes e grandes dele envolver seu pescoço, respirou fundo, o coração batendo acelerado enquanto o cérebro processava centenas de informações inúteis. Lembrava-se agora apenas dos momentos amigáveis que passou com ele antes da maldade dominá-lo. Aquilo tudo era tão patético...

Antes aqueles olhos dourados eram calorosos e pareciam refletir uma luz tão alegre quanto a do sol. Gostava tanto dos raros momentos em que o viu sorrir, invejava sua força e a sua bondade e treinou muito para conseguir um papel de destaque em Áurea. Pena que ele virou um monstro um pouco antes disso acontecer.

E agora todo o esforço era jogado no lixo pela sua fraqueza.

O ar começou a faltar aos poucos, abriu a boca para conseguir um pouco de oxigênio, porém nada passava pela sua traquéia. Prendeu o ar na boca, não muito, sentia que a qualquer hora iria desmaiar.

Encarou Górgeos uma última vez com os olhos semi-abertos e soprou. No início ele continuou indiferente, só que logo os seus braços enrijeceram e o deus gritou de dor, dando um passo para trás e caindo de joelhos no chão.

Sentir o ar entrando novamente em seus pulmões era uma verdadeira dádiva, passou a mão no pescoço aliviada e levantou, algo morno desceu pelas suas costas e logo sentiu uma dor descomunal.

Caiu sentada, quase tendo um enjôo por conta da dor. Abafou o grito mordendo as costas da mão direita, aquela não era a melhor hora para reclamações, o sol já começava a aparecer no horizonte e a magia a perder seu efeito.

O escudo começou a trincar, encarou o inimigo que ainda agonizava de dor e começou a engatinhar para perto da queda d’água.

— Ainda não acabou princesa — Górgeos murmurou juntando suas forças e segurando seu braço — Não deixarei que use nenhuma outra magia idiota.

Ela gemeu de dor, as costas cada vez mais quentes e úmidas.

— O que ganha me matando? Ficará tão alegre assim? — as palavras saíam arrastadas, quase inaudíveis.

— Vingança, princesa. Sua mãe sofrerá as conseqüências de ter retirado meus poderes. Agora — os lábios tremeram um pouco antes de ele prosseguir — não me sentirei feliz por ter matado quem eu amava — declarou sem jeito.

Foi como se todo o peso do mundo caísse em cima dela. Arregalou os belos olhos azuis e tentou falar algo, mas o corpo não respondia mais aos seus comandos. Ele o que?

Não é possível, o deus caído jurou matar a única filha da luz para se vingar. Ele só tem ódio em seu coração, não tem como ele amar alguém. Só pode ser uma brincadeira de mau gosto.

Se lembrou na hora de Bianca ‘...falo isso para minhas amigas que possuem casos amorosos mal acabados.’. Nunca amou o deus e ele também nunca falou nada sobre garota alguma.

— Nã-Não. Você só tem ódio — disse aturdida pelo impacto da declaração. O escudo abaixo deles trincou ainda mais, não demoraria para a magia perder o efeito.

— Pode ficar sem acreditar se quiser, irá morrer mesmo — desdenhou puxando-a em sua direção.

Tentou reagir enrijecendo o corpo; ele era muito mais forte. Os raios solares já iluminavam boa parte do céu, faltava bem pouco para chegar onde estavam. Não queria cair na água de novo, mas talvez aquela fosse sua única salvação. Pena que ele conseguiria matá-la bem antes do escudo terminar de ceder. Não custava nada tentar ganhar um pouco de tempo.

Sempre manteve as unhas grandes e afiadas, um capricho muito mal visto pelos sacerdotes. Virou um pouco o pulso para o lado e fincou as unhas com dificuldade na pele dura do deus caído.

Enfurecido, puxou-a com mais força, contudo parou ao escutar algo batendo com força contra o escudo. Olhou para cima e viu a humana idiota jogando pedras no local que a cada pancada trincava mais. Maldita, se ao menos tivesse forças para saltar até lá e matá-la...

— Bianca! — exclamou em um gemido de dor.

Ela se encontrava bem no alto da queda d’água, se escorregasse morreria na hora.

— Eu não vou deixar você morrer assim! — ela gritou jogando outra pedra.

— Humana estúpida — ele falou estridente, fazendo surgir na palma da terceira mão a espada bifurcada.

Não, ele não poderia matar uma pessoa inocente de forma tão covarde. Ela não permitiria que nenhuma vida fosse ceifada. Mesmo com o braço preso, se jogou contra o adversário, apenas o peso do seu corpo esguio nunca seria o suficiente para detê-lo.

Górgeos prensou seu corpo contra o dela, impossibilitando qualquer reação por parte da semideusa. Ergueu a espada, daquela distância era impossível errar o alvo. A humana parou o que fazia ao perceber o movimento e deu um passo em falso, nem seria preciso gastar a arma. Ela havia cavado a própria cova.

Deixou os dedos deslizarem de leve pelas costas ensangüentadas de Seraphina, olhou para o ferimento. Quatro furos profundos, o impacto parecia ter quebrado duas costelas. Um corpo frágil demais parti-lo ao meio na força bruta não seria nenhum desafio.

Apertou-a e um filete de sangue escorreu daqueles lábios carnudos, mas ela parecia não se importar, pois os olhos permaneceram vidrados na humana já a meio metro de se espatifar contra o escudo contra as pedras. Desfez a espada e sorriu. Era um espetáculo divertido.

Não poderia deixar a garota morrer, não... Seria muita covardia de sua parte. Moveu a mão para o lado, um feixe de luz adentrou as trincas e das paredes diversos ramos esbranquiçados apareceram, indo de uma pedra a outra formaram uma rede prateada.

— Mas que fofo, prefere salvar os outros, princesa — Górgeos sussurrou em seu ouvido, apertando-a ainda mais.

Fechou os olhos, quase desmaiando por causa da dor, o gosto azedo do sangue fazia-se predominante na boca. Deixou a cabeça pender para trás, exausta. Seria aquele seu destino? Morrer nas mãos do inimigo e quebrar o juramento de que protegeria a todos?

Ainda tinha um longo caminho a trilhar, a deusa Ninlun, sua mãe, agora que estava prestes a morrer tinha coragem de chamá-la de mãe, algo proibido aos semideuses, teria pena dela.

Mas sofreria muito, como toda mãe.

No que estou pensando? Eu, filha da luz não morrerei assim, o sol pode ter nascido no horizonte, mas ainda posso lutar.

Apegando-se a este pensamento desesperado invocou uma pequena esfera luminosa, envolveu-a na mão e quebrou-a deixando os farelos caírem sobre o escudo que cedeu.

Ele não largou-a, muito menos afrouxou os braços. Afundaram na água por pouco tempo, pois ele agora era capaz de se levantar novamente.

Abriu os olhos uma última vez e recostou a cabeça em seu ombro, uma vez que morrendo, todo o corpo penderia para trás. Ele estava demorando a acabar com tudo apenas para se divertir.

Suspirou fundo e voltou os olhos para o lado e ficou surpresa ao ver uma pequena marca bem abaixo do queixo. O que era aquilo? Não estava em condições de ficar analisando algo enquanto seus ossos eram quebrados, mas conhecia aquilo. A estrela de oito pontas, o símbolo da deusa da discórdia, Lyra.

Górgeos estava amaldiçoado?

Como aquela deusa ordinária foi capaz de enganar um deus tão poderoso?

Trincou os dentes de raiva, ia acabar com aquela divindade maligna. Uma reação bem positiva para quem está prestes a morrer. Com a raiva, sentiu uma energia nova percorrer seu corpo, seria a magia que havia carregado? Não importava, porque agora tinha mais uma razão de lutar, o libertaria da maldição.

Sabendo de sua condição, já não o temia mais. Deixou toda a energia irradiar pelo seu corpo, uma energia branca pura como as estrelas, algo capaz de cegar quem estivesse muito próximo.

Górgeos, surpreso com o contra-ataque súbito, soltou-a. Sabia o efeito daquela energia e por isso tampou os olhos e tentou se afastar rápido, mas nem tal ato o protegeu. As córneas queimaram e ele gritou de dor.

Os ferimentos começaram a se curar rapidamente, ainda sentia muita dor, porém estava livre e capaz de recitar a última parte do feitiço.

— Queime.

E toda água tornou-se branca com a luz emitida pelo sabre enfiado entre as pedras. Ainda atordoado pela luz, Górgeos abriu os olhos, não ficara cego, mas também não conseguia distinguir o que estava a sua frente muito bem.

— O único jeito de quebrar uma maldição de Lyra é matando-o, de todo jeito, eu não teria escolha mesmo.

— Realmente... — ele falou entre risos, era incapaz de se mover — Você me surpreendeu.

Não riu como ele, não estava para brincadeiras. Cumpriria seu dever como filha da luz. Moveu os braços como se em seus braços empunhasse um arco e uma fina flecha prateada surgiu por entre eles.

Deslizou a ponta dos dedos por toda a extensão da flecha e ela disparou, acertando o peito do alvo e desfazendo-se em pó.

Górgeos tremeu, toda a magia se desfizera, menos a rede feita de ramos. Aquele fora o último golpe investido contra ele. Já não tinha forças para lutar, agora era só esperar pela morte.

Um filete rubro escorreu pelo buraco feito pela flecha, comprimiu os lábios e apoiou-se em uma pedra ao lado da queda d’água. Era plana, se ainda tivesse forças, teria conseguido subir nela.

Estava exausta. Já não era capaz de conjurar mais nada, olhou para Górgeos e caminhou hesitante em sua direção, apoiando-se vez ou outra na parede de pedras.

— Não preciso de um golpe de misericórdia — ele murmurou, a mão encobrindo o ferimento.

— Não tenho força para isso.

— Então o que faz aqui?

— Vim me despedir — respondeu envergonhada, soava ridícula em meio às circunstâncias.

Ele sorriu, a cada minuto sua força se esvaía mais rápido, mas era possível ver que seus olhos já mostravam, um pouco da vivacidade que um dia teve. Era seu antigo amigo uma última vez.

— Não... tenha pena de mim.

Ele semicerrou os olhos, a respiração entrecortada.

Agora que acabara com o mal, ela queria seu amigo novamente. Um pedido imbecil e egoísta em meio ao tanto de atrocidades que ele cometera, mas doía perdê-lo.

Aproximou-se e envolveu-o em um abraço tenro, escondeu o rosto em seu ombro e mordeu os lábios para conter as lágrimas.

— Hey... Está... Fazendo papel... Ridículo.

— Sempre quis ter sua amizade de volta, não entendia o que havia acontecido com você. Era tão bom com as pessoas...

Ele permaneceu em silêncio e ela criou coragem para encará-lo uma última vez.

— Obrigada por ter me feito perder o medo — sussurrou com os olhos marejados, nem se dava conta de que Bianca assistia toda a cena da rede.

— Princesa... — murmurou com um meio sorriso.

Não o amava, nunca o amou e agora entendia, porque era chamada de princesa. Ele sempre a amara. Ele sempre se expressando com palavras tão simples, gestos tão pequenos como um sorriso amigável, as visitas diárias e mesmo assim ela não percebeu.

Aproximou seu rosto do dele aos poucos, agia de forma estúpida. Tão estúpida que depois se envergonharia, mas não inconformada em deixá-lo morrer daquele jeito. Afinal, agora ele já não era mais um inimigo.

Beijou-o, mesmo sem amá-lo, não tardou para que ele desse seu último suspiro.

Górgeos jazia morto em seus braços.

— Eu tinha razão em shippar os dois.

Havia se esquecido de Bianca!

Sentiu todo o rosto enrubescer com força, estava triste, mas a vergonha predominava.

Um portal abriu-se quando estava prestes a responder e os dois foram sugados. Se tivesse permanecido, dias depois saberia que recebera o apelido de anjo de asas vermelhas por conta da capa ensangüentada. Apelido feito especialmente por Bianca que foi resgatada pouco depois do ocorrido.

***

Olhou ao redor, estava na porta do seu templo. Suspirou aliviada, pelo menos ninguém ficaria sabendo que beijara o seu adversário. Um deus caído que ainda por cima era hermafrodita.

Realmente, ninguém precisava ficar sabendo.

— Princesa...

Arregalou os olhos e virou-se para trás devagar. O que diabos ela havia feito? Ele havia morrido em seus braços! Caso contrário não estaria em casa agora.

— O... O que? — balbuciou atônita.

Ele estava agora com sua aparência original. Já não era mais o monstro de antes, seja lá o que fizera, Havia sido algo desastroso e traria graves conseqüências, disso ela tinha certeza.

Não importa o que havia feito, Górgeos estava vivo e era um deus novamente.

A morte fora enganada.

Das doze batalhas, uma regra foi quebrada.


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Notas finais do capítulo

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