Clã Valltines – “Os adotados pelo Mar”

E voltamos à escuridão.

Será possível que estes herdeiros passem o tempo todo a dormir?! E a acção? O drama? O mistério? A diversão...? Digo, se todos eles fossem ignorantes, no bom sentido da palavra (embora não saiba se isso é realmente possível), em relação aos seus poderes e cargos... Mas não! Grande maioria dos “grandiosos salvadores do mundo” sabem bem os seus deveres e mesmo assim... comportam-se como meros adolescentes.

Pergunto-me onde é que esta história irá parar com o andar dos acontecimentos. Com tanta monotonia só falta os meus ouvintes começarem a esquecer-se de mim!

Mas espera! Algo se mexeu de forma suspeita agora mesmo... Será melhor analisar a situação.

Escuridão. Ah! Escuridão e frio também. Mas isso não consigo entender... Não era para estarmos no Hawaii neste momento? Como assim, o Hawaii é frio no verão?

Um novo movimento. Desta vez mais próximo e rápido, como algo a voar ou a planar, talvez. Mas parece algo demasiado estranho para se ter num quarto, principalmente porque não consigo entender que objeto seria. Algo achatado, com uma cauda também, e que se move na horizontal. Estranho, não?

Oh! Mas a atenção está a ser chamada para outro ponto!

O mar límpido, o céu azul e a areia branca ao longe colorida por altas palmeiras de cabeleiras verdejantes, mas aqui, neste momento, o foco é a “pequena sereia” que acaba de aparecer. A respiração pesada e o corpo encharcado de quem acaba da emergir demonstram que a jovem permanecera submersa por algum tempo.

– Bolas! Isto não foi o suficiente – resmunga para si mesma, erguendo uma mão para passar a franja de fios azuis ligeiramente grandes para trás.

E sim, cabelos azuis. Azuis e incrivelmente compridos e naturais, também daí veio a minha comparação a uma sereia.

Talvez estes cabelos sejam os mais invulgares pertencentes a um salvador até agora.

Rosaliya Valltines, um Anjo Pisces demasiado celestial para se encaixar corretamente no ambiente. Para além dos longos cabelos azuis, e de claro, os olhos no mesmo tom de “céu claro com nuvem fofas”, Rosaliya possui também uma invulgar pele clara. Com isto não digo que a salvadora de Pisces possui a pele mais clara que “nuvens fofas”, não. Pelo contrário! A herdeira da família Valltines até está completamente encaixada no seu circulo familiar por que as suas capacidades de cura, de alguma forma, funcionam nela própria impedindo não só as queimaduras solares como que qualquer centímetro de pele clara tome um tom mais “corado”.

Depois de alguns minutos a boiar, não por estar zangada com algo mas por ser demasiado teimosa para admitir que o seu plano realmente possui falhas, Rosa é surpreendida por um empurrão nas costas esguias que a faz submergir com o susto.

– Dolly! – chama, mais como um sermão, ao voltar a recolher a franja para depois avistar o golfinho que chiava como se realmente risse às gargalhadas. – Isso não se faz, minha menina! – avisa a jovem com um sorriso torto no rosto, numa tentativa de parecer zangada.

Mais ou menos como resposta à reprimenda, Dolly, o golfinho, mergulha de costas nas águas límpidas fazendo questão de lançar água com a cauda reluzente assim que esta sobe até à superfície para depois voltar a desaparecer. Liya resmunga algo imperceptível ao ter a franja azul novamente a cobrir-lhe os olhos claros e rapidamente trata de nadar até ao mamífero brincalhão que começara a “rir” novamente.

– Vou afogar-te, seu peixe demoníaco! – grita, num tom claro de falsa fúria, enquanto salta em cima de Dolly.

Com este movimento o animal parece lembrar-se de algo e, com um grande salto que assusta um pouco a jovem de cabelos azulados, mergulha rapidamente sem sequer dar tempo à humana abraçada ao seu dorso para poder inspirar um pouco de ar antes de entrar na água. Num primeiro segundo Rosaliya parece esquecer-se de como respirar, com a aflição habitual de quem é, de repente, imerso num ambiente sem oxigénio.

No momento em que os seus pulmões se esvaziam por completo a jovem salvadora fica um pouco atordoada, como se prestes a desmaiar. De algum modo Dolly parece perceber a aflição do ser às suas costas que afrouxa o aperto dos braços aos poucos e com isto sobe até à superfície com um salto, o suficiente para que Rosaliya consiga tossir toda a água intrusa que lhe entrara no corpo.

Quando as duas voltam para a água, quase tão repentinamente como da última vez, por alguma razão, Rosa já não parecia na incomodada com o ambiente que as envolve.

– Para que foi aquilo, Dolly?! – reclama a jovem, de alguma forma conseguindo conversar normalmente debaixo de água.

Em resposta o golfinho solta um chiado parecido com um sermão. “És tão teimosa”, seria uma das opções de tradução daquela expressão carrancuda do golfinho.

– Sabes que o meu poder não implicar falar “golfinhês” mas tenho quase a certeza do que estás para aí a resmungar! – exclama divertida, apertando o abraço ao redor de Dolly que não consegue evitar um solavanco de susto em meio ao percurso nadado – E não, não foi teimosia, minha menina. Gosto de bater os meus próprios recordes e se eu utilizar o meu poder não seria justo! – explica com um beicinho de lado, pensativa. – Já agora, onde vamos?

Sem “responder”, Dolly começa a nadar o mais depressa que consegue, quase como um míssil aquático (e muito mais belo e querido, não?) chegando a uma zona em que a sua direção desce. Literalmente.

– Para aí não! Se fores demasiado fundo-...

Rosaliya tenta soltar-se mas o golfinho apercebe-se de tal e começa a nadar em zigue-zagues para avisar a humana que não deveria soltá-la.

Assim, as duas alcançam uma zona onde a água é mais gélida que a água morna da superfície. Na zona não se consegue ver muita coisa, não só pelo leve enevoado que a água provoca na visão de Liya mas também porque a luz começa a dispersar-se àquela profundidade. Ainda assim dá para se destinguir alguns corais escurecidos pela diferença de luz, um ou outro cardume de peixinhos coloridos e irrequietos que percorrem o seu caminho num percurso indefinido mas, curiosamente, em grupo. Distingue-se também uma figura achatada e com uma cauda que nada em circulos mais à frente.

Uma manta.

Claro! Como é que não percebi logo?! Então este capitulo começou neste lugar? Hum... sendo assim continuemos!

– O que é que o Kai tem? – pergunta Rosaliya ao ver que o animal de forma achatada parecia irrequieto com algo.

Ao aproximar-se (depois de levar mais um empurrão nas costas por Dolly), Liya consegue perceber que por de baixo da manta nervosa estava algo como um pequeno vale, não muito profundo, com poucos metros na realidade, e neste estava nada mais nada menos... do que uma baleia. Agora vem a reação normal para qualquer um:

– Uma baleia?! Mas o q-...

Rosa não consegue terminar a sua linha de pensamentos por vontade própria. Na verdade a azulada nem sabia ao certo que reação ter.

Não é, de todo, incomum encontrar baleias naquela zona mas encontrar uma baleia tão estranhamente quieta já era outra conversa. Todos os animais por aquelas água são agitados! Carangueijos, golfinhos, peixinhos coloridos, baleias e focas... e, claro, humuhumunukunukuappua’as!

(Notinha da Narradora: MUAHAHAH Nem pensem que vos ensino a ler isto!)(N/A: Oh... ok! Explicações lá em baixo para quem quiser! ^^) (N/N: Ei!)

Rosaliya percebe então que algo estava errado. Ainda mais errado o facto de que o efeito do seu poder podia começar a desvanecer a qualquer segundo devido ao tempo que já passou submersa, mas isso não lhe importa muito.

A herdeira de Pisces é talvez a mais amável pessoa no mundo! Possivelmente, alguém que deveria ser canonizado por possuir tanta dedicação aos outros apenas num pequeno coração. Mas, exageros à parte, Rosaliya Valltines é, sem dúvida alguma, alguém que chega a ser impulsiva de tão carinhosa e preocupada com os outros como ela é.

E acho que isso se apresenta bem claro neste momento.

– Calma, amiguinha. Vou ajudar-te – murmura a jovem num tom calmo acariciando o dorso da baleia não-tão-grande com cuidado.

Num primeira inspecção parecia tudo bem. Não existe nada a impedir o grande animal de se locomover: nem um peso, como um rochedo, nem uma ferida perigosa. Menos mau; esses seriam os piores casos. Por outro lado o grande mamífero, tal como todos os outros, precisa de ar e de subir até à superfície com alguma regularidade. Isso sim, é um grande problema! Pelo tempo que Dolly demorou a trazê-la, a baleia já devia estar ali à um pouco; algo definitivamente preocupante.

Quando Rosaliya se aproxima da fronte do grande animal este entreabre a boca como se indicasse a fonte do problema com alguma urgência. Relutante, Rosa decide entrar.

Ao poucos a jovem começa a perceber que o efeito do seu poder já estava realmente a desaparecer e a sua expressão torna-se ainda mais preocupada. Na sua mente só pensava no tempo que tinha para ajudar a baleia até desmaiar...

No entanto conseguiu perceber rapidamente que algo obstruía as fossas nasais do animal. Lixo marinho, um grande problema para muitos. Com uma rapidez quase desesperada a jovem consegue arrancar o que-quer-que-fosse que impedia a baleia de respirar. No segundo seguinte desmaia exausta.

Não demora muito a acordar novamente e nesse momento sente-se a ser empurrada com força por um grande jato de água.

– Que manhã complicada... – murmura com um sorriso antes de fechar os olhos para aproveitar melhor o passeio de baleia.