Clã Kinuyt – “Os perdidos pelo Destino”

Parece que afinal não sou tão boa narradora como gostaria de ser... Lamento imenso e peço muitas desculpas a todo e qualquer curioso mas o fuso horário é algo tortuoso para qualquer ser humano. Isso não podem desmentir!

Mas para esclarecer a situação que tal começar de vez com esta nova... “manhã”? Sim, pois. “Manhã” esta que já carrega o céu alaranjado de final de tarde, mas ainda assim não posso fazer nada.

Vamos então prosseguir!

Desta vez seguimos até mais um clã sem dono...

Kinuyt Grim, uma figura misteriosa e quieta, com os seus longos cabelos negros como a noite mas raiados de vermelho sangue. Vermelho este igualmente presente na coloração flamejante do seu olhar que contrasta com a beleza infantil e madura. Sim, eu sei... maior contraste não poderia existir em um só ser mas o seu passado e o seu destino estarão para sempre determinados a moldar esta figura jovem. “Anjo” por destino, guerreira por opção e algo a mais que ainda ninguém conseguiu descobrir.

Mas o que um ser tão nobre estaria a fazer a estas horas...? Precisamente! ... A voltar das compras. Ironicamente, uma das poucas coisas da qual ela não conseguia gostar.

Ahá! Mas não umas compras quaisquer! Compras de supermercado. Muito digno, não acham?

Deixando agora de lado os meus devaneios de “profissão”...

– Volte sempre! – exclama a sorridente senhora a quem a jovem acabara de pagar as compras.

Mais nada. Tão simples e sem emoção, com uma superioridade que se pode ver a milhas. Grim é, definitivamente, alguém sem expressão. Onde já se viu?! Sair assim?! Os claros cabelos grisalhos, a pele enrugada e a figura curva da senhora sorridente e amistosa merecia, no mínimo, um “obrigado”, um “adeus” ou, meeeesmo nos mínimos... um sorriso. Mas Grim sempre fora assim, emoção zero.

Acho antes que a moldaram assim, talvez. Sim... apenas talvez... Apenas um “talvez” bastante incerto já que a jovem sempre garante estar a sofrer as próprias consequências, mesmo que por dentro e bem lá no fundo esteja, de algum modo, a sofrer profundamente.

Então acho que, de certa forma, seja isto que a torna interessante, não? Quem conseguiria destravar algum tipo de sentimentos sem ser indiferença e calma desta jovem complexa? Que “tipo” de pessoa?

Mais uma vez voltamos à morena de pele clara que percorre as ruas coloridas pelo laranja celestial de fim de tarde. Um passo, dois passos, três passos... e os braços carregados de sacolas brancas e pesadas, tão pesadas a ponto de deixar leves marcas na pele leitosa assim que Grim pousa os sacos no chão por uns segundos para descansar um pouco. No entanto, quase que automaticamente, ela volta ao seu percurso.

Grim-... Ah... bem. Não me lembro de alguma vez ter acontecido tal situação mas fui avisada para me emendar. Algo estranho não? Mas compreensível. A nova salvadora de Sagitarius possui raízes chinesas e japonesas, embora ela tenha uma clara preferencia pela segunda “metade de si” e como tal impõe o mínimo de respeito para com a sua cultura. Assim sendo, Grim será algo bem distante do meu curto alcance. Kinuyt então.

Continuando... Kinuyt (tive uma estranha e assustadora impressão de a ver sorrir com isto) nunca foi e, segundo ela própria, nunca será alguém de muitas palavras e ações o que dificulta o meu trabalho... Como contar cada detalhe de uma pessoa sem qualquer tipo de sentimentos? Sinto-me quase como uma traidora que fala mais dela própria do que da personagem mas Kinuyt ainda assim permanece no seu passo constante. Desvia o olhar por uns segundos ao avistar um gato deitado preguiçosamente em cima de uma árvore alta pela qual ela passa com o pensamento de que mais tarde o bichano teria problemas para descer sem ser em... “queda livre”. Também não reage quando passa por um casal jovem que parecia querer engolir-se um ao outro ou quando atravessa uma passadeira calmamente enquanto um condutor lá atrás gritava, tentando defender-se dos insultos dos restantes que se irritaram com o buzinar constante.

Não há realmente nada que desperte alguma reação nela...?

Por caminhar num ritmo constante e sem paragens, Kinuyt consegue chegar a casa sem nenhum incidente ou atraso. O seu “lar doce lar”, ao contrário de toda a grandeza e perfeccionismo do seu clã, é apenas um apartamento de entre tantos outros no prédio onde mora, mesmo que, com todo o empenho que possuía assim que deixou o clã “pela 2ª vez”, tenha conseguido o suficiente para ficar com o apartamento que cobre todo o último andar. Mas claro que “os velhos”, como Kinuyt intitulou os anciães do seu clã em pensamento, não precisariam de saber do “pequeno empréstimo” afinal... no fim seria obrigada a voltar então utilizaria o que é seu por direito da melhor maneira possível e enquanto ainda podia.

Assim que as portas metálicas do elevador se abrem no andar desejado Kinuyt sai do pequeno compartimento a apressa-se ligeiramente a chegar a porta de casa para poder voltar a pousar as compras.

– Isto é realmente pesado... – murmura franzindo as sobrancelhas levemente enquanto massaja os braços claros marcados pelas sacolas.

Assim que encontra a sua chave, claramente fácil de se encontrar devido ao tamanho não muito grande da sua mala a tira-colo e do tamanho exagerado do panda preso à chave que segura um coração com a frase “Best Sister”, uma óbvia demonstração de que não fora ela a comprar o acessório, Kinuyt entra juntamente com as compras que pousa novamente para poder trancar a porta atrás de si.

– Estou em casa! – exclama, sem nenhum tom especial, voltando a pegar nas compras.

Ao alcançar a cozinha a jovem perde a postura indiferente de antes ao ver uma criança na mesa com uma grande faca na mão, prestes a tentar cortar um legume não identificado. Mas calma...! O legume não foi identificado pela aparência grotesca mas sim pela falta de atenção da nipónica que no segundo seguinte já estava do outro lado da cozinha com uma clara expressão de susto e a dita faca na mão que logo é pousada na bancada.

– Grim-nee-san! – exclama o pequeno de cabelos negros mas sem os mesmos raios vermelhos, abrindo os braços no ar de felicidade por voltar a ver a irmã.

– Quantas vezes é que eu já te disse que não podes mexer nestas coisas ainda?! – pergunta a mais velha exaltada.

Nesse momento a criança parece aperceber-se finalmente que estava a fazer algo perigoso então a sua expressão de felicidade passa a preocupação e embaraço.

– Desculpa, nee-san... Eu só queria preparar algo para o jantar já que tinhas dito que hoje chegavas mais tarde... – murmura o menino com a mesma expressão “derretedora de corações” que qualquer criança de 7 anos possui.

Kinuyt suspira cansada ao perceber que estivera a prender o ar nos seus pulmões desde o momento em que vira o objeto afiado e reluzente nas mãos do irmão mais novo.

– Não faças essa cara, Mamoru... – pede aproximando-se do menino para depois lhe afagar os cabelos negros – É só que... tenho medo que algo te aconteça...

Ora que grande reviravolta, não? Finalmente palavras e atos que merecem atenção! Afinal... isso é algo raro vindo da morena.

E analisando a situação percebe-se que esta cena não será tão invulgar como parece... Mamoru... Este nome significa proteção, não vinda dele... mas PARA ele. Então parece que o pequeno rapazinho seria a “personagem chave” para destravar algo a mais na quieta Kinuyt. Proteção, como a mãe que nenhum dos dois chegou a ter oportunidades de conhecer, é assim que ele a vê. Poderia ser quase considerado um costume básico de um qualquer conto trágico mas, se dependesse da mais velha, Mamoru teria uma vida brilhante e feliz, sem precisar de se preocupar com problemas... ou com ela mesma. Kinuyt apenas não quer que o irmão (na verdade meio irmão mas isso são pormenores) sofra de qualquer forma.

Pensando bem... a relação entre estes dois chega a ser única de tão sem expressão que a mais velha é.

– Já fizeste tudo para a escola? – pergunta a mais velha afastando-se um pouco para atirar a faca na direção da gaveta aberta, como se tal pontaria fosse algo insignificante.

– Hai! – concorda o pequeno animado.

Ela volta a aproximar-se para o segurar debaixo dos braços e retirá-lo da cadeira sem muita dificuldade.

– Então podes ir ver TV enquanto eu preparo isto aqui – comenta voltando a dirigir-se à bancada da cozinha para arrumar a pequena confusão tão depressa como sei-lá-o-quê; depois volta a comentar, ainda de costas – Eu já vou ter contigo para te ajudar com as contas!

O pequeno permanece uns segundos em silêncio, ainda à porta da cozinha, com o avental recém-tirado nas mãos e uma expressão maravilhada e surpresa.

– Como é que adivinhaste, nee-san?! – pergunta a criança dando saltinhos de felicidade.

– Instinto de irmã... – comenta simplesmente.

– Uau... – sussurra maravilhado – E isso existe mesmo?

Ela vira-se para caminhar até ao frigorifico mas pára com essa pergunta e uma mão a agarrar a porta fria.

– Claro que sim! – pisca o olho discretamente - Como é que achas que eu apareceria sempre quando precisas de ser salvo?

Kinuyt Grim... só podes ser bipolar...!