Till There Was You escrita por envy


Capítulo 1
Capítulo Único




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A neve estava ficando cansada de cair pelas ruas de Montreal. Mas logo ela descansaria, e a chuva tomaria seu lugar. Ruas alagadas e não belamente enfeitadas com a cor branca e o tato macio, mas sim águas sujas e frias, não frias como a neve, e sim como corações que perderam algum amor.


Sentei-me em um banco perto da calçada, afundando meu pé nos vestígios de neve que ainda estavam no chão e que lentamente iam sumindo, o céu se escurecendo e as nuvens se juntando, fazendo com que eu não pudesse mais inventar desenhos com elas, porque todas formavam uma grande bola cinzenta, pronta para explodir e despejar sobre nós.

- Oh chuva, querida chuva, derreta minha neve e esconda meus sonhos... - Eu sussurrei para mim mesmo, dando um leve sorriso torto e depois um fraco tapa na minha perna, como se eu quisesse me parabenizar por estar sozinho no meu próprio aniversário, tão sozinho e sem nuvens, sem neve e sem... Ninguém. Pelo menos até agora.

Quando leves pingos de chuvas começaram a despejar daquela imensa nuvem, eu vi pessoas abrindo guarda-chuvas e correndo para ônibus, carros ou lugares em que pudessem se proteger dos pingos finos que começavam a cair, como se eles fossem corroer imediatamente a pele delas. Tolas, todas tolas. Mesmo que a chuva estrague os desenhos do céu e sua felicidade, ela dá a sensação de vivacidade, e quem nunca sentiu a chuva em sua pele por pelo menos alguns minutos não pode dizer que já viveu.

Vi um pequeno garoto aparentando ter a mesma idade que eu, talvez alguns anos mais novo, do outro lado da calçada. Ele correu até o meio, abrindo os braços e pulando em pequenas poças que ali estavam se formando, levando com a sola de seus pés os últimos vestígios da neve, que agora faziam parte de um passado não tão distante.

Ele esperou o sinal fechar e atravessou a rua, até chegar ao banco onde eu estava sentado, com os olhos levemente escondidos por fios escuros que caíam desajeitadamente em uma face cor de leite aguado, ele rapidamente sentou-se no mesmo banco onde eu, Pierre Bouvier estava sentado, virando o rosto para que meus olhos se encontrassem com os seus, eles estavam sorrindo e brilhavam naturalmente.


- Chuva... Chuva! – Ele disse roucamente mais um pouco alto, balançando infantilmente os pés e tirando os fios que teimavam cair sobre seus olhos, olhos verdes que me lembravam vagamente uma pessoa. Sorri meio desentendido, porque realmente não compreendi o porquê dele ter sentado bem ao meu lado, talvez fosse alguma pegadinha ou algo do tipo...

- Você gosta de chuva ou de neve, hein? – Ele perguntou limpando a garganta de um possível catarro ou tosse, abriu os olhos esperançosos e piscou várias vezes seus cílios, cerrando seus dentes em um piercing que se encontrava no meio de lábios rosados e delicados, dando um contraste adorável.

- Hm... Acho que gosto dos dois. A neve e a chuva me proporcionam diferentes sentimentos, mas os dois são agradáveis, e hoje eu tive os dois não é? – Sorri desajeitado, meio inseguro com o que eu falava, pelo menos não estava gaguejando, e nem poderia. Pierre Bouvier não gagueja.

- É o que eu acho também sabe? – Ele levantou os braços e sem querer roçou os dedos no meu rosto, ele riu do que tinha feito e apertou minhas bochechas de leve – Você tem bochechas fofas, sabia disso? Eu não tenho bochechas como as tuas – Ele contorceu o lábio e fez um bico, soltando sua mão do meu rosto e depositando nas suas pernas finas que estavam contornadas por calças escuras apertadas, dando destaque a certos volumes.

Balancei minha cabeça ao ter alguns pensamentos e voltei a olhar pra ele, que agora começava a rir, colorindo suas bochechas em tons rosados.

- Do que você está rindo? – perguntei indignado com a mudança de humor dele repentina.

- Eu preciso de motivos pra rir? – Ele esfregou os olhos enxugando possíveis lágrimas e coçou a cabeça.

- Er, acho que quando alguém ri, essa pessoa está rindo de algo ou alguém, não é?

- Sim. Mas eu só ri porque precisava rir – ele sacudiu os ombros e se levantou do banco – me acompanha?

- Ah tá. Sim, mas até aonde?

Ele me respondeu puxando meus braços e tirando-me do banco para ir de encontro a ele, ficando alguns segundos colado ao seu corpo, protegido totalmente por casacos e mais casacos; saí do meu transe quando ele se afastou e começou a andar, abafando risos. Acompanhei-o, sorrindo e tentando disfarçar a minha confusão. Acho que as melhores coisas sempre te pegam de surpresa.

Andamos por uma meia hora, chegando a um pequeno parque de diversões que estava abandonado há um longo tempo aqui na cidade. Eu lembrei de que eu passava muito tempo quando criança nele, vivia na roda gigante, mas não gostava de lembrar de lá. Tinham más memórias por todos os cantos, me lembrava muito de um amigo que eu fiz lá mesmo, com uns cinco, seis anos de idade.

Ele suspirou, entrelaçou um dedo no meu, e olhou-me nos olhos, esperando algo e se colocando na ponta dos dedos para tentar ficar na minha altura.

Agora, era como se tudo tivesse voltado. Minhas lembranças que estavam tão distantes e cada dia menos visíveis pela minha mente, voltavam ao seu tom colorido e abandonavam o preto e branco.

Flash Back

Eu estava muito ansioso por voltar ao parque de diversões naquele dia. Mês passado, havia conhecido um garoto muito legal, que aos poucos, foi se tornando meu amigo. Ele se chamava David, era ainda mais baixinho que eu, tinha olhos verdes expressivos e cabelos totalmente negros. Conseguia ter a pele mais branca e macia.

Tínhamos o costume de sempre nos abraçar, ele apertava a minha bochecha e eu apertava a barriga dele. A gente nunca fazia em público pois Dave disse que a maioria das pessoas não gostavam disso, mas que se nós nos sentimos bem fazendo, nada mais importava.

Vivíamos na roda gigante, conversando sobre os desenhos animados que vimos de manhã, e depois passávamos a maior parte do tempo bem juntos. Era algo que, se eu pudesse, faria todo dia. Mas ele era distante em certos pontos, nunca via ele junto com a mãe, só com a tia dele. E quando o parque fechava, poucos minutos antes, ele se despedia sugando meus lábios e sorrindo, dizendo que sentiria a minha falta, fazendo minhas grandes bochechas se tornarem semelhantes a tomates.

Hoje era o dia que eu voltaria para lá, após longos cinco dias no colégio e ouvindo minha mãe reclamar porque queria cortar meu cabelo. Eu prometi para mim mesmo que quando crescesse o deixaria bem comprido, do jeitinho que eu gosto, exatamente como os de David.

Minha mãe me levou até o parque e me deixou na roda gigante como sempre. Fiquei sentado lá, esperando David chegar, até que eu vi aquele garoto de pele branca e macia se aproximar, olhando para os pés e se sentando ao meu lado, ainda de cabeça baixa eu pude ver pequenas lágrimas em seu rosto, que desciam dos olhos e seguiam seu caminho para os lábios, como rios que agora jogavam sua água para fora dos olhos, expulsando tudo de mal que anteriormente havia dentro do mesmo.

- Dave, o que aconteceu com você? – coloquei minhas mãos em seu colo e preparei meus dedos para as possíveis cócegas que eu pensava fazer se ele não me respondesse ou simplesmente continuasse chorando.

- Eu... E... Eu – ele suspirou, levantou os olhos e me olhou. Enxuguei suas lágrimas passando meus dedos sobre sua bochecha, o fazendo sorrir fraco – Eu te amo. – Ele levantou e me puxou ao encontro dele, me abraçando fortemente e depois de algum tempo, ele me soltou e entrelaçou seu mindinho no meu, pondo-se nas pontas dos pés e beijando a minha testa. Depois disso, fiquei paralisado, e a única coisa que consegui ver foi David correndo, correndo e correndo, logo eu senti minhas lágrimas; Lágrimas grossas e salgadas que se soltavam dos meus olhos tentando limpar meu corpo da imediata saudade e vazio que agora ocupava meu corpo.

Fim do Flash back.

- Eu voltei a esse parque todos os dias, por um bom tempo, mas depois de tanto tempo, eu desisti. Você foi embora. Não partiu meu coração, mas roubou a razão para que ele continuasse batendo, tornando-o inútil. Por que David? Por quê?

Ele não respondia, só apertava meu mindinho forte, então como naquele dia, ele me abraçou, me apertando e tirando lágrimas amargas de nós dois. Senti as suas descendo e indo de encontro ao meu pescoço, ele soluçou e começou a cantar baixo uma canção no meu ouvido:

“And I didn't mean to meet you then
we were just kids
And I didn't mean to give you chills
the way that I kiss
And I didn't mean to fall in love, but I did”

- Não fale nada Pierre. Eu sumi porque naquele dia eu contei tudo que fazíamos para a minha tia, e o que eu sentia por você. Ela me deu um tapa no rosto e disse que iria me colocar em um colégio interno na Inglaterra. Eu pedi para me despedir, e com muito esforço da minha parte, e desgosto da parte dela, eu pude. Não tinha ideia de que eu sentiria ainda tudo isso por você – ele me apertou ainda mais e eu abracei sua cintura, imaginando como ele havia me reconhecido – Eu voltei pra cá, mas vi que o parque havia sido abandonado. Acredite, eu chorei por ter todas as minhas lembranças tão vivas quando chegava perto daqui. Lembra... Lembra que ficávamos horas na roda gigante, sempre enganando o homem que cuidava da fila? Era tão bom... Mas você deve querer saber como te reconheci, certo? – Só consegui pronunciar um “aham”, porque minha mente ainda estava processando tudo, e meu corpo junto ao dele não deixava minha cabeça muito coerente.

- Eu vi você no banco, e imediatamente reconheci aquele garotinho de seis anos de idade com suas grandes bochechas rosadas, seu cabelo aparado e seus olhos gentis, como esquecer Pierre?

- Eu pensei que você tinha esquecido da nossa amizade, pensei que tivesse esquecido da nossa ligação proibida. Mas você sempre permaneceu nos meus sentimentos, por mais que meu coração não tivesse alguém para bater, ele tinha memórias para continuar vivo... – Ele se separou alguns segundos de mim, mas rapidamente voltou a me abraçar, como se não importasse quanto tempo ficássemos perto um do outro, nada mataria aquela saudade e vontade. – Mas agora David, agora você vai embora? Vai me deixar aqui, vivendo de lembranças?

- Pierre, Pierre, Pierre – Ele se afastou só o suficiente para acariciar a minha franja, tocando com cuidado meu rosto até chegar ao meu nariz, apertando-o de leve – Se dependesse de mim, eu faria memórias com você para o resto dos meus dias. Como eu disse na última vez que nos vimos, eu te amo.

- Eu também te amo David, eu também te amo. – Sorri para ele e me aproximei, esperando que ele fizesse o que eu tanto queria. Então ele juntou seus lábios nos meus, os sugou lentamente e nos separou, voltando a entrelaçar nossos mindinhos.

- E agora, em vez de uma despedida Pierre, eu estou dando olá. Olá para a nossa continuação juntos, porque o que antes fizemos, agora nós prometeremos continuar exercendo até o último suspiro.

Lágrimas caíram pelo meu rosto e assim foi com ele, que logo secou o seu próprio e o meu.

- Porque David, você faz meu coração ter motivos para bater.

- E você Pierre, me dá motivos para querer que isso seja eterno.

- E será, não será?

- Para sempre, porque eu te amo – E então, entrelaçou o resto dos nossos dedos e sorriu.
Porque quando algo vale a pena, não importa a distância e nem o tempo que temos que esperar, o importante é que no final, tudo irá recompensar. Porque eu o amo, now and always.


FIM


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam?
Podem me apedrejar, eu deixo.
Obrigada, de qualquer forma pra quem ler.
E mandem reviews, por favor. ç-ç