Na nossa ilha começou a chover, o tempo muda de repente. Isso é comum em Berk. A chuva parecia sentir-se como Soluço, imitando seu choro tímido, ela caia leve, quase como uma nevasca romântica das últimas luas do ano.

Estávamos reunidos no Grande Salão, julgando nosso empenho no começo do dia, não dava muita atenção.

Passou-se um dia desde aquela cena que nunca na minha vida esquecerei: Soluço falando com o dragão de ônix. Aquilo ainda me perturbava muito. Questionava sempre como ele conseguiu, pensava em respontas plausíveis, mas não tinha nada que explicasse. Por coincidência, Soluço entrou pelo portão. Quando ele entrou Cabeça-Dura pareceu ter medo e tentou disfarçar.

Olhei para ele e ri discreta:

– Que foi?

– Nada! Nada, não... - Ele respondeu saindo da mesa.

– Ele tá com medo do "Galho-Seco", ali. - Cabeça-Quente "sussurrou" para todos nós quase gritando.

– Do meu primo mané? – Melequento aproveitou para zombar.

– Eu falei! A cara dele ficou igual a de alguma fera ou sei lá o quê. – Cabeça-Dura voltou e sussurrou mais discreto que a irmã.

– Acho que você andou comendo aquela folha de novo… - disse Perna-de-Peixe, entrando no assunto.

– CALA A BOCA!

– Eu posso ouvir vocês! - Soluço respondeu do outro lado do salão. Esquecemos de que ele estava ali.

Ninguém se importou com isso, mas paramos de falar no assunto. Aproveitei que estava distraídos e fui até onde Soluço estava, sentei do seu lado e apertei seu braço.

– Eu vi! Seu rosto mudou no treinamento. Primeiro fala com as bestas, agora mete medo com seu "rosto de monstro"? - Sussurrei o mais discreta possível.

Soluço não respondeu, olhava para o lado oposto a minha face fingindo que eu não estava ali então o ignorei de volta e comecei a falar outra vez.

– Escuta bem... se quer que eu guarde segredo então me diga com o que estou lidando. Se você não quiser que eu saia daqui e conte para todos que o "Cabeça-de-Vento" ali tem razão de ter medo, me conta logo o que você é agora m...

Senti a mão dele mão me agarrando, espantei-me quando a vi se transformar em uma garra, como a de um lagarto. Quase gritei mas Soluço se virou para mim. Suas pupilas estavam comprimidas em uma linha, seus olhos verdes estava brilhantes, e tão... hipnotizantes... calei-me. Soluço estava usando algum truque em mim, não resisti ao seu controle. Chegou perto de mim e falou ao meu ouvido esquerdo de uma maneira um tanto sedutora.

– Não conte o meu segredo nunca... Falo com dragões porque sou um deles... Minha mãe era um deles... Meu pai pode tê-la matado... O mesmo pode acontecer comigo... Guarde esse segredo, leve-o até seu tumulo, esconda até dos Deuses... Não vou te machucar... Nunca... E você, proteja meu segredo com os dois braços... Promete...?

– Eu juro... - Respondi adormecida, totalmente sob seus comandos - Juro que.. Não conterei a... A ninguém...

Ele me soutou e saiu da mesa. Sai do transe tonta e com aquela promessa cravada no meu coração e em minha memória. O vi sair pelo portão, esperei um pouco até minha vertigem passar e caminhei até em casa.

Quando cheguei fui direto para meu quarto, jogando-me em cima da cama. A imagem daqueles olhos surgiram e senti meu coração palpitar. Tão verdes... Tão incríveis... Havia gostado do que aconteceu.

***

Acordei com o sol passando pelas fendas da madeira nas paredes, fui até a janela e abri. Suspirei e comecei a refletir sobre a noite anterior, não foi sonho porque olhei meu braço e lá havia as marcas de garras por debaixo do cordão. Voltei para perto da cama e me sentei. Eu devia contar para alguém, mas era impedida pela minha promessa. Ele realmente tinha me hipnotizado, não podia contar o segredo nem se quisesse. O pior era que eu não estava com medo, e sim encantada.

– O que fez comigo? - Falei para o vento com um sorriso no rosto que não compreendi. Levantei suspirando e falando sozinha - Onde eu fui me meter? "Soluço Spantosicus Strondus III, o viking dragão"... Fala com eles e ainda por cima é um deles. E tem aqueles olhos que não saem da minha mente... - Grunhi de raiva - Legal! Me seduziu! Sou toda sua! - Falei ainda com um misto de raiva e ironia enquanto sentava na cama e me apoiava nas minhas pernas.

– "Seduziu"? - Disse uma voz na janela. Seu dono era um jovem de cabelos negros quase iguais ao de Soluço, porém, uns cinco anos mais velho. No susto, gritei mas ele logo se apressou em se apresentar.

– Desculpe! - Ele começou sem muito jeito. - Meu nome é Olavo, um amigo do Soluço.

– Te perguntei, por acaso?! - Retruquei, talvez bruta demais ao tentar me recompor.

– Calma, ainda não acabei! Também sou aquele dragão de antes e agradeço por guardar segredo. Pronto, acabei, agora pode ser grossa. - Ele disse com o sarcasmo bem próximo ao de Soluço.

– Dragão...?...

– Isso. - Sorriu, irônico.

Fiquei quieta por uns segundos. Retornei a mim e lembrei do que Olavo ouviu, então eu disse entre dentes:

– Te proíbo de contar a ele o que ouviu!

– Você prometeu guardar nosso segredo, guardar um seu é o mínimo a fazer. Minha boca será um túmulo.

– Acho bom. - Resmuguei e me sentei na borda de minha cama de braços cruzados e evitando o olhar do desconhecido à minha frente.

– Não fique assim.Você não foi a primeira a cair na armadilha de amor de um dragão.

– Que amor, o quê?!

Ele riu, se divertindo com minha timidez perante os fatos.

– Não é sua culpa, nós dragões podemos ser bem cativantes. - Olavo falou enquanto sentava a meu lado, de modo despreocupado e, por um segundo, eu percebi o quanto ele se parecia com Soluço: o tempo poderia torná-lo diferente em poucos anos, fazendo um franzino menino tornar-se um homem.

“É… ‘Dragões podem ser bem cativantes.’”, concluí em pensamento.