– Alguém pode me dizer uma citação de William Shakespeare? – perguntou a professora.

Era a aula de literatura da segunda-feira. A professora estava acostumada com o silêncio da turma quando ela fazia uma pergunta, e escolheu o aluno que queria.

– Miguel? – pediu ela.

– Se nos picarem, não sangramos? Se nos fizerem cócegas, não rimos? Se nos envenenarem, não morremos? E, se nos ultrajarem, não nos vingaremos? – recitou.

– Excelente! – disse a professora e o sinal tocou para o intervalo.

Logo os corredores lotaram. Sofia e Miguel saíram em direção ao refeitório, e a bajulação começou.

– “Se nos ultrajarem, não nos vingaremos?” – caçoou Oliver. – Não sabia que entendia de literatura, magrelo! Você parece uma menininha.

– Me deixa em paz, Oliver! – pediu.

– Olhem só! A garotinha quer que a gente vá embora! Sinto em dizer, mas nós não vamos. Vamos ficar aqui e te azucrinar! Você e a sua namoradinha! Ou podemos dizer “namorado”? Vamos combinar que essa garota destrambelhada mais parece um garoto, só falta cortar um pouco o cabelo e pron...

Oliver foi interrompido por um soco. Ao cair no chão, Miguel o continuou acertando com vários outros socos. Parecia ter perdido a razão.

– Sai de cima dele, Miguel! Sai, não vale a pena! – implorou Sofia.

A amiga tentava arrancar Miguel de cima do garoto, mas só quando os amigos de Oliver interromperam que Miguel o largou.

– Você vai me pagar, Miguel! Você vai me pagar! É como Shakespeare disse, não é? Você vai ver essa citação se concretizar! – berrou Oliver enquanto todos paravam para olhar.

**

O sol estava se pondo quando os amigos chegaram em Sonho Azul. Por todo o caminho, não trocaram uma palavra sequer. Aconchegaram-se no gramado, hoje estavam sozinhos. Sammy havia ficado na casa de Sofia.

– Nunca mais faça isso... Não se deixe levar pelo o que o Oliver diz.

– Eu não agüento mais! Suportamos o Oliver por longos sete anos, ele merecia alguma coisa – disse ele.

– Eu sei! Mas não algo assim! Sorte sua que você ganhou apenas uma detenção, e se tivesse sido expulso? Como iria terminar a escola?

– Mas eu não fui, não é? Está tudo bem...

– Não, Miguel! Não está. Você ouviu o que aquele gordo disse! Ele vai querer se vingar de você, é melhor tomar cuidado – avisou Sofia.

– Ele não vai me fazer nada! Não se preocupe. Agora, vamos esquecer disso. Fizemos aniversário na semana passada, mas só agora consegui seu presente. Pegue – disse Miguel.

Miguel tirou um colar do bolso e entregou a Sofia.

– Veja atrás. É a constelação de Gêmeos. Desde aquela noite, eu não fazia idéia do que te dar, então, como você gostou da história, comprei um colar e gravei as estrelas da constelação. Gostou?

– Claro que eu gostei, graveto! – disse ela. – Eu estava guardando o seu. Achei que não ia me dar nada, então guardei até receber meu presente.

Os dois riram alto. Sofia adorava fazer piadas, de vez em quando. Ela pegou sua bolsa, e retirou de lá um livro.

– Aqui. É de Louisa Reid, o nome é “Corações Feridos”. Acho que você vai gostar – disse lhe entregando o livro.

– Obrigado. Deve ser um ótimo livro!

– Eu espero que sim, seria chato se eu te desse um livro sem graça – respondeu sorrindo.

– Podemos passar em Narem, amanhã! Tudo bem pra você? – perguntou o amigo.

– Está sim. Miguel... Não sei se estou errada, mas acho que a Lydia está nos escondendo alguma coisa. Ela ficou toda estranha quando perguntamos sobre as fadas.

– Eu também percebi. Mas por que Lydia nos esconderia algo importante?

– Não faço ideia. Talvez não queira que nos arrisquemos como da última vez. Você lembra? Quando Naomi nos atacou? – explicou Sofia.

– Claro que lembro. As malditas mordidas daquelas fadas estão na minha perna até hoje, não sei por que nunca cicatrizaram – disse ele.

– Talvez um encantamento. Mas, como eu ia dizendo, tenho certeza que tem algo de errado em Narem! Lydia está mais estranha do que o normal.

– Amanhã podemos conversar melhor com ela. Devemos falar com Lecos também, ele é braço direito dela, deve saber de algo.

No dia seguinte, os dois foram até Narem. Estava do mesmo jeitinho de sempre. Conversaram um pouco com todos, e depois deram um jeito de conversarem em particular com Lydia. Foram para um lugar mais afastado, somente os três.

– Lydia, sabemos que tem algo de errado. O que você está nos escondendo? – perguntou Sofia.

– Não precisam se preocupar, já disse que está tudo bem...

– Não Lydia... Não está. Você está abatida, triste, está preocupada com alguma coisa, não é? – indagou Miguel.

Lydia tentou resistir, mas os dois a conheciam melhor do que qualquer outra pessoa.

– Vocês venceram. Tem sim algo errado. Uma sereia teve uma previsão, ela viu as fadas nos atacando como na última vez. Só que, nesta visão, ela viu mortes. E viu também... – ela resistiu um pouco. – Viu Naomi me matando.

– O que? Como assim? Elas podem sair de novo, como isso é possível? – disse Sofia desesperada.

– Não fazemos ideia. Mas continuamos reforçando o campo de força. Mas algo estranho aconteceu nos últimos dias. Um de nossos unicórnios apareceu com uma mordida na perna dianteira, temos certeza que era de uma delas. Elas podem voltar a qualquer momento...

– Não podemos deixar isso acontecer, Lydia! Depois de tudo que fizemos para nos livrar delas – disse Miguel.

– Sei que não podemos, e estamos fazendo o possível para evitá-las. Acredito que... Que elas tenham encontrado alguma forma de recuperar seus poderes sem ajuda. Estão criando um novo tipo de magia, talvez até mesmo magia negra...

Voltaram para o centro de Narem, ainda preocupados com a possibilidade de um novo ataque. E preocupados também com a possível morte da rainha...