Criança Domesticada escrita por AneenaSevla


Capítulo 5
Aquele Sustinho de Quem Nunca Viu


Notas iniciais do capítulo

"Todas as riquezas do mundo não valem um bom amigo"
Voltaire



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Thomas deixou-se acariciar, e aproximou a cabeça para perto dela. Alicia sorriu. Até que gostou do seu bichinho novo.

Realmente, ele é muito legal, ela pensou.

Um pequeno barulho de estática encheu seus ouvidos por meio segundo. Ela não chegou a perceber de imediato, mas…

Ei… Isso é bom… ela ouviu uma voz dentro da cabeça dela. Ela na mesma hora tirou a mão, olhando para todas as direções.

– Quem foi? Quem é? – ela se afastou da jaula. Thomas a encarou. Ainda não entendia as palavras dela, mas sabia que ela estava procurando a origem do pensamento.

Aqui… eu… atrás de você. Ele pensava ao vê-la se virar para todos os lados, até que ela olhou para o monstrinho. Ela afastou a cabeça, alarmada.

– C-como… - ela gaguejando – como você faz isso?

Ele encolheu os ombros, podia adivinhar o que ela dizia, até certo ponto. Eu falo, mas ninguém me escuta, e você me escuta agora!

– Ah… - ela nunca tinha presenciado algo tão extraordinário. Pensou: mas como você não entende as palavras faladas e sim as pensadas? São a mesma coisa…

É estranho, né? Leva um tempo pra se acostumar… ele fez um grunhido chiado, parecia um riso. Ela sorriu amarelo, ainda não se acostumou à coisa. Ele continuou. Agradeço pela comida… eu tava com muita fome… só lembro de ter comido carne outro dia…

Alicia não só ouvia as palavras, como também uma aura de emoções e um pouco do tom de sua voz. E a dele era estranhamente agradável, como de uma criança…

Você tem uma voz tão nova… Parece com a de uma criança…

Eu sou uma criança… Ele contou nos dedos longos e finos, mostrando-os para ela. Tenho… quatro anos. Ela arregalou os olhos.

– Quatro anos? Sério? – Ele virou a cabeça para o lado, aí ela se lembrou. Oh, desculpe… mas sério que você tem quatro anos?

É sim… ele baixou a cabeça, ela sentiu a tristeza do pensamento dele. Mas… não consigo lembrar de mais nada… Não lembro de nada mesmo…

Eu sei quem você é… você é Thomas, meu mais novo bichinho. Ela sorriu feliz. Ele virou a cabeça para ela rapidamente.

Thomas? Esse é o meu nome? Ele se aproximou mais um pouco dela. Alicia assentiu, ficando tristonha.

Sim. Era o nome do meu urso, mas ele fugiu.

Por quê? Você não me dá medo. Ele moveu os músculos da cabeça, formando um leve sorriso, e a aura dele transparecia isso. Ela sorriu junto.

Você também não dá medo, não mais. Ela então olhou para onde ele estava. E você fala!

Thomas apenas encolheu os ombros. Eu não sei ainda, mas posso tentar… Ele começa a abrir a boca quando ela sacode a cabeça.

Não precisa. Assim tá bom pra mim… você só vai ter de aprender a entender eu falando, eu acho… Thomas fecha a boca e ela ri um pouco. Então ela começa a bocejar, o monstrinho observou com cautela.

O que é isso que você fez? Ele perguntou, ela olhou para ele um pouco confusa, então entendeu.

Eu apenas bocejei… acontece quando você fica cansado… Ele negou com a cabeça.

Eu não faço isso… Ele coçou a bochecha, ela riu, lembrando-se de quem ele era. Ambos riram, até que Alicia suspirou cansada.

Eu acho que é hora de dormir… os pensamentos dela estavam ficando lentos e difusos. Thomas assentiu, se sentando na base da jaula e espreguiçando os braços enormes. Agora que ela percebeu, eram do mesmíssimo tamanho das pernas.

Alicia olhou para o monstrinho e sentiu pena. A jaula não deve ser um lugar muito confortável… Então ela foi para o closet e pegou dois travesseiros e um edredom, entregando-os para ele. Tome, ela pensou para ele, vai se sentir melhor.

Ele pegou as coisas, e a encarou, com o maior carinho do mundo, depois a encarou, um sorriso formando em sua face invisível. Ela sorriu junto. De nada.

Então ela se deitou, e logo adormeceu, observando a criatura deitar-se no assoalho da jaula, ajeitar as almofadas e se cobrir com o edredom, ronronando satisfeito. Ela riu um pouco. Percebeu que gostava deste som.

No dia seguinte, ela acordou com um grito e um estrondo de algo se quebrando. Num sobressalto, ela se sentou na cama e viu uma das empregadas – mais precisamente Fabienne, a camareira – se afastar rapidamente de algo que estava ao lado da cama da menina. Ela olhou na direção do medo dela e viu Thomas de pé, alarmado pelo grito, quase subindo pelas paredes da jaula. Ela sentia o medo dele, era exatamente igual ao da camareira, que tinha derrubado uma bandeja de prata com café da manhã no chão, três croassaints derrubados, um pote de geleia ainda intacto, um copo espatifado e suco de laranja derramado eram o que restavam dela.

– Senhorita, o que é isso?! – ela apontou para o monstrinho. Aliviada e meio grogue ainda, ela coça os olhos e diz bocejando:

– Fabi, não me assusta assim… - apontou para o bicho – Esse é Thomas, meu bichinho. Papai me deu ontem de noite…

– Bi-bichinho?! - ela repetiu. Thomas ainda estava agarrado nas barras, tremendo.

Calma Thomas, Alicia pensou, ela apenas ficou com medo de você…

Ele se acalmou aos poucos, se sentando de novo no assoalho da jaula. Fabienne ainda o encarava.

– Fabi, se acalme também. Papai disse que ele é inofensivo… - ela olhou para a comida no chão, e fez uma careta – poxa… esses croassaints pareciam tão bons… você vai ter de limpar isso, não acha? – terminou com uma voz ríspida. A empregada assentiu.

– Sim senhorita – e foi buscar uma vassoura. Ela olhou para o monstrinho, que ainda encarava a porta. Alicia riu, Thomas olhou para ela.

Então ela teve uma ideia. Ei Thomas, que tal a gente dar um susto nela?

Susto? Ele virou a cabeça.

É! Ela saiu da cama e foi para a jaula, olhando por onde abria, até que parou e… Só que… eu não sei…

O que houve? O que ia fazer? Ele se aproximou dela. Alicia o encara, Thomas sentiu os pensamentos dela de quererem abrir a grade, mas ao mesmo tempo preocupação e medo. Preocupada por pensar que eu vou fugir?

Você vai? Ela olha pra ele, os olhos cheios de água. Ele não entendeu muito bem por que os olhos dela estavam assim, mas ele se afastou ao sentir a tristeza.

Não se não quiser… Ele se senta. E mesmo que eu quisesse, eu não sei para onde eu iria… não consigo me lembrar de nada além de minha idade…

Ela ainda estava insegura. Promete?

Eu prometo ser bonzinho.

De coração? Ela cruzou o peito com o polegar.

Ele subiu e desceu os ombros, como num suspiro. Tá, de coração. Ele fez o mesmo. Foi o suficiente, ela sorriu.

Ok, agora vamos fazer o seguinte…

Fabienne voltou com um esfregão e um balde, pronta para limpar, quando encontrou a menina dormindo, feliz em sua cama. A mulher suspirou de alívio, afinal, se ela estava tranquila, então não haveria problema em ser repreendi… ué, cadê o monstrinho que estava naquela jaula? Ela olhou alarmada. Ai, não, ele fugiu?

Ela começou a olhar em todos os lugares, até que de repente sentiu um toque nas suas costas, e quando se voltou para ver o que era… nada.

Deve ter sido apenas minha imaginação… ela pensou, mas quando se virou, uma criança sem rosto e braços enormes a encarava diante dela. Um barulho de tecido rasgando arrepiou os cabelos da empregada e a visão de uma boca preta com duas carreiras de dentes afiados a fizeram arregalar os olhos.

– Buaaahh! – ele grasnou, botando a língua para fora.

Um grito agudo absurdamente alto quase fez a casa tremer, e a pobre mulher corria para fora do quarto, tropeçando nos móveis até finalmente sair.

Thomas ficou no quarto, a mão nas laterais da cabeça, e Alicia logo depois foi ouvida, ela sentada na cama, segurava a barriga de tanto rir.

BOA, THOMAS! Ela finalmente conseguiu pensar. Thomas riu junto. Seu riso de boca aberta parecia o de uma criança normal, acompanhada de um grunhido rouco e grave, como um rosnado.

Ela saiu da cama, evitando os cacos de vidro no assoalho cerâmico, e se aproximou dele. Ele a encarou e fez um sorriso com a boca aberta, ela sorriu.

Você viu a cara dela? Viu?

Vi. Engraçado, e eu gostei.

Foi o melhor susto de todos que eu já vi! Você tem potencial!

Pela primeira vez ela o viu corar, mas estranhamente ele não ficava vermelho, ficava com um tom cinzento, mas altamente perceptível na sua cara branca.

Ora… Ele encolheu um pouco os ombros, fechando a boca. Obrigado…

O sorriso dela aumentou. Então desapareceu ao voltar o pensamento de insegurança. Thomas a encarou, sem entender.

O que foi dessa vez?

É que agora você está solto, ela pensou, não vai embora, vai?

Eu já disse, eu não vou. Ele ajeitou a sua camisa, que no tronco era deveras folgada para ele, e cruzou os braços enormes. Eu não gosto quando não acreditam em mim. Thomas bufou um pouco, suas narinas apareceram levemente, depois sumindo. Eu não vou embora, não quero ir…

Quer dizer que somos amigos? Alicia olhou para a falta de rosto dele, onde deveriam estar os olhos, os seus próprios voltando a ficar úmidos.

Amigos? Eu acho que sim, né?

Ela voltou a sorrir e o abraçou. Isso era uma coisa muito incomum para ela. Ele estranhou o contato, mas não a fez largá-lo. Alicia percebeu: ele estava ronronando, ela riu um pouco e finalmente disse para ele:

Prazer em conhecê-lo, Thomas… Sou Alicia… Alicia Oakley, mas pode me chamar de Licia…

Licia… ele a envolveu com os braços enormes, ronronando.

Ela não sabia, mas na verdade ela o estava prendendo com laços muito mais fortes do que aquelas barras de aço soldado…


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Notas finais do capítulo

Fiquei tão emocionada de escrever esse capítulo... sempre quis escrever uma cena assim... *desejo realizado*
*3* Até a próxima, quando eu postar!