– Espera aí, o quê?

– É exatamente o que a senhorita ouviu, senhorita Hooch. Pelos próximos meses em tempo indeterminado um dos nossos estudantes será responsável pela senhorita em todos os momentos. Vocês andarão juntos, farão as lições juntos e ficarão todo o final de tarde na nossa sala de detenção.

– Mas a minha...

– A sua mãe já foi avisada e está de acordo com tudo o que lhe foi proposto.

Aquela velha maldita parecia adivinhar todos os meus pensamentos. Droga! E eu nem tinha como me defender! Bufei.

– Já estou liberada? – perguntei impaciente tentando não fazer alguma piada sarcástica sobre a verruga enorme que ela tinha no nariz.

– Até o momento sim. Mas no final da tarde de amanhã é bom que se dirija para a sala de detenções antes que eu mesma tenha que escoltá-la até lá.

E não é que a velha maluca adivinhava mesmo os meus pensamentos?! Antes de sair não resisti a bater a porta. Eu já estava tão encrencada que era simplesmente impossível a coisa toda se tornar pior. Mesmo minha mãe morando longe ela ainda ficava sabendo de tudo que acontecia na escola, e o pior de tudo, ela concordava com todos os castigos que eram erradamente dirigidos a mim. Quer dizer, não tão erradamente, mas mesmo assim... Argh! Isso definitivamente não estava nos meus planos.

Eu não conseguia sentir nem metade do ódio que eu realmente queria pela idiota da Rosalia que se ofendia tão facilmente como um cachorrinho! Eu nem a havia xingado diretamente e convenhamos, retardado não é o pior xingamento que alguém poderia receber, ela tinha que chorar por isso? Ela tinha? Qual a necessidade de chorar por tudo? E o pior é ver as pessoas tratá-la como uma bonequinha de porcelana facilmente quebrável.

Não fiz nenhuma questão de voltar para a sala de aula, decidi então ir para o refeitório conversar com o bom e amigo Bruce que sempre tinha uma história para me contar. Quando entrei ele estava lá, atrás do velho balcão secando alguns pratos e ajeitando as garrafas de suco em cima do compartimento velho e quadrado que precisava ser substituído com urgência.

Deslizei para um dos bancos a frente dele e apoiei os cotovelos no balcão colocando logo em seguida meu queixo por cima. Sorri.

– Você não tem aula de Artes neste exato momento, menina? – ele perguntou ainda sem se virar para mim ocupado demais enxugando um dos pratos e o recolocando na pilha.

– É, eu tenho, mas ninguém precisa saber disso. – pisquei para ele quando finalmente se virou para mim.

Bruce rolou os olhos.

– Sabe que você é até bonito? Acho que entendo a demora das garotas pra pegar o lanche quando vem até aqui. Mulheres gostam de homens jovens com músculos.

Ele ri. Bruce era realmente muito lindo, e se ele não fosse um dos amigos da minha irmã mais velha, eu provavelmente já teria tentado pegá-lo. Não me leve a mal, eu e Bruce somos apenas bons amigos, mas o cara era muito lindo. Trabalhava na escola para juntar dinheiro para a faculdade e tinha vinte e um anos. Era forte, tinha os olhos verdes e o cabelo castanho. O tipo de cara por quem as garotas da escola se matam, mas eu não deixaria ele saber disso.

– Não estou aberto a relacionamentos agora.

– Uma pena. – brinquei.

Olho para os lados quando duas pessoas entram no refeitório. Uma garota loira, baixinha, de óculos que eu reconhecia como uma das alunas nerds da qual os professores puxavam saco e geralmente contavam com ela para tudo, e ao seu lado o aluno preferido da diretora, Michael, alto e com os olhos castanhos e o cabelo meio bagunçado escuro também costumava chamar a atenção das garotas, mas no final ele era “certinho” demais para elas.

Voltei minha atenção para Bruce.

– Adivinha só o que aconteceu dessa vez. – falei com tédio e ele respondeu no mesmo tom.

– Castigo, diretoria, detenção?

– Pior. – bufei – Dessa vez eles vão colocar alguém no meu pé o tempo todo.

– Ah é, quem?

Bruce não estava cem por cento na terra e eu já tinha percebido isso. Mesmo assim, resolvi continuar o diálogo evitando o momento de ter que voltar para a sala.

– Não sei ainda. Mas vou fazer essa pessoa desistir e implorar a diretora para não ter mais que me acompanhar em lugar nenhum. Ora, eu preciso da minha privacidade, certo?

– Claro, claro. – era definitivo, Bruce não estava prestando atenção.

Inclinei a cabeça para o lado onde ele encarava uma garota mais nova, estudante também, eu a reconhecia da classe de sociologia, Naomi Winks. Sorri maliciosamente em direção a Bruce e o cutuquei.

– O quê? – ele perguntou sério.

Balancei a cabeça rindo sugestivamente e apontei para a garota há alguns metros de distância.

– Suponho que não se importe com o fato dela estar fora da sala. Ela vem muito por aqui, não?

Bruce levantou uma sobrancelha nada surpreso. O cara era bom em esconder sentimentos e se manter controlado. Era difícil assustá-lo ou surpreendê-lo, era o que eu mais gostava em Bruce, o seu autocontrole.

– Ei, não precisa esconder quer que eu te apresente? – insisti.

– Jane, não...

– Hey, Naomi! – gritei.

Ela me olhou surpresa e em defensiva que era como as pessoas geralmente ficavam comigo pelo fato de eu ser um pouco... Intimidante por assim dizer. Acenei para ela o mais gentil que consegui. Naomi se aproximou de mim ainda com cautela e só relaxou quando lancei um sorriso para ela.

– Bem, só queria saber se temos algum dever de Sociologia que estou me esquecendo.

Ela obviamente não acreditou. Eu não me importava com os deveres, fazia apenas o suficiente para passar.

– Não temos sociologia hoje. – ela lembrou.

– Não? Nossa, acho que esqueci de conferir o horário hoje. – suspirei – Bom, acho que deu a minha hora. Aliás, desculpem a falta de educação, Naomi esse é Bruce, e Bruce, essa é Naomi.

Dei um sorriso forçado antes de sair para fora do refeitório. O sinal acabara de bater. Pela mesa onde os dois nerds estavam sentados, nenhum deles olhou para mim. Fora isso, o refeitório antes vazio começou a encher.