Gotas de suor escorriam pela extensão de seu pescoço, suas pálpebras estavam pesadas pela noite mal dormida e pelo gasto excessivo de energia, a perda de sangue também a exauriu mais rapidamente. No entanto, a vitória era dela. Preso entre suas pernas estava o corpo do rapaz e fincado em sua barriga, uma faca com a lâmina parcialmente escondida. Ambos respiravam com dificuldade, o único som era de suas respirações vacilantes que aos poucos iam se normalizando. Mas a dele, estava diminuindo, ficando cada vez mais baixa e fraca. Muitas coisas passavam por sua mente, perguntas a fazer, acusações a esbravejar, mas sua expressão permanecia neutra, nem mesmo uma emoção sequer sondava seu rosto, um pouco de choque talvez, mas nada que a denunciasse. Estava aturdida, sentia o coração bater tão rápido no peito que só sentia algumas batidas. Ele a encarava em silêncio, poderia ter dado as respostas que ela queria, poderia ter sido sincero pelo menos uma vez, mas do que adiantaria? Só a deixaria arrependida se ele mudasse de última hora, uma culpa assombrosa iria assola-la. O que ele não sabia, era que de qualquer forma já estava destruída, depois de tantas decepções e mentiras, ele tinha sido sua esperança de uma mudança, de que tudo poderia dar certo. Sabia que parte do que estava acontecendo era culpa dela, mas ela procurava por ajuda, apoio e tudo o que recebeu foi acusações de que não conseguia viver por si mesma. Perdeu a confiança em si. Perdeu a visão de beleza no mundo. Conforme a cor se esvaia do rosto dele, um sentimento se sobrepôs a todos os outros: Desespero. A mão que antes segurava o cabo da faca com força e determinação, fraquejou e tremeu, fazendo com que os dedos afrouxassem a pressão.

Seus olhos estavam marejados, tamanha era a força que fazia para não deixar que as lágrimas escapassem, ela sentiu que a cabeça se partiria em duas. Por um breve momento, os olhos deles faiscaram com a ordem silenciosa para que ela se permanecesse firme. Uma dor cortante estava dilacerando seu peito aos poucos, como se a faca estivesse enterrada no peito dela. Não soube por que, mas naquele momento se lembrou de como ele tinha ridicularizado os amantes desafortunados e preferidos dela. Ele tinha dito que com certeza quem tinha matado o Romeo foi a Giulietta, ele se recusava a aceitar que o jovem tinha se jogado no manto frio da morte de bom grado. Ela tinha rebatido que, se não fosse por ele ter cobiçado o que não podia ter, tanto Giulietta como o próprio Romeo poderiam estar vivos, por tanto a culpa não era da donzela. “Mas assim não teria história de amor, o que vale são os momentos que eles viveram juntos.” No mesmo instante as lágrimas irromperam num choro ruidoso, seu corpo sacudia com os soluços e os olhos ardiam enquanto linhas irregulares de água dançavam por suas bochechas. O garoto soltou um suspiro, seu último, e abriu um sorriso de derrota. Com os olhos arregalados, ela percebeu que não sentia mais a batida fraca dele, seus olhos estavam fechados, seu corpo era silencioso. Num ato de desespero, ela retirou a faca, gritando com o som grotesco da carne se desprendendo do ferro, pegou os ombros dele e o embalou com os braços, os espasmos que podia se ver no corpo dele, eram nada mais do que ecos malfeitos do dela.

Suas mãos emitiam um brilho sutil, a trilha de sangue que seguia até seu pulso, se espalhava numa pequena poça no chão. Ele certamente iria brigar com ela, falaria um monte ao se deparar com sua figura, se eles fossem abençoados com o milagre de poderem se encontrar novamente. Aquela não era uma forma digna de se morrer, mas uma vida sem ele também não era uma forma digna de viver. Sua voz era rouca e baixa, nada parecida com sua voz, aquele era a voz de uma moribunda que lutava bravamente para sussurrar sua última maldição ao mundo.

—Sem final feliz.